terça-feira, 10 de dezembro de 2024

CRÓNICA PREOCUPADA

 De vez em quando o cronista decide sacudir a espuma dos dias que nos é servida diariamente e tenta mergulhar mais fundo na realidade que lhe subjaz. Questão de deixar de lado os temas que, cada vez com maior frequência, nos atraem a atenção por parecerem importantes, mas que logo são substituídos por outros, numa sucessão infindável de primeiras páginas que em nada contribuem para a melhoria da sociedade. Bombeiros profissionais a incendiar as ruas com petardos e cartazes a dizer se há fogo chamem a polícia, um partido extremista e sem respeito pela democracia e pelo património a colocar tarjas vergonhosas na fachada da própria AR dão fotografias e títulos explosivos, mas em nada contribuem para o bem colectivo. Nem para um futuro próspero e em paz.

A discussão do Orçamento de Estado para 2025 é o exemplo acabado do que acima escrevo. Durante meses fomos inundados de “notícias”, tomadas de posição e mesmo marcação de “linhas vermelhas”, agora tanto na moda e que rapidamente foram passadas, porque na realidade não significam nada. Percebeu-se que a sua aprovação se deveu ao medo geral de eleições, não passando de mais uma demonstração da mediocridade dos nossos políticos.

O que verdadeiramente interessaria aos portugueses seria a proposta de um rumo, que fossem definidos objectivos claros a médio e longo prazo. Claro que um governo sem uma maioria parlamentar está limitado na sua acção. Mas acabar uma aprovação orçamental a discutir aumentos de pensões é bem indicativo do triste estado a que chegou a nossa política e isto é válido para governo e oposição. Significa que a política verdadeira de construção de um futuro melhor foi substituída por uma caça desenfreada ao voto dos pensionistas.

Só é possível distribuir o que se tem. É por isso que a social-democracia que defendo tem como um dos vectores fundamentais a criação de riqueza. Nisso difere do socialismo, sendo a visão marxista da sociedade a pedra de toque. Infelizmente, entre nós, confunde-se demasiadas vezes a distribuição de riqueza, que se faz através da política fiscal, com assistencialismo. É fugir à raiz dos problemas e atirar dinheiro para cima deles. Mais cedo ou mais tarde dá mau resultado.

Num momento delicado em que a Europa e o mundo se debatem com problemas gravíssimos, discutir minudências é fazer como a avestruz que dizem esconder a cabeça na areia para não ver a realidade assustadora. As guerras da Ucrânia e do Médio-Oriente, as crises económicas nos dois maiores países da União Europeia e a eleição de Trump nos EUA, com o seu isolacionismo e exigência de partilha de custos da NATO constituem nuvens escuras no nosso horizonte que não devemos esconder.

A política portuguesa está hoje nas mãos de pessoas oriundas dos aparelhos partidários, não se lhes conhecendo outra actividade relevante. Notoriamente, o eleitorado já percebeu isso mesmo, não tendo confiança nelas. É nestas alturas que, historicamente, acaba por fazer más escolhas, que paga mais tarde de forma pesada.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 Dezembro 2024

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

FUGA DE PORTUGAL

 

Talvez por razões pessoais, porque me toca também na família directa, se há questão política que penso ser muito sensível em termos nacionais é a emigração de jovens qualificados.

De facto, Portugal continua a ter um lugar pouco invejável no contexto europeu se observarmos os níveis de emigração, principalmente no que respeita aos seus jovens, já que cerca de 30% dos jovens portugueses, entre os 15 e os 39 anos, deixaram o país, vivendo actualmente noutros países. Fugindo de Portugal, vão em busca de melhores oportunidades de emprego e condições de vida. Já são quase 850 mil pessoas, não contando com os seus filhos que, entretanto, nasceram, como é o caso de dois netos meus.

Enquanto na generalidade da Europa ocidental se verifica uma grande imigração com boa parte da população a ter nascido noutro país, Portugal encontra-se acompanhado pela Albânia e pela Bósnia com altas taxas de emigração.

Costuma falar-se, e com razão, da emigração portuguesa nas décadas de 50, 60 e 70 do século passado como uma das provas do atraso do país na altura e das fracas condições de vida que o país oferecia aos seus cidadãos. Mas…e hoje? Em níveis completamente diferentes, isso é óbvio, continuamos a ter um diferencial desfavorável que justifica esta saída gigantesca de jovens. A piorar a situação, a verdade é que grande parte destes jovens que vão para fora a procurar melhor futuro faz parte daquilo a que os políticos gostam de chamar “a geração mais bem preparada de sempre”.

