Na
semana passada passaram 239 anos sobre a publicação de “A Riqueza das Nações”
de Adam Smith. Trata-se de um dos livros mais importantes de sempre, da
economia mas também do funcionamento geral da sociedade. Introduziu conceitos
originais que hoje são utilizados no dia-a-dia e que vieram substituir velhas
ideias sobre a formação de riqueza que não faziam sentido, mas que eram
geralmente aceites e que, curiosamente, ainda muita gente segue de forma
subliminar.
O primeiro tem a
ver com o próprio conceito de riqueza de um país. Adam Smith veio dizer que
está naquilo que produz, ao contrário da ideia até então prevalecente que media
a riqueza pela quantidade de ouro ou prata que cada país tinha em reserva.
Ainda hoje muita gente imagina que as reservas de ouro dos bancos centrais são
indicadoras da saúde financeira dos países. Daqui deriva directamente a ideia
do “produto interno bruto”, hoje adoptada em todo o mundo. O segundo conceito
tem a ver com o número de cidadãos que partilham da produção de riqueza, donde
surge o “PIB per capita”, conceito que mostra a importância da relação entre a
riqueza produzida e o nº de pessoas que dela beneficiam. Adam Smith não se
ficou por aqui e partiu para um terceiro conceito que tem a ver com o nº de
pessoas que realmente contribuem para a produção da riqueza de cada país,
através do seu trabalho. Trata-se da produtividade que, como é evidente, tem a
ver com a própria organização de cada país e da sua capacidade de introduzir
melhorias nos sistemas laborais e inovações nos sistemas produtivos.
Na
base de toda a riqueza produzida estão as empresas e a sua capacidade para se
instalarem no mercado de forma competitiva, sendo aquilo a que se chama
vulgarmente o seu capital social determinante para o seu sucesso. O capital
social das empresas vai muito para além da sua capacidade financeira e dos seus
balanços, já que o seu verdadeiro valor vem do conhecimento que advém do saber
fazer, que lhes permite produzir bens diferenciados, com valor próprio e
competitivo.
Uma das fábricas
de motos mais antigas do mundo é a italiana Benelli, que nasceu em 1921 na
cidade de Pesaro. A sua notoriedade tecnológica e comercial manteve-se até ao
fim da década de 60. A partir daí, com o surgimento das motos japonesas, a
Benelli afundou-se por incapacidade de competir comercialmente com as Honda,
Yamaha e Kawasakis, à semelhança aliás, do sucedido com toda a indústria europeia
de fabricação de motos. Já neste século, a Benelli foi comprada por um
fabricante gigantesco chinês de motorizadas que pretendeu fazer a produção das
Benelli na China. Foi um fiasco, porque, apesar de toda a maquinaria e
tecnologia transferidas para a Ásia, faltava o saber fazer dos operários
italianos. Era necessário um conhecimento específico para produzir aquelas
máquinas fantásticas. A empresa chinesa resolveu o problema reiniciando a
produção em Pesaro e contratando a antiga mão-de-obra. O capital financeiro
pode ser chinês, mas o capital social é italiano e é assim que continuamos a
poder ouvir aqueles motores na rua com o seu som inconfundível.
Há poucos dias,
uma notícia passou quase despercebida entre nós, no meio da espuma da política
e assuntos adjacentes. A fábrica Cerâmica de Valadares, encerrada há dois anos,
retomou o seu funcionamento. Também aqui a recuperação só é possível porque há
todo um conhecimento que ainda é possível recuperar, a nível de saber fazer, a
nível de gestão e de garantia de qualidade de produto fabricado. Aqui são antigos
quadros da empresa que conseguiram apoio financeiro de novos investidores,
contando ainda com o crucial trabalho de algumas centenas de antigos operários
que conhecem bem tudo o que é necessário para que o produto final seja de
qualidade e competitivo, mesmo a nível internacional.
Nas suas obras
fundamentais, “Riqueza das Nações” e “Teoria dos Sentimentos Morais”, Adam
Smith mostrou o papel da produção de riqueza e, além disso, como a produção e troca
de produtos é impulsionada pela especialização, crucial para que as empresas se
afirmem nos mercados e criem a riqueza necessária a todos. Apesar dos mais de
duzentos anos sobre a sua publicação, os exemplos empresariais mostram bem a
sua actualidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Março de 2015