terça-feira, 6 de abril de 2010

segunda-feira, 5 de abril de 2010

TESOUROS DE COIMBRA

Alguns dos tesouros mais escondidos de Coimbra encontram-se na Catedral de Santa Maria de Coimbra.

Muitos leitores se perguntarão onde fica tal catedral. Pois bem, é a nossa bem conhecida Sé Velha e esse era o seu nome no século XI.

O seu interior foi quase limpo quando em Outubro de 1772 se procedeu à transferência do cabido para a Igreja que fora do extinto Colégio de Jesus e que assim passou a ser a Sé Nova. Na velha igreja restaram apenas peças consideradas sem grande valor ou que, pelas suas dimensões não seriam fáceis de transferir.

Quanto ao retábulo principal de madeira dourada e policromada, da autoria dos flamengos Olivier de Gand e Jean de Ypres, já aqui me referi por algumas vezes. Além de excepcional pelas suas dimensões e beleza artística, é o único daquela altura que se mantém no seu local original em toda a Península Ibérica. Fez há pouco 500 anos, facto que foi devidamente assinalado e celebrado.

Lá se encontra o túmulo de D. Sesnando, falecido em 1091. Recorda-se que o moçárabe D. Sesnando nascido em Tentúgal foi um importante apoio de Fernando Magno, tendo depois governado de forma excepcional e infelizmente pouco conhecida por nós o condado de Coimbra, para aquele Rei de Castela e Leão.

A Porta Especiosa de João de Ruão é talvez o tesouro mais conhecido da Sé Velha, porque se vê bem e porque foi restaurada há pouco tempo.

Mas outro tesouro da Sé Velha deveria ser mais conhecido. Trata-se da Capela do Santíssimo Sacramento, que ocupa o absidíolo do lado direito. O retábulo desta capela é também da autoria de João de Ruão e data de 1566.

O retábulo é espantoso e um pouco intrigante à primeira vista para leigos na matéria, como eu. Trata-se de uma representação do Concílio de Trento e o significado das suas figuras é ainda matéria de estudo de especialistas. Socorri-me, para estas notas, do escrito pelo Prof. Pedro Dias no seu Guia para uma visita a Coimbra, que recomendo para um melhor conhecimento da nossa Cidade.

O retábulo foi encomendado pelo Bispo D. João Soares, que foi um dos representantes portugueses no Concílio de Trento.

O Concílio de Trento foi importantíssimo para a Igreja Católica. Decorreu em três períodos: entre 1545 e 1548, entre 1551 e 1552 e entre 1562 e 1563.Foi convocado pelo Papa Paulo III e foi a resposta da Igreja Católica à Reforma Protestante. Influenciou decisivamente o futuro da Igreja Católica, mas teve ainda grande importância política e social em muitos países europeus, designadamente Portugal.

O retábulo da Capela do Santíssimo Sacramento apresenta as figuras do Concílio de Trento de forma simbólica e com profundo significado religioso. No plano superior estão as estátuas de Cristo e de dez dos Apóstolos. No plano inferior aparecem a Virgem, outro santo e os quatro Evangelistas. Como refere Pedro Dias na sua obra, Cristo é representado como o Sumo Pontífice que preside ao concílio, enquanto os padres participantes no concílio ouvem e as suas palavras e os Evangelistas verificam os seus escritos.

Todo o conjunto é verdadeiramente extraordinário no pormenor do simbolismo e merece uma visita atenta, se possível com a companhia de alguém conhecedor.

Esta nossa cidade tem realmente tantos tesouros desconhecidos a descobrir. Amigo leitor, desafio-o a descobri-los por si, porque o conhecimento é cultura e é por ela que verdadeiramente nos desenvolvemos.

Publicado no Diário de Coimbra em 5 de Abril de 2010

terça-feira, 30 de março de 2010

segunda-feira, 29 de março de 2010

A CIGARRA E A FORMIGA


As últimas duas semanas têm sido pródigas em espectáculos verdadeiramente indecorosos na União Europeia, que só vêm demonstrar o que aqui tenho repetidamente escrito sobre a liderança da União e a situação perigosa que pode vir surgir a breve prazo.

