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terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Oscar Wilde
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
A MALDIÇÃO DA ORFANDADE POLÍTICA
Passaram há poucos dias 30 anos sobre a morte de Sá Carneiro. Muita gente falou sobre a sua obra, houve algumas cerimónias, publicaram-se livros e até se fala num novo processo de inquérito ao desastre de Camarate. Já tanto foi dito sobre a sua personalidade e vida, que não me vou debruçar sobre isso. O seu súbito desaparecimento teve no entanto uma consequência que é poucas vezes referida e que teve grandes implicações na vida nacional. Foi a primeira de uma série de orfandades do PSD (tantas, que mais parecem uma maldição ou uma autêntica síndrome).
De facto, após o 4 de Dezembro de 1980, o Governo da AD continuou em funções, com Pinto Balsemão à frente, por escolha interna do PSD. Independentemente das muitas qualidades de Balsemão, o Governo entrou quase imediatamente em desagregação e pouco mais tempo durou. No interior do PSD, e mesmo no Governo, outras individualidades acharam-se com mais qualidades e capacidades do que o Primeiro-Ministro e fizeram-lhe a vida negra, entregando rapidamente o poder ao PS. Começou aqui a série de orfandades do PSD.
Aos dez anos de governação de Cavaco Silva sucedeu-se o seu famoso abandono em 1995, e ao excelente e empenhado Fernando Nogueira coube o ingrato papel de levar a eleições o cavaquismo-sem-Cavaco, com os resultados que conhecemos. O PSD estava obviamente órfão de novo, com a agravante de estar órfão de alguém vivo e activo na sociedade, mas fora do PSD.
Ao pântano de Guterres, seguiu-se Durão Barroso que logo abandonou o Governo de Portugal para ir presidir à Comissão Europeia O PSD de então ficou outra vez órfão, decidindo entregar o lugar de Primeiro-Ministro a Santana Lopes, de forma orgânica e sem sanção eleitoral. Santana Lopes fez o que pôde naquelas condições. Rapidamente se percebeu que numa situação de aflição económica como a que se vivia, faltava àquele Governo a força que vem da legitimidade democrática das eleições para poder fazer as reformas que se impunham e logo o poder foi de novo para o PS. Até hoje, como bem se sabe. Desde aí, o partido continuou órfão, procurando sistemática e sucessivamente uma liderança que o libertasse dessa condição.
Parece um destino ao qual o PSD não consegue fugir: os seus líderes carismáticos saem dos lugares que ocuparam legitimamente por via eleitoral, sendo o poder entregue a quem previamente tinham escolhido para trabalharem com eles. A consequência desta passagem interna do poder foi sempre a mesma: nas eleições seguintes, lá volta o PS. De facto, o eleitorado tem uma intuição que escapa muitas vezes à teoria política. As eleições constituem cada vez mais uma escolha do líder e não das equipas, embora formalmente isso devesse ser assim apenas para o cargo uninominal de Presidente da República. Quando a transição de líderes não provoca eleições antecipadas, isto é, não devolve a voz ao eleitorado, os sucessores designados tendem a ter o seu destino marcado num futuro bem próximo, pese embora a sua grande qualidade política e capacidade de trabalho.
Resta o triste consolo de ver que o PSD não está sozinho neste hábito. Veja-se o que sucedeu a Gordon Brown após ter substituído Tony Blair à frente do Governo britânico: tendo aceitado o poder político sem eleições, Gordon Brown liderou os Trabalhistas para a derrota eleitoral.
A História ensina-nos muitas coisas. Aqui aprende-se que as orfandades que resultam de decisões unipessoais não dão bom resultado, e aprende-se ainda que o povo não perdoa aos que aceitam ficar “por nomeação”.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 13 de Dezembro de 2010
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
PROT-C, (mas pouco)
Por esta ou aquela razão, diversas autarquias da chamada NUT III (Baixo Mondego), acabam de dar pareceres negativos à proposta de PROT-C (Plano Regional de Ordenamento do Território da Região Centro). De acordo com a legislação que regula a política de ordenamento do território e de urbanismo, o PROT faz parte dos planos de ordenamento do território e pretende “definir a estratégia regional de desenvolvimento territorial, integrando as opções estabelecidas a nível nacional e considerando as estratégias municipais de desenvolvimento local”, situando-se entre o nível nacional (PNPOT) e os planos de âmbito municipal (PMOT).
Coimbra está precisamente entre as Autarquias que manifestaram discordância em relação àquele documento e por boas razões. Esta tomada de posição da Câmara Municipal de Coimbra foi unânime, pelo que todas forças políticas representativas dos munícipes de Coimbra estão de acordo neste ponto, o que é de saudar.
