Ainda não passaram dois meses sobre a tomada de posse de Donald Trump para o actual mandato de Presidente dos EUA, que é o seu segundo e o mundo como o conhecíamos parece já ter desaparecido. Ainda não podemos perceber bem como ficará, mas desde já podemos detectar as novas linhas de força de definição do futuro, que são de molde a não nos deixar muito tranquilos, antes pelo contrário.
Internamente, as questões da imigração preencheram as capas dos jornais, mas por pouco tempo. O que tem chamado mais a atenção nem tem sido propriamente Trump mas sim a quem ele deu enormes poderes para levar a cabo a sua política de contenção de despesas federais, ou seja, Elon Musk. A forma algo violenta como ele tem levado à prática as orientações do Presidente levanta muitas questões sobre a diferença entre a acção política e a gestão de empresas, principalmente quando estas se encaixam nas novas e gigantescas tecnológicas. Desde logo, a forma como estas empresas globais agem no mundo empresarial aproveitando toda a inovação científica das Universidades para gerar novos negócios a que praticamente ninguém consegue fugir e a forma, digamos fora da caixa, como tratam os seus recursos humanos sem respeito pelas regras habituais levantam muitas preocupações. Os empresários deste sector rapidamente chegaram á situação de homens mais ricos do mundo, sejam Musk da Tesla, a SpaceX e a X(ex-Twitter) ou Jeff Bezos da Amazon e da Blue Origin, entre outros. Para além dos enormes lucros gerados pelas suas empresas globais, muitos destes empreendedores receberam também milhares de milhões de dólares de dinheiro público nos EUA nos últimos anos em contratos com o Estado. É o caso de Elon Musk que, nos últimos 20 anos terá recebido 38 mil milhões de dólares do Estado americano. Introduzir um empresário deste calibre na governação é confundir interesses empresariais com políticos e só pode dar mau resultado. Está sempre presente o perigo do que podemos chamar “tecno-fascismo”. Não nos devemos esquecer dos exemplos históricos como Visconti mostrou de forma trágica no seu “Os Malditos”.
Já externamente, Donald Trump fez uma entrada que só se pode classificar como de partir a louça toda. Está a substituir um mundo de alianças que se estabilizaram depois da II Grande Guerra por um mundo que notoriamente deseja que seja tripolar incluindo os EUA, a China e a Rússia. Faz lembrar um pouco o mundo que existia há mais de cem anos, antes do eclodir da I Grande Guerra que, precisamente, acabou com os impérios que até então dividiam o mundo entre si. Claro que, de forma notória e mesmo ostensiva, Trump não conta com a Europa para a sua forma de ver a nova organização mundial. E é nesta perspectiva que se encontra explicação para toda a actividade de Trump a nível internacional.
Desde logo, a guerra na Ucrânia é um espinho nesta perspectiva, devendo ser-lhe dado um fim imediato, ainda que à custa da soberania daquele país. Os provocatórios comentários sobre a Groenlândia e sobre o Canadá como 51º Estado americano vão no mesmo sentido imperialista.
A política de tarifas à importação de produtos pelos EUA vai também nesta direcção de pretensa defesa da economia americana perante um mundo que ele vê como de exploradores do bem-estar americano. Trump já percebeu e reconheceu que, pelo menos no imediato, serão os consumidores americanos a pagar por essas tarifas implicando alguma inflacção e mesmo recessão. Mas o nacionalismo exacerbado e o desejo de dominar o comércio mundial levam à adopção, até agora errática, da política antiga e ultrapassada de tarifas.
No fundo, Donald Trump sabe que a China é o seu verdadeiro adversário pela sua dimensão e crescimento económico e militar dos últimos anos. Tudo o resto lhe servirá para aplainar o terreno e deixar a América a sós perante a China no futuro. O que não nos deverá deixar descansados.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 17 de Março de 2025
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