A situação calamitosa das contas públicas da Grécia é conhecida, e não vale a pena estar a falar muito nisso. Ainda por cima é relativamente pacífico que os seus responsáveis governamentais andaram durante anos a enganar deliberadamente as instâncias financeiras internacionais sobre a verdadeira situação das suas contas públicas.

Vem agora o Governo Grego, nomeadamente através do vice-primeiro ministro Sr. Theodoros Pangalos, acusar a Alemanha de ser responsável pelo estado das finanças gregas e exigir aos alemães que passem o cheque da estabilização financeira grega. Chegou ao ponto de tentar chantagear os alemães pelo sucedido na Segunda Guerra Mundial, o que, convenhamos, não deverá ser a melhor maneira de os convencer, depois de Konrad Adenauer, Willy Brandt, Helmut Schmidt e Helmut Khol, alguns dos chanceleres que antecederam Angela Merkel, terem trazido a Alemanha para o concerto das nações democráticas, ao mesmo tempo que recuperavam a economia alemã de uma forma espectacular no pós guerra.

Curiosamente, esta posição não é novidade. Há poucos dias, um ministro francês veio igualmente de forma deplorável acusar a Alemanha de ser responsável pelos problemas deficitários de boa parte dos países europeus.

Pelo seu lado, o presidente da Comissão Durão Barroso tem vindo a vincar a necessidade de a Alemanha participar fortemente no plano de ajuda à Grécia, no que não tem tido grande sucesso.

E qual a razão apresentada por tantos responsáveis europeus para esta hostilidade em relação à Alemanha actual? É simultaneamente muito simples e muito complexo: a Alemanha está presentemente com um excedente de balança comercial, isto é, exporta mais do que importa. Os parceiros europeus tentam impor ao Governo alemão políticas que promovam o consumo interno e portanto, que gastem mais. Exactamente o contrário do que os alemães, com grande sacrifício, fizeram nestes últimos dez anos, o que levou à recuperação da economia alemã e à situação que hoje vivem as suas finanças públicas. É bom lembrar que a Alemanha se viu obrigada, no início da década, a rever os sistemas de mercado de trabalho e de segurança social, retirando regalias aos trabalhadores alemães. As próprias empresas e sindicatos acordaram reduções de salários. Enquanto no resto do mundo, designadamente em França e em Inglaterra os custos salariais foram crescendo sempre perto de 1%, na Alemanha esses custos reduziram-se em 1,4% ao ano. O resultado foi que a produtividade alemã se afirmou perante os outros países, permitindo que as suas exportações crescessem, sendo ainda hoje o segundo maior exportador mundial, depois da gigante China.

Não é de espantar, pois, a resistência alemã a ajudar os seus parceiros europeus já que estes, como aconteceu com a Grécia, gastavam à tripa forra, enquanto os alemães passavam por sacrifícios e poupavam. Em suma, a velha história da cigarra e da formiga, que todos conhecemos.

É evidente que a Alemanha se encontra integrada na zona Euro e que sendo a sua economia o motor da Europa pela sua competitividade, qualidade e dimensão dificilmente se poderá alhear dos problemas dos parceiros. Mas não é com atitudes tontas e insensatas como as que temos visto nas últimas semanas por parte de responsáveis europeus que lá vamos. É inteiramente compreensível e até justo que os alemães exijam garantias fortes ao resultado da aplicação do seu dinheiro que tanto trabalho lhes deu a ganhar, e isso deve ser tido em conta.

Publicado no Diário de Coimbra em 29 de Março de 2010

segunda-feira, 22 de março de 2010

AS MULHERES VALEM CADA VEZ MENOS


O leitor desculpará o título deliberadamente provocatório desta crónica. Ainda por cima, duas escassas semanas depois da celebração do “dia internacional da Mulher.

Nas nossas sociedades de matriz judaico-cristã, a Mulher tem sido olhada de uma forma que tem evoluído imenso ao longo dos séculos, no sentido de um respeito cada vez maior pela Igualdade, que se acrescenta, e bem, à tradicional veneração à Mulher enquanto tal. Há hoje, entre nós, um sentimento generalizado de que homens e mulheres devem ser respeitados de forma semelhante, tanto na sociedade em geral, como no mundo do trabalho, em particular. Embora ainda persistam injustas diferenças de pagamento diferenciado por trabalho igual entre homens e mulheres em muitos sectores, a necessitar de correcção, a situação é hoje muito mais equilibrada do que há uns anos. Isto reconhecendo que homens e mulheres são diferentes, residindo na sua complementaridade a riqueza da humanidade.