A meu ver há dois planos de leitura da proposta do PROT-C. Um, sob o ponto de vista da própria Região. O outro, tendo em atenção especial a protecção dos interesses de Coimbra. Não tenho qualquer prurido em assumir esta defesa, já que se nós conimbricenses não defendermos Coimbra, quem o fará? Até porque estou firmemente convicto de que a Região Centro só terá a ganhar com Coimbra forte, perdendo também se Coimbra for desconsiderada no planeamento central.
No que respeita à Região, o parecer dos municípios da região Centro é revelador: Por um lado, assinala que a proposta “não traduz os grandes objectivos de desenvolvimento económico e social sustentável, não equaciona medidas tendentes à atenuação das assimetrias intra-regionais”. Por outro lado, refere que “é excessivamente teórico, centralista, revela desconhecimento prático da realidade e não apresenta qualquer estratégia regional de desenvolvimento territorial”. Relativamente ao documento apresentado, estamos esclarecidos sobre a opinião dos eleitos locais da Região Centro
No que toca a Coimbra, não posso deixar de notar mais uma vez que a ideia base de toda a proposta se baseia na defesa do modelo policêntrico para a Região. Isto é, Coimbra aparece a par com todas as outras cidades da Região, sejam Aveiro, Leiria, Castelo Branco, Guarda ou Viseu. E parte-se disto para propor uma distribuição dos serviços públicos e serviços avançados às empresas.
Nesta proposta desenvolve-se toda uma teoria segundo a qual a tenaz constituída pelas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto só pode ser contrariada pelo conjunto das cidades da região Centro, sem prevalência de nenhuma delas, isto é, de Coimbra capital histórica da Região. Até parece que este documento foi preparado em Lisboa ou no Porto e não em Coimbra, de tal forma segue a divisa de dividir para reinar!
Como conimbricense não sofro de nenhum complexo perante as cidades da Região. Devo dizer que gosto de todas elas e em todas encontro bons motivos para se lá viver. O que não suporto é que, com teorias que não estão de forma nenhuma demonstradas, se desfaça permanentemente Coimbra e se contribua para diminuir a sua importância nacional, o que tem aliás claros reflexos negativos para toda a Região, ao contrário do que se diz nesta proposta de PROT-C.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Dezembro de 2010
domingo, 28 de novembro de 2010
25 DE NOVEMBRO, ONTEM E HOJE
Sem qualquer tipo de comemoração passaram há poucos dias 35 anos sobre o 25 de Novembro (de 1975). Os mais jovens nem deverão saber o que se passou nessa data em que finalmente Portugal foi colocado na via da Democracia. A mitologia instalada por uma determinada esquerda pretende que nessa data a contra-revolução acabou com o 25 de Abril. Na realidade, a clique revolucionária que, com Álvaro Cunhal à cabeça, tentou nessa data realizar o “Outubro de 1917” em Portugal, perdeu definitivamente o caminho da História criando-se as condições para que, perdido enfim o sonho do Império e também dos amanhãs que cantam, Portugal se virasse para a Europa de onde partira cinco séculos antes.
Sabemo-lo hoje claramente, porque algumas das pessoas que na altura participaram nessa aventura como Zita Seabra, contam sem dramas o que se passou realmente no 25 de Novembro, com identificação de pessoas, locais e datas.
Estamos hoje de novo em dificuldades económicas graves. Temos muita facilidade em esquecer as dificuldades do passado, tendendo em salientar apenas os aspectos bons que existiam. No entanto, Portugal é hoje um país completamente diferente do que era em 1975, para melhor em quase todos os aspectos, particularmente no que respeita às condições de vida da população em geral. E, se isso é assim, é porque houve muitos homens e mulheres que nessa altura tiveram coragem e força para assumir atitudes que não eram nada fáceis.
Muito devemos de facto a quem em 25 de Novembro de 75 fez frente à loucura revolucionária da esquerda radical. Recordo entre outros Ramalho Eanes, o grupo dos Nove com Melo Antunes, Costa Gomes que retirou o tapete ao PCP e Jaime Neves que no terreno com os seus homens do regimento de Comandos da Amadora valentemente cortou o pé aos militares revoltosos, particularmente da polícia militar. Assim como Sá Carneiro e Mário Soares que nessa altura compreenderam bem o que estava em causa. Foram Homens que numa altura de conflitualidade extrema souberam agarrar a causa suprema da Liberdade sem adjectivos, acalmando o país e devolvendo ao povo a soberania que lhe ia escapando entre os dedos.
