Estamos na época do ano que, à primeira vista, se reveste de mais aspectos incongruentes. Numa data que foi definida há 17 séculos pela Igreja, celebra-se o nascimento de Jesus Cristo em 25 de Dezembro, assim integrando o cristianismo no seu seio as festas que desde há muito acompanhavam o solistício do Inverno.
Mateus e Lucas são os dois únicos evangelistas que relatam o nascimento de Jesus, cada um deles referindo aspectos diferentes que, em conjunto, definiram a tradição cristã do Natal. Enquanto Mateus se debruça sobre a genealogia de Jesus, a visita dos Reis Magos do Oriente e o massacre dos inocentes ordenado por Herodes, Lucas dá-nos um relato mais circunstanciado, referindo a anunciação, a viagem de Maria e José a Belém, o nascimento numa manjedoura e a visita dos pastores. As sucessivas traduções da Bíblia para as línguas actuais terá dado origem a muitos erros, actualmente a serem corrigidos, nomeadamente por Frederico Lourenço que, ao traduzir directamente do Grego, nos oferece toda uma nova perspectiva sobre aqueles tempos de há vinte séculos.
No início do século XIII S. Francisco de Assis, qual percursor das modernas teorias do relacionamento com a Natureza, referia-se a todos os animais como seus irmãos. Em consequência, criou a representação do Presépio que ficou estabelecida como paradigma até hoje, assim aparecendo o burro e a vaca, além do rebanho de ovelhas.
No sec. XVI surgiu a árvore de Natal no Norte da Europa, tendo-se difundido a tradição a partir do sec. XIX decorando-se a árvore com luzes e enfeites.
A tradição de simbolizar o Natal assumiu, assim, diversas formas ao longo dos tempos e em diferentes geografias. A força do Natal é de tal forma que, mesmo durante guerras terríveis, os soldados espontaneamente suspendiam os combates e chegavam a confraternizar com o inimigo durante essas horas, para depois retomar a carnificina, como aconteceu nas trincheiras da Grande Guerra 1914/18.
Nos nossos dias em que o consumismo atingiu níveis impensáveis, o espírito natalício que se consubstancia na oferta tradicional de presentes aos mais pequenos e outros familiares é muito utilizado como meio de publicidade que chega a exageros notórios. É o que sucede com os anúncios televisivos com o caso notório dos perfumes que chegam a patamares ridículos.
Pessoalmente, a época traz-me memórias de natais da meninice passados na Sertã em casa da Avó. Os presentes eram simples. Mas as ceias e almoços de Natal são inesquecíveis. O bucho e os maranhos preparados em casa pela Sra. Gracinda depois de lavadas as vísceras nas águas limpas e gélidas da Ribeira da Sertã para sempre ficaram na memória. Tal como ficaram as idas à Missa do Galo, atravessando no nevoeiro as velhas quelhas e a Rua do Vale com o frio a gelar as mãos e os pés a escorregar nas velhas pedras molhadas. Exteriormente, hoje tudo parece diferente de há mais de 60 anos. Na verdade, a essência é a mesma. Intemporal.
O Natal é efeito de todos estes aspectos. Mas o fundamental é a mensagem de Paz e Harmonia que é transmitida pelo acontecimento celebrado que a tudo se sobrepõe. Aos leitores do Diário de Coimbra e aos colaboradores do jornal que todos os dias permitem que nos venha às mãos com notícias os meus votos de Boas Festas com um Bom Natal e um excelente Ano de 2025.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Dezembro de 2024
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