segunda-feira, 16 de março de 2015

Da “riqueza das nações”



Na semana passada passaram 239 anos sobre a publicação de “A Riqueza das Nações” de Adam Smith. Trata-se de um dos livros mais importantes de sempre, da economia mas também do funcionamento geral da sociedade. Introduziu conceitos originais que hoje são utilizados no dia-a-dia e que vieram substituir velhas ideias sobre a formação de riqueza que não faziam sentido, mas que eram geralmente aceites e que, curiosamente, ainda muita gente segue de forma subliminar.
O primeiro tem a ver com o próprio conceito de riqueza de um país. Adam Smith veio dizer que está naquilo que produz, ao contrário da ideia até então prevalecente que media a riqueza pela quantidade de ouro ou prata que cada país tinha em reserva. Ainda hoje muita gente imagina que as reservas de ouro dos bancos centrais são indicadoras da saúde financeira dos países. Daqui deriva directamente a ideia do “produto interno bruto”, hoje adoptada em todo o mundo. O segundo conceito tem a ver com o número de cidadãos que partilham da produção de riqueza, donde surge o “PIB per capita”, conceito que mostra a importância da relação entre a riqueza produzida e o nº de pessoas que dela beneficiam. Adam Smith não se ficou por aqui e partiu para um terceiro conceito que tem a ver com o nº de pessoas que realmente contribuem para a produção da riqueza de cada país, através do seu trabalho. Trata-se da produtividade que, como é evidente, tem a ver com a própria organização de cada país e da sua capacidade de introduzir melhorias nos sistemas laborais e inovações nos sistemas produtivos.
Na base de toda a riqueza produzida estão as empresas e a sua capacidade para se instalarem no mercado de forma competitiva, sendo aquilo a que se chama vulgarmente o seu capital social determinante para o seu sucesso. O capital social das empresas vai muito para além da sua capacidade financeira e dos seus balanços, já que o seu verdadeiro valor vem do conhecimento que advém do saber fazer, que lhes permite produzir bens diferenciados, com valor próprio e competitivo.

Uma das fábricas de motos mais antigas do mundo é a italiana Benelli, que nasceu em 1921 na cidade de Pesaro. A sua notoriedade tecnológica e comercial manteve-se até ao fim da década de 60. A partir daí, com o surgimento das motos japonesas, a Benelli afundou-se por incapacidade de competir comercialmente com as Honda, Yamaha e Kawasakis, à semelhança aliás, do sucedido com toda a indústria europeia de fabricação de motos. Já neste século, a Benelli foi comprada por um fabricante gigantesco chinês de motorizadas que pretendeu fazer a produção das Benelli na China. Foi um fiasco, porque, apesar de toda a maquinaria e tecnologia transferidas para a Ásia, faltava o saber fazer dos operários italianos. Era necessário um conhecimento específico para produzir aquelas máquinas fantásticas. A empresa chinesa resolveu o problema reiniciando a produção em Pesaro e contratando a antiga mão-de-obra. O capital financeiro pode ser chinês, mas o capital social é italiano e é assim que continuamos a poder ouvir aqueles motores na rua com o seu som inconfundível.
Há poucos dias, uma notícia passou quase despercebida entre nós, no meio da espuma da política e assuntos adjacentes. A fábrica Cerâmica de Valadares, encerrada há dois anos, retomou o seu funcionamento. Também aqui a recuperação só é possível porque há todo um conhecimento que ainda é possível recuperar, a nível de saber fazer, a nível de gestão e de garantia de qualidade de produto fabricado. Aqui são antigos quadros da empresa que conseguiram apoio financeiro de novos investidores, contando ainda com o crucial trabalho de algumas centenas de antigos operários que conhecem bem tudo o que é necessário para que o produto final seja de qualidade e competitivo, mesmo a nível internacional.
Nas suas obras fundamentais, “Riqueza das Nações” e “Teoria dos Sentimentos Morais”, Adam Smith mostrou o papel da produção de riqueza e, além disso, como a produção e troca de produtos é impulsionada pela especialização, crucial para que as empresas se afirmem nos mercados e criem a riqueza necessária a todos. Apesar dos mais de duzentos anos sobre a sua publicação, os exemplos empresariais mostram bem a sua actualidade.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 16 de Março de 2015

quarta-feira, 11 de março de 2015

11 de Março

Passam hoje 40 anos sobre o 11 de Março. Naquele dia acabou algo e entrou-se numa espécie de túnel do tempo que deveria terminar numa "revolução de Outubro", mas que desembocou num dia de Novembro, graças a um punhado de militares a sério.
Mas foi ali que começaram as nacionalizações e a destruição sistemática do aparelho produtivo do país.
Ao contrário do que possa parecer, a foto acima não é de um cartaz de 1975 e sim a capa de "O Militante" de Abril de 2015. Não é preciso dizer mais nada.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Ética e política



