Entre nós vive um grande artista que é exactamente o contrário disso. Mestre
Mário Silva é um dos nossos maiores artistas contemporâneos, não só na pintura
mas também na escultura, no desenho, na cerâmica e na ilustração. A sua
genialidade manifesta-se de forma constante nas diversas épocas que se conseguem
detectar na sua longa vida artística. Ao apreciar a sua arte ao longo dos mais
de cinquenta nos que leva a sua carreira, sentimos verdadeiramente que a arte é
a procura da verdade, que traz a eternidade dentro de si.
A sua carreira artística levou-o a ter participado em numerosas exposições
individuais e colectivas em Portugal, na Suécia, na Bélgica, na Holanda, em
França, em Itália, nos EUA, no Brasil, no Japão, etc. Os prémios que recebeu
são inúmeros em diversos países, designadamente a Itália. Está representado em
museus por toda a Europa, no Brasil, EUA e claro, em Portugal. Se é hábito
dizer-se que o tempo é o maior garante da qualidade da obra artística de um
autor, através da sua perenidade, no caso de Mário Silva essa prova está já
feita.
Artista irreverente, por vezes mesmo iconoclasta, coloca permanentemente em
questão ideias feitas, preconceitos e tradicionalismos sem sentido.
A sua atitude provocatória perante os convencionalismos sociais estéreis
manifestou-se durante a sua vida das mais diversas formas, desde surgir numa
exposição vestido com fato de mergulhador, incluindo barbatanas até convidar
amigos e comunicação social para uma queima pública dos seus quadros na praça
pública em protesto contra alterações fiscais sobre as obras de arte. Claro
que, em privado, sempre vai dizendo com aquele seu sorriso matreiro que eram
apenas cópias sem qualquer valor.
Mas ao lado da sua turbulência artística, Mário Silva é um Homem de extrema
afabilidade, cuidando com inteligência mas com grande afecto todos aqueles que
com ele de alguma forma contactam. A sua ligação carinhosa com os elementos da
sua família é verdadeiramente comovente. E é mesmo surpreendente observar como
consegue estabelecer contacto com grupos de crianças a quem ensina técnicas de
pintura básicas levando-as a produzir desenhos únicos, respeitando as suas
brincadeiras e guiando-as na descoberta da produção artística. Assim fossem
todos os pedagogos.
Mestre Mário Silva mora numa rua estreita de Lavos na Figueira da Foz,
vizinho de pescadores. Apesar de a sua obra estar representada em todo o mundo,
ao contrário de tantos outros artistas, nunca enriqueceu com o seu trabalho. Quando
o visitamos, leva-nos a ver o seu “museu”, mostrando-nos as peças que possui um
pouco de todo o mundo, explicando-nos a sua proveniência e o seu significado,
tantas vezes com uma ironia subtil que é, ela própria, uma forma de arte. E é
um seu gesto próprio retirar alguma peça do seu acervo e oferecê-la logo ali a
quem gosta.
Mestre Mário Silva gosta de captar os momentos sempre difíceis da faina da
pesca tão característica da nossa cidade irmã da Figueira da Foz em muitos dos
seus quadros. E não precisa de estar a ver Coimbra para a pintar com um
pormenor e uma sensibilidade inimitáveis. Se ele próprio costuma dizer que
nasceu para a arte; nós podemos dizer que Mário Silva nasceu para nos oferecer a
sua arte e a vivência amiga e fraterna.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 12 de Maio de 2014