As férias, para além do descanso e necessário afastamento físico das tarefas quotidianas, têm a grande vantagem de permitir colocar as leituras em dia.
Já por várias vezes abordei nestas crónicas a questão da RSE (Responsabilidade Social das Empresas).
Nos últimos anos vulgarizou-se a ideia de que as empresas devem participar em determinadas tarefas de carácter social, tendo esse aspecto entrado mesmo na gestão empresarial através da institucionalização dos patrocínios, da responsabilidade ambiental, etc.
No entanto, a abordagem da RSE deve ser muito mais profunda e mesmo ideológica do que mais um instrumento financeiro ao dispor da gestão.
A actual crise económica e financeira veio mostrar que todo o funcionamento da economia deve ser revisto à luz do posicionamento social das empresas.
É essa matéria que um artigo do Prof. Jeffrey Pfeffer aborda num artigo recente da HBR (Harvard Business Review), cuja leitura me suscitou estas linhas.
No período de grande crescimento económico generalizado após a 2ª Grande Guerra, os gestores das empresas tinham em consideração o papel social das mesmas. Significa isso que, para além dos accionistas que detinham o capital, muitos outros interesses eram tidos em linha de conta. A empresa era olhada como um elo de uma cadeia complexa que devia funcionar em conjunto para garantir um crescimento sustentado do conjunto da economia. Os gestores tinham em linha de conta os interesses a montante (os seus fornecedores), a juzante (os clientes) os seus próprios trabalhadores e a comunidade em geral. É o conjunto do que se costuma chamar “stakeholders”.
Nos anos 70, por diversas razões abordadas no artigo da HBR acima referido, foi-se tornando-se proeminente a defesa dos interesses dos “shareholders”, isto é, dos accionistas das empresas, à medida que se foi espalhando a crença ilimitada na eficiência e inteligência dos mercados.
Tudo passou a ser considerado como instrumento financeiro e, para além disso, acreditou-se que todas as decisões financeiras eram ditadas por critérios de racionalidade económica. Por exemplo, as casas deixaram de ser apenas o local onde vivemos, para passarem a ser opções de valores imobiliários futuros.
Claro que o facto de os gestores terem passado a defender apenas os interesses dos accionistas conduziu a um crescimento rápido dos lucros das empresas para distribuição imediata aos detentores do capital, com as consequências a que todos hoje infelizmente assistimos.
A mudança de perspectiva do capitalismo com algum regresso à consideração dos “stakeholders” em vez dos “shareholders” em exclusividade é, não só bem-vinda, como necessária.
Curiosamente, corresponde ao reconhecimento da validade das posições que a Igreja Católica tem vindo a defender há anos através daquilo que é conhecido como a Doutrina Social da Igreja.
Publicado no Diário de Coimbra em 17 de Agosto de 2009
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