De vez em quando o cronista decide sacudir a espuma dos dias que nos é servida diariamente e tenta mergulhar mais fundo na realidade que lhe subjaz. Questão de deixar de lado os temas que, cada vez com maior frequência, nos atraem a atenção por parecerem importantes, mas que logo são substituídos por outros, numa sucessão infindável de primeiras páginas que em nada contribuem para a melhoria da sociedade. Bombeiros profissionais a incendiar as ruas com petardos e cartazes a dizer se há fogo chamem a polícia, um partido extremista e sem respeito pela democracia e pelo património a colocar tarjas vergonhosas na fachada da própria AR dão fotografias e títulos explosivos, mas em nada contribuem para o bem colectivo. Nem para um futuro próspero e em paz.
A discussão do Orçamento de Estado para 2025 é o exemplo acabado do que acima escrevo. Durante meses fomos inundados de “notícias”, tomadas de posição e mesmo marcação de “linhas vermelhas”, agora tanto na moda e que rapidamente foram passadas, porque na realidade não significam nada. Percebeu-se que a sua aprovação se deveu ao medo geral de eleições, não passando de mais uma demonstração da mediocridade dos nossos políticos.
O que verdadeiramente interessaria aos portugueses seria a proposta de um rumo, que fossem definidos objectivos claros a médio e longo prazo. Claro que um governo sem uma maioria parlamentar está limitado na sua acção. Mas acabar uma aprovação orçamental a discutir aumentos de pensões é bem indicativo do triste estado a que chegou a nossa política e isto é válido para governo e oposição. Significa que a política verdadeira de construção de um futuro melhor foi substituída por uma caça desenfreada ao voto dos pensionistas.
Só é possível distribuir o que se tem. É por isso que a social-democracia que defendo tem como um dos vectores fundamentais a criação de riqueza. Nisso difere do socialismo, sendo a visão marxista da sociedade a pedra de toque. Infelizmente, entre nós, confunde-se demasiadas vezes a distribuição de riqueza, que se faz através da política fiscal, com assistencialismo. É fugir à raiz dos problemas e atirar dinheiro para cima deles. Mais cedo ou mais tarde dá mau resultado.
Num momento delicado em que a Europa e o mundo se debatem com problemas gravíssimos, discutir minudências é fazer como a avestruz que dizem esconder a cabeça na areia para não ver a realidade assustadora. As guerras da Ucrânia e do Médio-Oriente, as crises económicas nos dois maiores países da União Europeia e a eleição de Trump nos EUA, com o seu isolacionismo e exigência de partilha de custos da NATO constituem nuvens escuras no nosso horizonte que não devemos esconder.
A política portuguesa está hoje nas mãos de pessoas oriundas dos aparelhos partidários, não se lhes conhecendo outra actividade relevante. Notoriamente, o eleitorado já percebeu isso mesmo, não tendo confiança nelas. É nestas alturas que, historicamente, acaba por fazer más escolhas, que paga mais tarde de forma pesada.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 Dezembro 2024
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