Após meses seguidos em que as sondagens foram sistematicamente definindo uma tendência contínua de crescimento das intenções de voto no PSD até ao limiar da maioria absoluta, surgiu uma sondagem em que alguma imprensa logo destacou que "Passos cai nas intenções de voto". Claro que o facto essencial de a liderança das intenções de voto continuar solidamente nas mãos de Passos Coelho fica nas letras mais pequenas, sendo destacada aquela frase acima referida.
Curiosamente, a sondagem em causa refere como responsáveis por aquela variação, duas situações concretas ocorridas no período a que diz respeito: proposta de revisão constitucional do PSD e aplicação da "golden share" na PT.
As implicações do uso da "golden share" na PT na formulação das intenções de voto revelam algo interessante, embora esse reflexo tenha apenas a ver com o momento da utilização dos direitos preferenciais. Na realidade, o posterior desenvolvimento da questão, com a aceitação da proposta da Telefónica espanhola por mais 350 milhões de euros ainda era desconhecido aquando da realização da sondagem. Esta revela que os portugueses, com o seu patriotismo algo cego, terão ficado sensibilizados com a argumentação da defesa dos interesses estratégicos nacionais face às intenções comerciais da empresa espanhola. Acredito que depois da aceitação da nova proposta os portugueses tenham ficado um pouco baralhados com o súbito desaparecimento do tal interesse estratégico nacional podendo ser levados a concluir, ainda que eventualmente de forma errada, que a tal "golden share" terá sido usada para negociar um valor de venda mais elevado. Até porque quem lucrou com esse aumento de valor foram os accionistas de referência da PT, entre os quais não se conta o Estado. A influência nas sondagens desta questão da venda da Vivo aos espanhóis parece-me assim muito limitada no tempo e com contornos indefinidos à data desta sondagem que poderão ainda vir a revelar implicações políticas bem diversas das que actualmente parecem evidentes para muitos.
Já a questão da influência da proposta de revisão constitucional merece outro tipo de abordagem. De acordo com as análises da imprensa, a subida do PS deve-se ainda a ter retomado a "defesa do Estado Social" que as propostas de revisão constitucional do PSD colocariam em causa. Cabe aqui referir três aspectos: primeiro, a actual legislatura tem poderes de revisão constitucional a partir de 12 de Agosto, pelo que o PSD tem todo o direito a apresentar propostas suas para revisão de aspectos da Constituição que considere serem actualmente menos adequados ao País e ao seu desenvolvimento que está estagnado há mais de dez anos; segundo, essa revisão constitucional terá de ser sempre aprovada por 2/3 dos deputados da Assembleia da República; terceiro, quem efectivamente detém poderes de revisão da Constituição é a Assembleia da República e não qualquer outro órgão de soberania, seja ele Presidente da República, Governo ou Tribunais de qualquer instância, que estarão obrigados a aplicar qualquer revisão constitucional aprovada nos termos definidos na própria Constituição.
O PSD apresentou propostas que, essencialmente, tentam encontrar alternativas de financiamento da Saúde e da Educação, sectores que consabidamente gastam dinheiro a mais para os rendimentos do país e essencialmente, apresentam resultados maus demais para os níveis das respectivas despesas. Além de que, como estão actualmente organizados, propiciam eles mesmos graves injustiças sociais e são geradores de aumento das disparidades entre pobres e ricos. No que respeita a propostas de índole mais política como poderes presidenciais e outras do mesmo tipo, o PSD faz muito bem em apresentar propostas que ache adequadas sem pedir autorização a ninguém; quem tem que aprovar ou reprovar que o faça, no exercício dos seus poderes. Sá Carneiro, por exemplo, não fez outra coisa no seu tempo.
O PSD, que ao que tudo indica será Governo depois do actual, faz o seu papel ao dizer aos portugueses quais serão as linhas de força da sua governação, sem enganar os eleitores para ganhar eleições. É assim que se costuma fazer nas democracias as quais, como se sabe, não têm donos. E as coisas têm que ser feitas no tempo certo: em altura de revisões constitucionais apresentam-se as respectivas propostas em sede de Assembleia da República; em altura de eleições, submetem-se aos eleitores os programas eleitorais que, como se sabe, são coisas muito diferentes. Em cada momento as sondagens flutuam ao sabor das questões do dia-a-dia e ai dos políticos que lhes submetem as suas estratégias para o país.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Agosto de 2010