Poder-se-ia pensar que, em democracia, as épocas de maior atrito político corresponderiam obrigatoriamente a lutas de carácter ideológico profundo e evidente. Em contraste, as lutas personalizadas e baseadas em ataques pessoais seriam vistas como baixa política, praticada por gente sem escrúpulos e falha de ética. No tempo que passa, em que o espaço comunicativo proporcionado pela internet substituiu a informação, arrastando consigo os clássicos meios escritos e televisivos, a capacidade de uso e abuso da espuma do acessório e imediatista faz as delícias de políticos populistas e pescadores de águas turvas que apenas pretendem destruir o existente.
Convém, precisamente em momentos de crispação política, manter alguma distanciação e, acima de tudo, ter em atenção o valor relativo das coisas e evitar atitudas falsamente moralistas.
Ao longo da História surgiram muitos ensinamentos que nos podem ajudar a discernir o melhor caminho, mesmo que muitas vezes possam vir até nós pela via do paradoxo.
Uma das lições mais referidas de Maquiavel refere que, em política, os aliados, quaisquer que eles sejam, não são amigos, como aliás Churchill viria a reconhecer, séculos mais tarde. Ao escrevê-lo, Maquiavel questiona directamente as nossas convicções religiosas ou convenções sociais, mesmo as da actualidade. Maquiavel ataca os moralistas que nos querem fazer crer que os líderes devem ser generosos, agradecidos e fiéis. Tal como hoje nos querem fazer crer que os líderes políticos devem ser, acima de tudo bonzinhos, simpáticos e fazerem o que aqueles que têm acesso aos meios dizem que é bom.

Mas já Aristóteles, na obra sobre a Ética que dedicou a seu filho Nicómaco havia alertado sobre a diferença fundamental entre a razão e o sentimento. A felicidade seria o resultado de uma vida virtuosa encontrada num justo meio entre os extremos através do exercício de prudência. Para o filósofo grego, as virtudes tinham características diferentes, divididas basicamente entre a inteligência, a sabedoria e a prudência e as outras como a liberalidade e a temperança. Ninguém é perfeito, pelo que se deve encontrar a justa composição das virtudes pessoais.
A política é a actividade mais importante de todas, porque trata do bem da cidade, da colectividade que aliás, nos dias de hoje, paga com os seus impostos tudo aquilo que é a actividade do Estado. A acção política é ainda das mais complexas que existem, já que tem de ir buscar informação e capacidades às mais diversas formas de conhecimento humano e, não menos importante, deve agregar as diversas virtudes enunciadas, para atingir o objectivo da “felicidade” da Cidade entendida como comunidade.
O momento político que se vive em Portugal é tudo menos propício à prossecução do objectivo de encontrar a “felicidade” da polis. Os sentimentos tomam conta da actualidade, relegando a razão para os fundos da quase inexistência. Mas a abertura da caixa de Pandora liberta sempre muitos demónios não se sabendo, depois de soltos, quem virá a perder ou a ganhar, já que passado um tempo será até difícil perceber quem tirou a tampa.
Está bom de ver que não me refiro à Justiça, para quem a Ética é e deve ser a Lei da República. A Justiça tem o seu tempo e procedimentos próprios, felizmente independentes dos tempos políticos. Embora se possa recear a tentação política de limitar a sua acção, não me parece que isso venha a suceder, dado o grau superior da sua actual organização e capacidade técnica dos seus agentes.
Mas, até ás próximas eleições legislativas, estando os demónios à solta como estão, serão de esperar muitas denúncias, certamente muitas falsas e outras parte da verdade, que criarão perplexidades e confusões nos espíritos dos portugueses. Tenhamos nós próprios as virtudes descritas por Aristóteles, já que do mundo político e do seu reflexo que é a comunicação social andarão tão ou mais arredadas do que já hoje andam.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Março de 2015

segunda-feira, 2 de março de 2015

RADICALIZOU-SE (?)



Confesso que estou farto desta conversa: o terrorista tal foi radicalizado na mesquita tal em Londres, Nova Iorque ou Berlim não interessa; o assassino não sei quantos foi radicalizado por se sentir perseguido pela polícia; jovens rapazes ou raparigas sempre ligados à internet nos seus quartos, radicalizaram-se e resolveram ir juntar-se ao dito estado islâmico na Síria. As notícias em si criaram uma imagem que se substituiu à realidade. Se formos procurar o significado de “radical” encontraremos que é aquele que regressou às origens, à raiz, por oposição à modernidade, o que não sucede com nenhum dos jovens ocidentais que resolve ir juntar-se ao dito estado islâmico. Será, no entanto, isso sim, o que acontece com os religiosos islamitas que adoptaram o fundamentalismo religioso, pretendendo que toda a sociedade obedeça à sua lei religiosa, em substituição das leis civis e que, de uma forma ou de outra, encontram um discurso que, pelo engano, consegue cativar jovens em processo de dificuldade de afirmação.
Contam, para atingirem os seus objectivos, com a paralisação provocada por processos de auto-culpabilização ou relativismo do ocidente não islamita ou mesmo cristão e a verdade é que têm conseguido até agora levar a sua avante, como se pode ver pela própria linguagem com que são referenciados na comunicação social.
Mas basta de complexos de culpa histórica. Claro que há umas centenas de anos houve a Inquisição e há mil anos houve as Cruzadas. Mas também houve a Revolução Francesa, origem do moderno liberalismo, que inventou a guilhotina e em menos de dez anos cortou a cabeça a mais pessoas do que as Inquisições conseguiram matar durante séculos. E, antes das Cruzadas, foram os próprios muçulmanos que, a golpes de cimitarras, instauraram um império/califado desde a Arábia até à Península Ibérica. 

