quinta-feira, 13 de março de 2025

CEGUEIRA


No Museu de Capodimonte, em Nápoles, Itália, é possível admirar-se uma tela da autoria de Pieter Bruegel, o Velho, pintada em 1568 chamada “A Parábola dos Cegos”.

A tela mostra um cego a guiar outros cegos, sendo o destino certo de todos eles a queda em qualquer vala ou mesmo abismo. Pretende representar uma parábola contada por Jesus Cristo que aparece no Evangelho de S. Mateus: “Deixai-os. São cegos e guias de cegos. Ora, se um cego conduz a outro, tombarão ambos na mesma vala”. Trata-se de uma metáfora que, de forma evidente, demonstra o erro comum de seguir pessoas ignorantes de qualquer assunto, no fim ficando todos a perder.

Na actual situação política do país não é possível deixar de se lembrar o quadro de Bruegel, tal é a demonstração de incapacidade demonstrada pelos nossos dirigentes políticos.

Claro que a situação não é nova. Fazendo um resumo do destino dos nossos primeiro-ministros desde o fim dos governos de Cavaco Silva, último a cumprir integralmente todas as legislaturas para que foi eleito, tivemos sucessivamente: Guterres que se foi embora para fugir “ao pântano político”; Durão Barroso que saiu para a Comissão Europeia; Santana Lopes que foi mandado embora pelo Presidente Sampaio; Sócrates que saiu depois de chamar a Troica e a braços com o mais grave processo judicial da Democracia; A Passos Coelho que cumpriu a legislatura até ao fim, seguiu-se António Costa que se demitiu depois de episódios ainda hoje mal contados e acabou por ir para a União Europeia; agora vamos ter Montenegro que sai pela mal explicada questão da micro-empresa familiar pouco mais de um ano depois de iniciar funções.

Não deve haver ninguém que não consiga detectar traços comuns em todas estas situações que se referem a questões pessoais e não a políticas concretas da governação. Há um padrão que já parece mais estar a transformar-se em norma, pela cegueira dos líderes políticos podendo criar as condições para que seja a própria Democracia a ficar em causa. Até hoje a pertença à União Europeia tem servido de escudo, mas como se vê em cada vez mais países europeus, a Democracia pode muito facilmente ser destruída por dentro, através de eleições.

De qualquer forma em todas estas situações é o país que fica a perder com a quebra de credibilidade dos políticos, mais parecendo que o país vive apesar da política.

Nestes dias é claramente perceptível que boa parte dos líderes partidários tremem com medo das eleições. Esquecem-se de que, como alguém disse antes, “em democracia, líder que tem medo de eleições ou não é democrata, ou não é líder”. A gestão sôfrega da questão da empresa da família do primeiro-Ministro que foi muito mal conduzida por este acabou por ter consequências não desejadas por nenhum líder da oposição, excepto Ventura que assim viu a oportunidade de fazer esquecer os casos que atormentaram o Chega nos últimos meses.

A moção de confiança amanhã votada pelo Parlamento, que muito provavelmente será rejeitada, implica eleições a muito curto prazo. Ou muito me engano, ou o Parlamento que delas sair terá alterações muito significativas e trará muitos amargos de boca a alguns partidos, principalmente os mais pequenos.

Não se pode saber quais serão as consequências nas próximas eleições autárquicas e presidenciais de toda esta situação, mas que daqui a um ano o país estará muito diferente, disso não tenho dúvidas. Contudo de uma coisa estou certo: se formos cegos a ser conduzidos por cegos como se pode ver no célebre quadro de Pieter Bruegel, o Velho, melhor não estaremos certamente. Mas se os líderes dos partidos do centro abrirem os olhos e forem, finalmente, sérios, então serão capazes de se unir para o essencial, respeitando as suas diferenças. E o futuro colectivo será melhor, sem esta espécie de insanidade em que estamos mergulhados, em que cada partido vota a sua moção e reprova as dos outros.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 10 Março 2025

 

 

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