A única arma de
guerra que o mundo proibiu até hoje é a química. O sentimento de rejeição que
provoca é tão grande que a “Convenção de Armas Químicas” que as Nações Unidas
fizeram entrar em vigor em 1997 não só proíbe a sua utilização, como também a
sua produção e comércio. A lembrança do horror sucedido na 1ª Guerra Mundial na
sequência de Ypres perdura ainda na memória colectiva dos povos. Curiosamente,
mesmo Hitler jamais utilizou o seu poderoso armamento químico em batalha,
talvez por ele próprio ter sido gaseado na 1ª GG (embora o tenha amplamente
utilizado nos campos de concentração). Desde então, a utilização desse tipo de
armas tem sido extremamente rara: Os japoneses usaram-nas na China na 2ª GG e o
Iraque contra o Irão e os Curdos na década de 80.
Talvez por estas
razões o presidente americano Barack Obama avisou a Síria em Agosto de 2012 de
que a utilização de armas químicas seria a passagem da linha vermelha que
levaria a uma intervenção americana. Isso aconteceu agora, tudo levando a crer
que o regime sírio utilizou armas químicas contra os rebeldes numa zona
residencial nos arredores de Damasco, provocando a morte a mais de 1.000 moradores,
incluindo muitas crianças.
A guerra civil na
Síria já provocou mais de 100.000 vítimas e 2 milhões de refugiados que vivem
actualmente em campos em países vizinhos. O mundo inteiro tem assistido a mais
esta guerra civil, sem nada fazer para terminar com ela. Antes pelo contrário,
a comunidade internacional tem-se dividido no apoio aos dois contendores.
Enquanto o regime de Bashar al-Assad tem o apoio político e militar da Rússia e
da China, os rebeldes têm o apoio de países árabes como a Arábia Saudita e o
Qatar, para além da compreensão do Ocidente. Mas os rebeldes, que contavam com
apoio directo ocidental, à semelhança do sucedido noutros casos da primavera
árabe, não o têm tido, o que tem levado à sua crescente islamização e condução
dos combates por extremistas. A autêntica selvajaria da actuação dos rebeldes
amplamente documentada em fotografias e filmes indescritíveis virá muito daí,
sendo evidente que um novo regime sírio saído duma sua hipotética vitória quase
transformaria Bashar Assad num saudoso humanista.
Mas o presidente
sírio cometeu de facto crimes de guerra e contra a Humanidade ao utilizar armas
de destruição maciça e, se algum líder actual merece castigo severo da
comunidade internacional, é certamente ele.
Se a ONU não toma a decisão de
constituir uma força militar com os países que a ela aderirem para solucionar
pela força o problema sírio, só resta uma solução, que é a de julgar Bashar
Assad no Tribunal Penal Internacional na Haia, que foi criado para isso mesmo.
Na última intervenção internacional numa guerra civil, que ocorreu na Bósnia,
as Nações Unidas mostraram-se também inoperantes e incapazes de resolver o
problema; dessa vez, no coração da Europa, foi a NATO que resolveu militarmente
o problema. Na Síria a questão é muito diferente e trata-se do Médio Oriente
que traz sempre agregada a questão do petróleo. O envio de mísseis que
certamente não atingirão directamente Bashar Assad, terá grandes probabilidades
de desencadear a explosão de um conflito regional com possíveis consequências a
nível mundial. Antes disso, Barack Obama deverá usar as suas palavras de há um
ano como argumento forte à mesa do Conselho de Segurança para pressionar Rússia
e China a participar numa solução para a Síria.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Setembro de 2013