Ramalho Eanes disse em entrevista há poucos dias: "acreditava-se, talvez um pouco utopicamente, que a democracia (...) iria permitir que o país avançasse, evoluísse, se modernizasse, se tornasse mais justo e mais solidário. Pensava-se que tudo isso decorreria normalmente da democracia. Infelizmente não aconteceu".
Isto é, os homens que em 75 foram capazes de perceber os perigos da chamada “revolução socialista” e de a impedir, não tinham a percepção de que a Democracia não se esgota nos votos. Muitas pessoas ainda hoje não percebem que um determinado nível de conflitualidade é inerente à democracia. Muitos entre nós têm dificuldade em perceber que em democracia os políticos que nos governam são eleitos e que os não eleitos podem ter toda a razão do mundo, e muitas vezes têm, mas isso é irrelevante porque não têm oportunidade de exercer o poder e aplicar as suas ideias. E percebe-se também que muitos têm dificuldade em aceitar que as políticas praticadas devem ter em conta a vontade dos eleitores manifestada pelo voto. E que no fim do mandato haverá novas eleições. Claro está que isto não significa que os políticos possam mentir nas campanhas, até porque não se pode enganar toda a gente durante todo o tempo. Mas apenas que a Democracia é um delicado jogo de balanço entre o que se deve fazer e o que se aceita como sendo a vontade soberana do povo em cada momento. E que o sistema democrático deve ter filtros e contra-balanços que permitam escolher os melhores e que estes não se estraguem e não estraguem o bem comum.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 29 de Novembro de 2010
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Retrato de um país
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
SOFTWARE ou HARDWARE? (de novo)
O leitor sabe o que é o “centro de Portugal”? Talvez tenha uma ideia, mas na realidade não sabe, porque isso não existe. Mas sabe com certeza o que é Coimbra. Nesse conhecimento está aliás acompanhado por quase todo o mundo. No mundo globalizado em que as marcas dominam a vida económica, desperdiçar uma marca com o valor de Coimbra é, não só disparatado, mas um crime económico.
Dir-me-ão que esta é uma verdade lapalissiana que nada tem de novo e será verdade. Mas, pelos vistos, é necessário recordá-la permanentemente. Coimbra continua inundada de belos cartazes do Turismo de Portugal numa campanha com o lema “Descubra Portugal – um país que vale por mil”. Descontando a frase pateta, que é apenas publicidade sem sentido (vale por mil quê? mil países? mil euros? mil publicitários?) as três fotografias de Lisboa, Porto e Coimbra são de facto muito bonitas. Claro que sobre a foto de Lisboa está escrito “Lisboa e Vale do Tejo”, sobre a foto do Porto aparece escrito “Porto e Norte”. Já sobre a foto da nossa Cidade aparece “Centro de Portugal”. A palavra Coimbra parece ser proibida no “Turismo de Portugal”. Talvez por isso a capital do “Turismo da região Centro” tenha ido para Aveiro. Mas para a foto representativa, Coimbra já serve. É preciso ter lata para colocar estes cartazes em Coimbra!
Coimbra não precisa de se por em bicos de pés para se afirmar turisticamente. Apenas precisamos de aproveitar o que temos. Já em tempos referi aqui o valor turístico e económico da História de Coimbra, fundamentalmente no período em que se confunde em absoluto com a de Portugal que é a Primeira Dinastia.
Recorda-se o essencial. O nosso primeiro Rei poderá ou não ter nascido em Coimbra, mas foi aqui que estabeleceu a primeira Capital do Reino e é aqui que está sepultado. O seu filho Rei D. Sancho I cá nasceu e está sepultado como o Pai, na Igreja de Sta. Cruz. Cá nasceram os reis seguintes, D. Afonso II, D. Sancho II e D. Afonso III.
A nossa Rainha Santa (Isabel de Aragão) é uma figura de tal densidade e tão conhecida que dispensa mais comentários, estando sepultada em Coimbra. O seu marido, o Rei D. Dinis, fundou a primeira Universidade portuguesa em Coimbra através da “Magna Carta Priveligiorum”.
Aqui decorreram os amores de Pedro e Inês; na Quinta das Lágrimas está a “fonte dos Amores” e cá se passaram os actos trágicos da morte de Inês e subsequentes.
Foi nas “Cortes de Coimbra” de Abril de 1385 que o Mestre de Aviz foi proclamado Rei, encerrando-se a Primeira Dinastia, resolvendo-se a crise política de 1383/85 e dando-se início à Segunda Dinastia que projectou Portugal no mundo como ninguém na altura poderia supor.