Como escrevi acima, estas considerações referem-se ao nosso mundo e, se os problemas ainda existentes nos parecem graves e complexos, eles serão mínimos se tivermos em consideração o que se passa em outras partes do mundo.

Não me vou referir ao mundo muçulmano com referências às célebres “burkas”, nem às práticas de mutilação genital feminina praticada em algumas partes de África. Não que isso não seja grave e inadmissível, porque o é sob todos os pontos de vista, mas já vai sendo conhecido e motivo de atenção generalizada. Nos últimos dias foi conhecida outra situação de discriminação em relação às mulheres que ultrapassa muito aquelas em gravidade.

O actual crescimento económico em vários países asiáticos, associado a tradições que não se perdem senão em várias gerações está a ter um efeito devastador sobre as mulheres, ainda pouco conhecido e muito menos discutido. O que se trata é de um verdadeiro e infame “generocídio” das mulheres de uma dimensão assustadora.

Em muitos países do oriente, mas mais particularmente na China, houve desde sempre uma valorização maior dos homens do que das mulheres, o que leva a que os bebés do sexo masculino sejam muito mais bem-vindos do que as meninas. A prática de matar meninas recém-nascidas era relativamente frequente e foi mesmo patrocinada pelo Estado, mas, apesar de tudo, não generalizada por motivos óbvios: não há dúvidas para ninguém que um bebé acabado de nascer é uma pessoa real e não um mero “ser humano em potência”.

Ora, hoje em dia a tecnologia permite saber muito cedo se o futuro bebé é do sexo masculino ou do sexo feminino. As ecografias são baratas e, fruto do desenvolvimento económico daqueles áreas, disponíveis para um maior número de pessoas. Por outro lado, mantém-se uma política de filho único. O resultado é que, se o casal só pode ter um filho, prefere que seja rapaz. Para isso, não há qualquer problema em se irem fazendo abortos sucessivos até se conseguir o objectivo de gerar um menino. Se o leitor julga que estou a exagerar e a fazer campanha contra o aborto, desengane-se. Estou antes a defender o fim de uma autêntica mortandade de mulheres, que já se conta em centenas de milhões. Os números não mentem.

No fim dos anos oitenta, a relação entre nascimentos de meninos e meninas na China era de 108 para 100. De acordo com os especialistas esta pequena diferença está pouco acima do que seria de esperar, porque a mortalidade infantil dos rapazes é naturalmente superior à das meninas, por aqueles serem mais frágeis, havendo assim uma compensação natural para esse facto. No princípio da actual década, essa relação era já de 124 para 100, havendo zonas da China em que actualmente atinge os 130 para 100. Se o leitor tem uma ideia da população chinesa, pode facilmente chegar àquele número assustador que justifica a designação de “generocídio”.

E o problema está a alastrar. Esta evolução demográfica destruidora das mulheres já não é exclusivo da China, sendo hoje em dia claramente perceptível em vários países asiáticos como Taiwan e Singapura, mas também começa a chegar perto de nós, a países como a Sérvia e a Bósnia, para além da Índia, da Arménia, do Asserbeijão e da Geórgia, por exemplo.

Trata-se de uma questão até agora escondida, que deveria ser encarada de frente por todos os defensores dos direitos humanos e dos da Mulher em particular.

Publicado no Diário de Coimbra em 22 de Março de 2010

segunda-feira, 15 de março de 2010

SHAME ON YOU

Santana Lopes organizou um Congresso, supostamente para promover a salutar discussão interna no PSD. No fim, percebeu-se que era o ressentimento que o orientava e propôs aquela parvoíce da "Lei da Rolha" que acaba por ser a única marca visível do Congresso. A mim nunca me enganou, mas consegue surpreender sempre...pela negativa. Faço votos que ainda lhe caia em cima.

