terça-feira, 9 de dezembro de 2025

UCRÂNIA: TRAIÇÕES MÚLTIPLAS

Prossegue a guerra mais longa e mais destruidora que a Europa já conheceu desde o fim da II Grande Guerra. É impossível imaginar o sofrimento do povo ucraniano que, desde Fevereiro de 2022, aguenta heroicamente uma invasão levada a cabo pela Rússia. Para além dos combates em trincheiras por soldados de ambos os lados, todas as noites cidades ucranianas são bombardeadas por centenas de drones e mísseis com civis mortos e feridos, muitas vezes enquanto dormem nas suas casas, num cenário perfeitamente dantesco.

Continuando as suas múltiplas acções consideradas como crimes de guerra sabe-se agora que Putin enviou crianças raptadas na Ucrânia para a Coreia do Norte, sabe-se lá com que finalidade. Discutida na ONU, esta acção não foi condenada por dezenas de países, de que saliento Angola, Moçambique e o Brasil.

Nas últimas semanas tivemos a oportunidade de assistir a uma das mais lamentáveis tentativas de provocar a derrota completa da Ucrânia, sob a capa de supostas negociações de paz levadas a cabo pelos EUA. Trump apresentou um plano de 28 pontos que se veio a saber ser uma tosca tradução de um documento proveniente da Rússia. Para “negociar” este documento Trump enviou a Moscovo uma delegação composta de homens de negócios encabeçada pelo seu genro Jared Kusnner e pelo amigo de longa data Steve Witkoff. Homens sem qualquer experiência diplomática que experimentaram o desprezo que Putin por eles revela, levando-os a passear inutilmente pelo frio moscovita e a esperar horas a fio pela sua presença. Sobre este desastre diplomático, soube-se ainda que o próprio Witkoff instruiu os delegados russos sobre os procedimentos mais eficazes para convencer Trump.

Assim se aplica a política estratégica russa conhecida por “doutrina Gerasimov” que estabelece que criar o caos nas fileiras do inimigo é o caminho para a vitória. Enquanto isto se passa a Ucrânia continua a sua luta titânica para não desaparecer do mapa. Toda a acção de Trump relativamente à guerra na Ucrânia se parece com uma traição, quer na descida vertiginosa do apoio financeiro e militar, quer nas tentativas de obter um “acordo de paz” que não passa de uma capitulação ucraniana. Tudo com negócios como pano de fundo, enquanto Trump afirma que a Europa está num retrocesso civilizacional. Ouve-se e nem se acredita, vindo de um homem que diz recusar a “entrada de lixo” referindo-se a pessoas.

Mas a Europa não está muito melhor. Na semana que passou os governos da União Europeia decidiram terminar com a compra de gás russo em…2027! Isto é, a Europa anda a comprar gás russo desde que a guerra começou no início de 2022, para não recordar a conquista da Crimeia em 2014. O valor do gás comprado pela Europa à Rússia desde 2022 é mesmo superior à ajuda europeia à Ucrânia no mesmo período, sabendo-se que o gás e o petróleo são os principais recursos económicos da Rússia.

Só podemos esperar que, para além das proclamações grandiloquentes, a Europa tome verdadeira consciência do perigo que nos espreita a todos e aja em conformidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Dezembro de 2025  

 

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

UMA CAMPANHA TRISTE

 

Falta cerca de mês e meio para a primeira volta das eleições em que os cidadãos portugueses escolherão o nome do próximo Presidente da República, que se realizará em 18 de Janeiro.

Desde 1976 que voto nestas eleições e nunca faltei a nenhuma. Estas eleições são, no entanto, diferentes de todas as outras desde logo porque penso não errar ao afirmar que nunca umas eleições presidenciais viram um número tão elevado de candidatos, homens e mulheres. Tratando-se de presidenciais, os critérios de escolha que deverão ser a nossa preocupação são obrigatoriamente diversos dos que determinam as nossas opções para escolha dos partidos que constituem a Assembleia da República, de onde emanam os governos.

Claro que, ao tomar posse, o Presidente da República jura cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa que define quais são as suas competências, poucas, no nosso sistema político, compreendidas em três artigos: 133, 134 e 135. Essencialmente, as competências principais, para além da promulgação de leis, decretos etc., consistem em dissolver a Assembleia da República em determinadas circunstâncias, nomear o Primeiro-Ministro ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais, ou demitir o Governo e exonerar o Primeiro-Ministro, sempre nos termos definidos na Constituição. As outras competências revestem-se de carácter mais administrativo.

