quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

NÃO ACEITAR A POBREZA

 

A existência de pobreza é algo de que todos nós nos devíamos envergonhar. Felizmente, tenho a sensação de que é um problema que é abordado cada vez mais frequentemente na comunicação social e não apenas em determinadas épocas do ano ou quando sucede algum caso mais trágico. A consciência social deste problema é cada vez maior, o que já é um dado positivo, apesar de ser muitas vezes abordado sem atender às suas causas profundas.

Os dados estatísticos oficiais indicam-nos que, em 2023, a pobreza sofreu uma redução em Portugal, com menos 20 mil pobres do que no ano anterior. Sabendo-se, embora, que as estatísticas oficiais nesta matéria são muito enganadoras porque se baseiam em alojamentos familiares assim deixando toda uma multidão de fora, tal deverá ser visto como uma evolução positiva.

Os índices sobre a pobreza em Portugal, no seu conjunto, indicam-nos que a situação, embora esteja a melhorar, é ainda um problema muito grave. O número de portugueses abaixo do limiar da pobreza coloca-nos no 18º lugar nos 27 países da União Europeia. Portugal continua a ter 24% da população a viver abaixo do limiar de €738 por mês, num total de 2,56 milhões de pessoas. Na Europa, atrás de nós estão apenas aqueles países que até à última década do sec. XX eram comunistas.

Em jeito de resumo, a privação material e social medida pela população sem capacidade para ter uma refeição de carne ou peixe de 2 em 2 dias coloca-nos em 25% lugar em 27. Em Portugal, há centenas de milhares de pessoas que não conseguem ter uma alimentação capaz, nisso se incluindo muitas crianças. A acrescentar a tudo isto, como é habitual nestas situações de pobreza, o coeficiente de GINI que reflecte as desigualdades de rendimentos é, em Portugal, de 31,9 em 100, o que nos coloca em 4º lugar nos 27.

Mas a pobreza nunca será erradicada, ou pelo menos reduzida para níveis mais aceitáveis, se não for encarada pelos poderes públicos como uma consequência e não como algo que se vai minorando com políticas assistencialistas. Estas são, infelizmente, absolutamente necessárias, mas não vão à raiz do problema que está na economia e, em concreto, na nossa baixa produtividade. Se o ordenado mínimo tem subido em Portugal, embora ainda seja baixo em termos europeus, não nos podemos esquecer que é definido de forma administrativa, pelo Governo. Já o ordenado médio reflecte o funcionamento da economia que, tendo uma produtividade deficiente, não consegue gerar rendimentos para distribuir pelos trabalhadores. Tem-se, assim, assistido a uma aproximação entre os dois ordenados, o mínimo e o médio, que traduz uma acentuada proletarização das classes médias e justifica grande parte da emigração dos nossos jovens com uma formação desajustada do emprego oferecido em Portugal. Tirar licenciaturas ou mestrados para ser caixa de supermercado ou algo semelhante é altamente frustrante em termos pessoais e limitativo da organização da vida com um mínimo de qualidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Dezembro de 2024

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