Em Coimbra está a Sé Velha construída durante o reinado de D. Afonso Henriques, onde está sepultado D. Sesnando Conde de Coimbra e em Coimbra está também o Mosteiro de Sta. Cruz fundado pelo primeiro Rei e que é Panteão Nacional por lá estar o seu túmulo.
Em Coimbra estão o Mosteiro de Sta. Clara-a-Nova onde se encontra o túmulo da Rainha Santa, o Mosteiro de Sta. Clara-a-Velha que foi alvo de uma recuperação extraordinária e a Quinta das Lágrimas local do drama dos amores de Pedro e Inês. Em Coimbra está também a primeira universidade portuguesa ocupando aquele que foi o Paço de El-Rei onde decorreram as Cortes de Coimbra.
Em Coimbra existe o Convento de Celas fundado por D. Sancha, filha do segundo Rei de Portugal.
Com tudo isto, basta juntar as peças e organizar um programa turístico de carácter histórico-cultural sobre a Primeira Dinastia associado a Coimbra, para ter um produto concreto de altíssimo valor económico. Com ou sem Turismo do Centro. Nem é preciso construir nada. Software e não hardware, de novo.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Novembro de 2010
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
SOFTWARE ou HARDWARE?
A minha crónica da semana passada terminava com esta frase:
Daqui para a frente, precisamos é de organização, convergência de esforços e ideias claras: software e já não hardware.
O que tinha em pensamento, na sequência da ideia que tinha desenvolvido no resto do texto, era que se chegou a um ponto em que se deve deixar a quantidade e pensar mais na qualidade. Se isto é importante para uma Cidade, é verdadeiramente crucial para o país, sobretudo na situação especial em que nos encontramos.
Já todos perceberam que acabou o tempo em que se julgava possível basear o desenvolvimento do país em obras públicas e mais obras públicas, à custa do endividamento das gerações futuras. A saída para os nossos problemas, já o aqui escrevi mais que uma vez, é a produção de bens transaccionáveis, que se vendam no estrangeiro. Para se ver isto não é necessário ser economista, basta olhar para os grandes números.
O desvio dos rendimentos produzidos pelas empresas para o Estado, que por sua vez o gasta cada vez mais apenas para existir e para pagar juros, tem sido a grande causa dos nossos problemas. Chegámos a um ponto em que a taxa da nossa dívida soberana ultrapassou os 7%, muito acima das taxas de trabalho entre os bancos, entre os bancos e o BCE e muito acima das taxas praticadas entre os bancos e as empresas ou pessoas individuais. Depois ainda há para aí quem se queixe dos “mercados”: tendo-se deixado criar estas condições e não se fazendo nada para as contrariar, o que esperar dos especuladores internacionais que sempre existiram e toda a gente sabe que estão lá a aproveitar precisamente estas condições favoráveis para fazer fortunas instantâneas? O resultado é o Estado sugar o dinheiro gerado pelas empresas, para por sua vez ser ele mesmo sugado pelos famosos “mercados”. Verdadeiramente inacreditável! E o país sem capacidade de resposta, porque o sistema político está assim mesmo: como temos em breve eleições presidenciais, só a partir de Maio o povo poderá dizer o que pensa sobre a saída da solução, seja ela qual for. O que é certo é que as opções, mesmo as políticas, têm todas um preço e é esse que se está a pagar neste momento e se irá sempre pagar no futuro, não nos iludamos.
Hoje muitos políticos descobrem com admiração que as nossas exportações estão a aumentar, o que ajuda à recuperação económica. São os empresários a fazer o que lhes compete e sabem fazer, assim os deixem. E é este o caminho! Nunca percebi o dirigismo da nossa classe política que tudo quer orientar e definir. Os fundos europeus que deviam apoiar as empresas nos seus esforços de modernização e internacionalização são canalizados para “formações” cujo resultado pouco mais é que melhorar estatísticas internacionais na área da educação (assim, com minúscula, de propósito).
Nunca nenhum governo foi capaz de fazer como se faz aqui ao lado em Espanha, por exemplo, onde quem gere esses dinheiros são as próprias associações patronais que não vão em fantasias de “desígnios nacionais” que a primeira brisa leva para longe. Se os deixarem, os nossos empresários vão alargar o leque do destino dos seus produtos e deixar de vender quase tudo na União Europeia, ampliando de forma gigantesca os nossos mercados. Apetece dizer: deixem trabalhar os empresários!
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 15 de Novembro de 2010