É habitual considerar que o maior poder presidencial reside na possibilidade de dissolução da Assembleia da República, que é inteiramente político e essencialmente dependente do critério do Presidente, sendo por isso chamado a “bomba atómica”. Apesar dessa designação, já foi utilizado várias vezes e por diferentes presidentes.

O que é pacífico é que o Presidente não legisla, não governa nem administra Justiça.

É, assim, desgarrada da realidade das competências presidenciais muita da discussão que se tem visto nesta campanha em que se discutem assuntos de justiça, imigração, saúde, trabalho, etc. Claro que é conveniente saber quais as ideias de cada candidato sobre as principais questões nacionais. Mas o que se passa é que os candidatos claramente ligados a partidos tentam acantonar ideologicamente os outros candidatos. Isso é particularmente visível nos candidatos situados perto dos extremos políticos, à esquerda e à direita, que fazem os possíveis por atirar para o outro extremo os candidatos mais moderados que encontram grande dificuldades para se conseguirem defender.

Como todos os cidadãos tento deslindar as características que correspondem aos critérios de escolha de um Presidente da República, pelo meio das discussões que podem parecer inúteis ou fúteis, mas que escondem frequentemente verdadeiras opções ideológicas extremas. Algo difícil, já que se verifica que os actuais candidatos podem ter experiência partidária ou mesmo governativa, mas nunca de topo. Tal como o exercício de funções privadas relevantes. Sinal dos tempos, ou apenas uma campanha triste?

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Dezembro 2025 

 

terça-feira, 25 de novembro de 2025

NASCIDA EM ABRIL, SALVA EM NOVEMBRO

 

Para variar, começo esta crónica com uma pequena história. A criança tinha sido longamente desejada e acabou por nascer de um parto complicado, mas saudável e com notória vontade de viver. Os pais ficaram, como é normal, contentíssimos com a chegada do rebento e prepararam-se para lhe dar todas as condições para uma vida longa e feliz. Como todas as crianças, claro que sofreu de doenças e viveu situações de perigo que os pais, mesmo os mais vigilantes, não podem estar sempre presentes para garantir completamente a segurança. Quando já tinha uns cinco mesitos, sofreu de algumas dores, que os médicos classificaram como uma vulgar crise de crescimento, talvez sinal do aparecimento do primeiro dentito de leite. Aos onze meses atacou-a uma virose já séria não sendo ainda possível, na altura, saber se teria consequências de saúde mais graves. Mas o primeiro aniversário foi uma festa gigantesca com a participação, não só da família mais directa, mas também de imensos primos e mesmo de conhecidos e amigos que não quiseram deixar de participar activamente nas festividades. Sinal de que muita gente tinha vontade de vir a participar em mais aniversários daquela criança bonita e sempre bem-disposta em quem, já não apenas os pais, tanta gente depositava esperanças. Aos dezanove meses já a criança andava, embora ainda cambaleante, mas dando os seus primeiros passeios exploratórios do que a rodeava. Foi nessa altura que se deu um acontecimento que poderia ter mudado o futuro da criança de forma trágica. Com os pais ocupados a tratar de assunto decerto importante, a criança escapuliu-se para o jardim e afastou-se de segurança da casa. Uns vizinhos estavam a cortar uma árvore para se aquecerem com a lenha e, embora se tivessem apercebido da presença da criança, não se preocuparam e continuaram a sua actividade, considerando que o seu aquecimento era mais importante que uma criança. Quando a árvore se começou a inclinar para cima da criança, os pais aperceberam-se do que estava prestes a acontecer e correram aflitos, conseguindo pegar nela e salvá-la, embora eles próprios tivessem ficado feridos. Esse acontecimento que poderia ter feito com que a vida da criança tivesse ficado por ali ficou para sempre marcado na memória de todos.

Na verdade, a criança desta história chama-se Liberdade e nasceu a 25 de Abril de 1974. Não morreu a 25 de Novembro de 1975 porque foi salva pelos pais de morte certa, no último momento.

Cinquenta anos depois, quem quase matou a criança recusa-se a celebrar esse salvamento o que é perfeitamente compreensível, porque nunca assumiu as suas responsabilidades nesse acto. Discute-se se o salvamento da Liberdade da morte certa coloca em causa o seu nascimento: discussão mais tola deve ser difícil de inventar.

O que deve ser celebrado é a vida, em todos s seus momentos. E a vida saudável e permanente da Liberdade é algo a comemorar permanentemente mas, sobretudo, a proteger sempre. Com a consciência de que a democracia assegura a liberdade mesmo aos que dela se aproveitam para a tentar destruir, sendo mesmo essa a sua grande vantagem sobre outros regimes.

Publicada originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Novembro de 2025