Três estudos sobre a emigração portuguesa publicados em 2021 pelo Observatório da Emigração elegiam a ciência, informática e matemática; ciências sociais, comércio e direito; engenharia, indústrias transformadoras e construção como as principais áreas de trabalho e formação dos emigrantes nacionais. Não há dados consolidados mais recentes. Segundo o coordenador científico do Observatório, tem havido uma crescente emigração qualificada, nomeadamente para os países do norte da Europa e que acontece nomeadamente no sector terciário. Mas cada vez se torna mais forte a convicção de que estes emigrantes trocam a maior felicidade que poderiam ter em Portugal por uma maior realização profissional e maior oportunidade de progressão na carreira. A economia portuguesa continua com uma percentagem esmagadora de pequenas e micro empresas e com um minoria de grandes empresas, aquela que poderiam alterar aquela situação. A actual escassez de habitação, com a consequente alta de preços, é outra das causas que ajudam

Em consequência, verifica-se uma diminuição da população jovem em Portugal e um aumento da população idosa. Claro que sabemos que a imigração vem minorar este diferencial mas a verdade é que a maior parte dos que chegam têm baixas qualificações, pelo que não puxam pela qualidade do emprego e pela produtividade, antes pelo contrário baixando ainda mais a média geral dos salários.

Portugal adoptou uma legislação que favorece fiscalmente os jovens em sede de IRS. Como se tornou hábito entre nós, mais uma vez se adoptam medidas de fim de linha em vez de encontrar soluções a prazo para os problemas. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Dezembro de 2024

Urgências à portuguesa

1.  Já deixou de ser uma surpresa, por mais desagradável e mesmo assustadora que a situação seja para os portugueses em geral. Há anos que determinadas épocas do ano vêm acompanhadas com tais dificuldades no acesso a urgências hospitalares que cerca de quatro milhões de cidadãos se assustaram e subscreveram seguros de saúde.

No Verão passado aconteceu com as urgências das maternidades. O desnorte foi completo, com grávidas a serem transportadas centenas de quilómetros entre diferentes maternidades até encontrarem uma com vaga para realizar o parto. Muitas crianças nasceram mesmo nos mais diversos tipos de ambulâncias. Isto enquanto se soube que há actualmente um “turismo” de parturientes com origem nos mais diversos países continentes que vêm até ao nosso país ter os seus bebés em segurança e de uma forma muito mais económica. Económica para elas, claro, já que são os nossos impostos que pagam tudo. Como no resto do SNS o serviço prestado, quando o é, reveste-se normalmente de excelente qualidade. O problema é o acesso às urgências, entupidas por uma falta de organização sistémica gritante, com custos elevadíssimos, quer para o Estado em termos financeiros, quer para os doentes em termos de ansiedade. E não só, como se viu há poucos dias nos CHUC na nossa cidade, em que um doente morreu sentado na cadeira à espera de socorro tendo o serviço passado adiante quando ele não respondeu à chamada em vez de ir ver o que se passava. Para não falar do próprio INEM.

É urgente reformular tudo isto, mas é urgente há anos. Quanto ao Governo, é de lhe lembrar o que Sá Carneiro disse aos seus novos ministros: V. Exªs têm seis meses para se queixar da situação que receberam dos anteriores governos. Depois desse prazo, não há desculpas”.

2.    2.  Soube-se agora que os autos do processo Marquês deixaram de ser urgentes, apesar de se saber que vários dos crimes dele constantes estão em risco de prescrição.

Relembro que a prisão de José Sócrates ocorreu há precisamente dez anos, em Novembro de 2014, estando em causa “crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção” num processo cuja investigação tinha começado anos antes. José Sócrates esteve detido em Évora durante 288 dias e ainda 42 dias em casa. A acusação do Ministério Público ocorreu em Outubro de 2017, num total de 28 crimes, para além de corrupção. Em Abril de 2021 ficou conhecida a decisão da instrução do processo, a cargo do Juiz Ivo Rosa que, de forma pública inédita, praticamente destruiu a acusação do MP. Destruiu a acusação e praticamente todo o processo, levando na enxurrada a dignidade do sistema judicial português. Como prémio, foi promovido para a Relação de Lisboa. A mesma Relação que, em Janeiro de 2024, por sua vez destruiu o despacho de Ivo Rosa, recuperando a quase totalidade da antiga acusação do MP.

Na realidade, a classificação do processo Marquês como não urgente só veio dar-lhe a categoria que os portugueses já há muito lhe tinham atribuído. Além de outros, que me abstenho aqui de dizer, quando se sabe que ainda nem há data para o julgamento.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 Novembro 2024