O papel do presidente da República no nosso regime está claramente definido e delimitado pela Constituição, dentro de uma lógica de semi-presidencialismo. Claro que em função das circunstâncias, isto é, da personalidade própria do detentor do cargo em cada momento, bem como da existência ou não de maioria absoluta na Assembleia da República, os equilíbrios podem mudar um pouco, o que é inteiramente compreensível e aceitável.
Já no que diz respeito ao cargo de primeiro-ministro, o edifício constitucional está montado no pressuposto de que os cidadãos escolhem os partidos que terão assento na Assembleia da República. Será a composição eleitoral da AR que virá a definir qual o partido que virá a ter responsabilidades governativas, daí saindo o nome do primeiro-ministro, que é nomeado pelo presidente da República. Na prática, contudo, só formalmente é que isso que sucede.
Como tem sido corrente, as escolhas dos eleitores dirigem-se para os líderes dos partidos, assumidos como candidatos a primeiro-ministro. Quase ninguém se preocupa com os programas dos partidos, nem com a constituição das listas de cada distrito. O que conta efectivamente são a personalidade e as qualidades políticas dos líderes dos partidos que se apresentam a votos.
Mesmo o exercício das funções de “primeiro-ministro” corresponde muito mais às de um presidente do Conselho de Ministros do que às de primeiro entre pares, como é bem claro para qualquer observador.
Quanto às autarquias locais, a presidencialização das câmaras é também mais que óbvia, embora não assumida na Lei.
As campanhas eleitorais para as autarquias andam sempre à volta dos candidatos a presidente da Câmara, muito mais do que entre programas eleitorais ou mesmo entre partidos.
Neste caso, os partidos ficam mesmo frequentemente reféns das suas escolhas, já que os eleitos nas listas não podem ser posteriormente substituídos, se não quiserem sair, produzindo conflitos destrutivos.
Por outro lado, os presidentes de câmara constituem na prática a única fonte de poder efectivo nos respectivos municípios. Sendo assim, os partidos que os propuseram ficam posteriormente “amarrados” à sua actuação, tendo que os apoiar sem reservas. Caso contrário, os presidentes com alguma facilidade são posteriormente reeleitos contra os seus próprios partidos de origem, como há vários casos neste momento (Gondomar, Felgueiras e Oeiras).
Assiste-se assim a uma presidencialização da vida política aos mais diversos níveis.
Os cientistas políticos poderão encontrar muitas razões para este facto, mas a realidade tem-se sobreposto às intenções dos legisladores, criando não raras vezes desfasamentos entre o que há e o que era suposto haver.
Situações deste tipo verificam-se muito mais vezes do que seria conveniente, como sucede por exemplo também na legislação penal, sendo inevitavelmente causa de muitas das incongruências e mesmo descompensações da nossa vida colectiva, com consequências no desenvolvimento económico e social do país.
Publicado no Diário de Coimbra em 29 de Setembro de 2008