As
consequências económicas e financeiras do sucedido no BES ainda andam por aí e,
ou muito me engano, ou ainda vão andar por muito tempo, tal é a dimensão do
desastre. As ondas de choque entram pela economia dentro e abalam muitas
empresas, como a PT e outras envolvidas em parcerias publico privadas cuja
viabilidade é muito duvidosa sem a mão do Estado a ajudar.
Tudo
isso é evidente e só podemos esperar que a competência técnica e vontade efectiva
de sucesso das entidades envolvidas na solução encontrada venham, pelo menos, a
minorar ao máximo as consequências nos bolsos dos portugueses.
Após
a nacionalização em 1975, a família Espírito Santo só em 1991 voltou a tomar
conta do seu antigo banco. Sabe-se agora pela voz de Mário Soares que foi ele
próprio a pedir a “son ami “Miterrand que encontrasse em França quem
emprestasse dinheiro à família Espírito Santo para poder ir à privatização do
BES. E o Credit Agricole emprestou algumas dezenas de milhões de euros para o
efeito que afinal, passados todos estes anos, ainda não lhe terão sido pagos.
Atendendo
a tudo isto, a queda do BES e da família Espírito Santo, impensável há meia
dúzia de meses tem consequências profundas na sociedade portuguesa, muito
difíceis de avaliar ainda na sua completa extensão.
A
destruição da confiança nas elites financeiras e sociais é obvia e
imediatamente evidente. A família Espírito Santo era a única que em Portugal
representava o restrito e socialmente longinquo mundo banqueiro internacional.
O BES estava presente em praticamente todos os grandes negócios em Portugal e
havia mesmo quem chamasse ao seu líder Ricardo Salgado o “Dono Disto Tudo”. As
centenas de membros da família eram vistas como a elite das elites sociais,
comportando-se-se alias como tal. O desmoronar do grupo económico e,
fundamentalmente as razões para que tal tenha ocorrido, reflectem-se obviamente
na consideração do português comum sobre as supostas elites sociais e económicas
do país.
Mas
esta não será a única consequência social e profundamente política deste caso.
Nos últimos anos verificou-se, e bem, a abertura da actividade económica ao
sector privado em todos os sectores da economia. Muita discussão política tem
passado pela definição dos limites dessa abertura e da substituição do Estado
pela actividade privada em determinadas áreas. À frente estão desde logo a
Saúde e a Educação mas também outras áreas do chamado Estado Social. Se não
está em causa a liberdade do sector privado concorrer com o Estado na oferta de
serviços nessa área, o problema reside na possibilidade de encolher o papel do
Estado nessas áreas devido à escassez de receitas fiscais face à despesa,
contando-se que o mercado viesse suprir sem problemas essa diminuição do papel
do Estado. O que a crise do GES vem mostrar a toda a gente, ainda que muitos
não o reconheçam explicitamente, é que boa parte da nossa elite empresarial não
está preparada para assumir responsabilidades sociais. Se ser liberal em
Portugal é ainda hoje uma miragem, isso deve-se em boa parte aos comportamentos
daqueles que, precisamente, deviam demonstrar o contrário. E devemos todos
pensar nos mais desfavorecidos cuja segurança mínima deve ser garantida pelo
Estado. Com lideres empresariais que “retiram” fundos das empresas para si
próprios de todas as maneiras e feitios, mesmo as mais sofisticadas, ninguém de
bom senso lhes pode confiar o que tem que ser socialmente garantido para todos.
É evidente que seria injusto concluir que todos, ou mesmo a maioria dos
empresários portugueses actuam desta forma. Mas quando se descobre que a elite das
elites o faz de uma forma despudorada, a confiança na actividade económica privada
é a primeira vítima.
Podem estas consequências ser consideradas como danos colaterais de um problema meramente económico e financeiro. Desconfio, no entanto, que agirão sobre os portugueses de uma forma muito mais profunda e duradoura do que a questão financeira que, de uma forma ou de outra, acabará sempre por ter solução.
Podem estas consequências ser consideradas como danos colaterais de um problema meramente económico e financeiro. Desconfio, no entanto, que agirão sobre os portugueses de uma forma muito mais profunda e duradoura do que a questão financeira que, de uma forma ou de outra, acabará sempre por ter solução.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de setembro de 2014