A turbulência do dia-a-dia leva-nos frequentemente a ser cegos para o sofrimento que nos rodeia.
Participamos de vez em quando nesta ou naquela acção caritativa ou apenas de solidariedade, ficando a nossa consciência tranquila, porque supomos que já fizemos a nossa parte. Deixamos de lado o contacto humano, a palavra amiga, porque temos até medo de ouvir as histórias pessoais, preferindo apenas pagar para cumprir a obrigação social. Gostamos muito da Humanidade, mas temos mais problemas em lidar com os homens e mulheres.
Com certeza que todos já passámos por algum vendedor da revista CAIS. Com alguma probabilidade, até já temos o nosso “fornecedor” fixo da revista, como sucede comigo. Desde que trabalho na Baixa, todos os dias encontro o vendedor Giuseppe Cianciola, um italiano que tem sempre uma palavra simpática para todos , nem que seja a comentar o tempo.
Como todas as pessoas que vendem a revista Cais, Giuseppe tem uma história de vida triste que não interessa aqui contar; o que importa é que a vida se encarregou de o trazer de Itália até Coimbra. Por cada revista que vender, 70% do preço de capa - 2€ - ficam para ele, entregando o resto à Associação Cais.
Esta Associação de Solidariedade Social sem fins lucrativos, reconhecida como pessoa de utilidade pública, existe desde 1994. A sua missão é contribuir para o melhoramento global das condições de vida de pessoas sem casa/lar, social e economicamente vulneráveis, em situação de privação, exclusão e risco, designadamente aqueles que são conhecidos como Sem-Abrigo.
Ao aceitarem participar no programa da Cais, aquelas pessoas assumem compromissos de comportamento social, difíceis de cumprir para boa parte dos vendedores. A venda da revista Cais torna-se para eles e elas um ponto de partida, uma resposta de transição para a vida activa. Hoje em dia, podem até ser considerados heróis, pela renúncia a um passado e escolha de uma vida com mais dignidade.
Não se pense que, com todo este contexto, a revista Cais é apenas para comprar e deitar fora. Habitualmente, inclui artigos de grande interesse sobre temáticas sociais, culturais e científicas. Todos os anos promove um concurso nacional de fotografia, que tem desde 2006 o BES como mecenas; em 2008, 870 pessoas concorreram, com trabalhos subordinados ao tema “Sons, Odores e sabores”.
Estimado leitor: da próxima vez que encontrar um vendedor ou vendedora da CAIS, tire-se das suas tamanquinhas, e, além de comprar a revista, aproveite a oportunidade para tentar conhecer melhor o ser humano que lha estende. Será ainda mais compensador.
Publicado no Diário de Coimbra em 16 de Março de 2009