ONDE PÁRA A EUROPA?


A crise económica portuguesa que, para falar verdade, já não sei bem se é sistémica ou conjuntural, leva-nos frequentemente a esquecer o ambiente externo. Felizmente para todos nós, Portugal está hoje inserido naquilo a que se poderá chamar com propriedade um clube de ricos, que é a União Europeia. Mas como muitos clubes desse tipo, a União Europeia tem tiques de aristocracia falida com alguma incapacidade de acompanhar as mudanças do mundo e mesmo de as compreender.

A União Europeia tem definido objectivos irrealistas acompanhados por belos slogans, dando a entender que é muito sofisticada e ambiciosa, mas falhando de forma sistemática e completa na sua concretização prática. Relembro, a propósito, a “Agenda de Lisboa”, que apontava para que a economia europeia fosse a mais competitiva do mundo em apenas dez anos, através do conhecimento. Os resultados são hoje evidentes: a Agenda falhou, clamorosamente.

A Comissão Europeia, consciente do fracasso, ensaia agora uma fuga para a frente, abandonando a estratégia da Agenda de Lisboa e inventando a Estratégia 2020, baseada nas novas condições de governação da União trazidas pelo Tratado de Lisboa. A Comissão Barroso aposta claramente num governo económico comum que trabalhe a par com o Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que não parece muito viável, pela oposição da Alemanha pouco interessada em pagar pelos erros dos outros, como se está a verificar com a Grécia. Mais uma vez a União aponta objectivos ambiciosos que ninguém no seu juízo perfeito poderá achar maus: criar 5,6 milhões de empregos, passar o investimento em I&D de 1,9% para 3% do orçamento, reduzir as emissões de CO2 em 20%, reduzir a pobreza em 20 milhões e aumentar a população com estudos universitários de 31% para 40%. Entretanto, enquanto o dirigismo europeu continua alegremente o seu caminho, o “mundo pula e avança” como disse o poeta. E não espera pela ainda rica Europa. À saída da recente crise, prevê-se que este ano os EUA cresçam uns 3%, a China 10% e a Índia 8,5%. Quanto à Europa, a previsão, se a coisa correr bem serão uns somíticos 1,5%, ainda assim bem melhores do que os portugueses 0,5.

A nova governança da Europa na sequência do Tratado de Lisboa tem-se traduzido por falhanços espectaculares, como foi o caso da recente conferência do clima em Copenhaga. Como é hábito, a União Europeia foi para lá armada com grandes objectivos, tentando impor a sua experiência ao resto do mundo. Como resultado, ficou a falar sozinha, tendo-se estado muito perto do falhanço total das negociações. Face ao eminente fracasso, Obama reuniu com os representantes do Brasil, Índia e África do Sul, para dar a volta à situação. O que saiu daquela sala foi a humilhação da União Europeia, que teve que prescindir de tudo o que pretendia e aceitar o que lhe impuseram.

O relacionamento com a América de Obama anda também pelas ruas da amargura, tendo este já adiado a cimeira que chegou a estar prevista para Espanha em Maio. Hoje em dia, um líder mundial não europeu tem ainda mais dificuldade do que antes do Tratado de Lisboa em saber para quem ligar o telefone em nome da União Europeia, usando a famosa imagem de Kissinger. Tem de facto muita gente à escolha: o Presidente da Comissão Durão Barroso, o Presidente do Conselho Van Rompuy, o Presidente rotativo Zapatero, o Presidente do Parlamento Jerzy Buzec ou a Representante para os Assuntos Externos Catherine Ashton. Isto claro, para não falar em quem efectivamente manda, porque paga boa parte da conta, a chanceler alemã Angela Merkel.

Para o resto do mundo, a imagem é a da capa da revista Time de há poucas semanas: um mapa do mundo de onde desapareceu a Europa. Espera-se que os dirigentes europeus sejam capazes de nos surpreender pela positiva mas, sinceramente, não tenho grandes esperanças em que isso aconteça, olhando para aqueles nomes e para o lento e talvez inexorável caminho de descredibilização e falta de competitividade face ao resto do mundo que se tem verificado.

Publicado no Diário de Coimbra em 15 de Março de 2010