
O "KAL'S CARTOON" da Economist desta semana é uma resposta desapiedada aos políticos e comentadores que vêem saídas da crise por todo o lado.
jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
Nas últimas semanas tem-se assistido a um intenso debate nos EUA, enquanto o Presidente Obama tenta levar a cabo a sua reforma do sistema nacional de saúde americano, uma das bandeiras da sua campanha presidencial.
No entanto, à medida que vai tentando explicar as linhas da reforma, vai encontrando resistências cada vez maiores da parte de sectores da sociedade que à partida consideraria como seus apoiantes. A situação chegou mesmo ao ponto de os congressistas e senadores democratas terem utilizado as férias oficiais para promoverem encontros directos de divulgação com a população em inúmeros locais como câmaras municipais, escolas, etc. O problema é que quanto mais explicações dão, mais questões e dúvidas se levantam entre os cidadãos. Assinale-se no entanto, que mesmo depois da sua eleição em que propunha a reforma em causa, Obama sentiu necessidade de a explicar exaustivamente, ouvindo as pessoas e introduzindo as alterações sentidas como mais consistentes, não a impondo a qualquer custo.
O que está em causa?
Os países desenvolvidos que possuem sistemas de apoio de saúde generalizado aos seus cidadãos adoptaram, em geral, um de três tipos essenciais de organização. O economista Paul Krugman, prémio Nobel de economia do ano passado, explicou em artigo recente publicado no Herald Tribune as diferenças essenciais entre eles. Existem países, como a Inglaterra, em que o Estado possui e gere ele mesmo os estabelecimentos de saúde e emprega os médicos. Há outros, como o Canadá ou a França, em que os cuidados de saúde são dispensados por entidades privadas que apresentam depois a conta ao Estado. Ainda em outros países como os EUA, o sistema baseia-se em seguros de saúde privados pagos pelas entidades empregadoras. Há outros países, como a Suíça, que adoptaram os seguros de saúde, usando no entanto uma mistura de regulação e subsídio que garante que ninguém fica desprotegido, ao contrário do que acontece no sistema americano em que os desempregados não podem ficar doentes.
Básicamente, o que Obama tenta fazer é misturar o actual sistema americano com o suíço, obrigando as seguradoras a determinadas regras e pagando os excedentes. Há que reconhecer que não é tarefa fácil para um país com a dimensão dos EUA, mantendo a prestação de serviços na esfera privada, como pretende Obama, contrariando os gostos da nossa Esquerda.
Outro dado curioso, é a comparação das despesas de saúde de vários países, em função do rendimento (PIB):
Reino Unido: 8,2%
Canadá: 9,7%
França: 11,1%
Suíça: 11,4%
EUA: 15,9%
Isto é, apesar de todos os seus problemas, os EUA gastam muito mais com a saúde dos seus cidadãos do que qualquer outro país desenvolvido.
Curiosamente, Portugal gasta um pouco mais de 10%, sendo que há a consciência, como o Prof. Manuel Antunes tem explicado, que 25% daquela verba corresponde a desperdícios que poderiam ser aplicados noutros sectores ou em benefício da qualidade e eficácia do próprio SNS.
Em época pré-eleitoral, esperemos que os próximos debates políticos possam esclarecer os portugueses sobre o futuro do SNS, em função dos interesses dos utentes e dos cidadãos que o pagam com os seus impostos.
Publicado no Diário de Coimbra em 24 de Agosto de 2009
As férias, para além do descanso e necessário afastamento físico das tarefas quotidianas, têm a grande vantagem de permitir colocar as leituras em dia.
Já por várias vezes abordei nestas crónicas a questão da RSE (Responsabilidade Social das Empresas).
Nos últimos anos vulgarizou-se a ideia de que as empresas devem participar em determinadas tarefas de carácter social, tendo esse aspecto entrado mesmo na gestão empresarial através da institucionalização dos patrocínios, da responsabilidade ambiental, etc.
No entanto, a abordagem da RSE deve ser muito mais profunda e mesmo ideológica do que mais um instrumento financeiro ao dispor da gestão.
A actual crise económica e financeira veio mostrar que todo o funcionamento da economia deve ser revisto à luz do posicionamento social das empresas.
É essa matéria que um artigo do Prof. Jeffrey Pfeffer aborda num artigo recente da HBR (Harvard Business Review), cuja leitura me suscitou estas linhas.
No período de grande crescimento económico generalizado após a 2ª Grande Guerra, os gestores das empresas tinham em consideração o papel social das mesmas. Significa isso que, para além dos accionistas que detinham o capital, muitos outros interesses eram tidos em linha de conta. A empresa era olhada como um elo de uma cadeia complexa que devia funcionar em conjunto para garantir um crescimento sustentado do conjunto da economia. Os gestores tinham em linha de conta os interesses a montante (os seus fornecedores), a juzante (os clientes) os seus próprios trabalhadores e a comunidade em geral. É o conjunto do que se costuma chamar “stakeholders”.
Nos anos 70, por diversas razões abordadas no artigo da HBR acima referido, foi-se tornando-se proeminente a defesa dos interesses dos “shareholders”, isto é, dos accionistas das empresas, à medida que se foi espalhando a crença ilimitada na eficiência e inteligência dos mercados.
Tudo passou a ser considerado como instrumento financeiro e, para além disso, acreditou-se que todas as decisões financeiras eram ditadas por critérios de racionalidade económica. Por exemplo, as casas deixaram de ser apenas o local onde vivemos, para passarem a ser opções de valores imobiliários futuros.
Claro que o facto de os gestores terem passado a defender apenas os interesses dos accionistas conduziu a um crescimento rápido dos lucros das empresas para distribuição imediata aos detentores do capital, com as consequências a que todos hoje infelizmente assistimos.
A mudança de perspectiva do capitalismo com algum regresso à consideração dos “stakeholders” em vez dos “shareholders” em exclusividade é, não só bem-vinda, como necessária.
Curiosamente, corresponde ao reconhecimento da validade das posições que a Igreja Católica tem vindo a defender há anos através daquilo que é conhecido como a Doutrina Social da Igreja.
Publicado no Diário de Coimbra em 17 de Agosto de 2009