Há 51 anos foi acesa uma lâmpada cuja luz irradia liberdade. Qual válvula dos rádios antigos, demorou algum tempo a aquecer e estabilizar para funcionar em pleno, o que ainda hoje sucede com uma tranquilamente que é, talvez, surpreendente.
Assim terminava um regime anacrónico com uma total falta de legitimidade, dado que o poder não lhe era transmitido pelo povo, mas sim pela força.
Nos dias do seu início, naqueles últimos anos 20 e inícios da década de trinta do sec. XX a Europa sufocava entre os extremismos do comunismo que começava a sua experiência para lá dos Urais ameaçando deslocar-se para o Ocidente e uma reacção temerosa que pouco depois desembocaria no fascismo e no nazismo. O caminho das pedras das democracias fez-se com dificuldade, acabando por desembocar na tragédia da II Grande Guerra.
Os militares que levaram a cabo o golpe de 28 de Maio de 1926 em Portugal, reconhecendo a sua incapacidade para governarem o país acabaram por entregar o poder a um civil, Oliveira Salazar, que escolheu o caminho entre as três vias: o indicado por Mussolini em Itália, ou seja, o fascismo. Foi assim que a possibilidade de democracia para Portugal se esfumou. Portugal copiou o sistema corporativo, à maneira italiana, pretendendo conciliar os interesses opostos dos diversos sectores. Portugal adoptou também a via autoritária com o estabelecimento de uma polícia política que vigiava a população com mão de ferro. Os oposicionistas, apenas por o serem, eram frequentemente detidos e levados a tribunais com foro especial. Foram estabelecidas prisões especiais para políticos e mesmo campos de concentração nos territórios ultramarinos. Nessas instalações eram levadas a cabo sevícias e muitos prisioneiros morreram em consequência das condições desumanas a que eram sujeitos. Estabeleceu-se uma censura sobre livros, jornais e actividades artísticas, que era antes de mais política, mas que servia igualmente para definir regras de comportamento social. Para a juventude copiaram-se modelos estrangeiros, surgindo a Mocidade Portuguesa com um modelo pré-militarizado. Foi constituída uma força civil armada com o propósito de defender o regime, chamada Legião Portuguesa. A liberdade de associação foi eliminada, não havendo partidos políticos a não ser a agremiação política do regime.
Penso não ser preciso mais para definir o regime do chamado Estado Novo.
A partir de Fevereiro de 1961 surgiram as guerras de libertação nas colónias africanas portuguesas, que começaram em Angola e se espalharam a Moçambique e à Guiné. Em Dezembro desse mesmo ano a Índia ocupou os territórios de Goa, Damão e Diu. Portugal, que séculos antes dera novos mundos ao mundo, preparava-se para ser o último a deixar esses mundos aos seus povos. Mas nem o exemplo trágico da guerra de independência da Argélia terminada em 1962 evitou que os portugueses fossem arrastados também para uma guerra em África que duraria 13 longos anos. Milhares de mortos dos dois lados, muitos mais feridos e ainda mais traumatizados de guerra que ainda hoje sofrem em silêncio pelo que passaram foram uma consequência terrível dessa guerra.
Mas o regime que nasceu pela mão dos militares e se deixou acantonar sem respostas políticas para acabar com a guerra, viria também a ver o seu fim através de uma revolta militar, faz agora 51 anos. Neste período muita coisa se passou, de bom e de mau. Mas a lâmpada da Liberdade, quase milagrosamente, continua acesa e a iluminar-nos e isso é tão importante que não nos podemos cansar de o celebrar. Muito para além de comparar sucessos ou insucessos materiais de dois regimes, o fundamental é que o actual tem uma legitimidade que advém do povo. Algo que devemos aos militares de Abril que, depois de terem tomado o poder, o devolveram ao povo. O que tendo em conta a nossa História, não é coisa pouca.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Abril de 2025
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