Apesar de tudo isto, o Ocidente desenvolveu uma civilização de direitos humanos e de respeito pelas minorias como nunca houve antes. Uma civilização que respeita o passado e o seu legado histórico, social, mas também patrimonial e que deseja que os seus descendentes venham igualmente a desfrutar desse mesmo legado em liberdade.
O que se passa no dito estado islâmico é a negação de todo um património civilizacional da humanidade e é assim que tem de ser denunciado e combatido.
O auto denominado “estado islâmico” adoptou práticas infames e autenticamente selvagens contra todos os que define como inimigos do Islão. Pior ainda, tornou as suas acções contra pessoas tais como lapidações, decapitações com facas pequenas, flagelações, queima de prisioneiros em jaulas, lançamentos de pessoas do alto de prédios, assassínios na rua, crucificações, execuções colectivas de dezenas ou centenas de pessoas etc. em actos de propaganda, pela sua filmagem e publicação na internet, algo que nunca antes havia sido feito.
Nos últimos dias, aos crimes contra pessoas resolveram acrescentar a destruição de património histórico-cultural da humanidade. Assim, queimaram milhares de livros e manuscritos raros da biblioteca de Mossul, fazendo uma fogueira com livros culturais, científicos, infantis e religiosos. Destruíram ainda uma igreja e o teatro da universidade local. Não contentes, destruíram ainda estátuas com valor incalculável para a História da Humanidade e, como habitualmente, filmaram tudo e publicaram na internet, explicando que Maomé fez o mesmo no seu tempo e que ele próprio enterrou ídolos com as suas mãos, dando-lhes o exemplo para o que devem fazer.
A barbárie continua à solta. Para se financiar, o dito “estado islâmico” retira para vender órgãos aos seus prisioneiros, que a seguir enterra em valas comuns.
Para além de uns bombardeamentos aéreos de meia dúzia de países directamente afectados, normalmente pelo homicídio em directo de cidadãos seus, não se vê a comunidade internacional a tomar medidas para acabar com este estado de coisas. Designadamente, a ONU, o que está a fazer? Na verdade, a notória incapacidade internacional para lidar com o chamado “estado islâmico” montado por umas escassas dezenas de milhares de homens impressiona tanto como a sua barbárie.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O EXEMPLO ARGENTINO



Há precisamente cem anos, a Argentina inaugurava em Buenos Aires a estação de comboios Retiro que é, juntamente com o Teatro Colón, um dos edifícios emblemáticos da prosperidade em que vivia nesses tempos. A Argentina era, por esses dias, um dos dez países mais ricos do mundo, mais rico que a França, a Alemanha ou a Itália. O nível do seu produto per capita era de 92% da média dos 16 países mais ricos do mundo. Durante os 43 anos que precederam a Primeira Guerra Mundial, a Argentina foi um país politicamente estável que conseguiu o maior crescimento do mundo, a uma taxa anual de 6%.
A partir dessa altura, a Argentina mudou de rumo e passou a ser um país politicamente instável às mãos, ora de militares golpistas, ora de políticos populistas. Os golpes de estado militares sucederam-se a partir do primeiro ocorrido em 1930. Incluindo o último que aconteceu em 1976 e que substituiu o governo de Isabelita Péron pela Junta Militar houve nada mais, nada menos, que seis golpes militares. O último ainda tem consequências graves na sociedade argentina, pela brutalidade insana com que tratou milhares de opositores políticos e suas famílias. 
O regime instaurado pelo general Videla e seus sequazes, só acabou na sequência da invasão militar pela Argentina das Ilhas Malvinas/Falkland, a que se seguiu a reocupação das mesmas pelas Forças Armadas britânicas, naquela que ficou conhecida pela Guerra das Malvinas/Falkland, entre Abril e Junho de 1982.
Em 1946 Juan Domingo Perón foi eleito para o seu primeiro mandato presidencial, com base numa mescla ideológica, o chamado justicialismo, intervindo fortemente na economia, fechando-a ao exterior, limitando as importações, promovendo nacionalizações, enquanto em simultâneo aumentava o salário aos trabalhadores incluindo o salário mínimo, 13º mês, benefícios nas aposentações, etc.
Entretanto, a sua mulher Eva exercia um fascínio sobre a sociedade em geral, mas especialmente sobre os mais pobres, os chamados “descamisados”. O populismo tinha tomado conta da política argentina. Se num primeiro tempo, o país pareceu recuperar em termos económicos e sociais, rapidamente se afundou. Perón acabou por exercer três mandatos presidenciais, sempre eleito com grandes maiorias, alternando com golpes militares. Após o seu falecimento em 1974, sucedeu-lhe a mulher conhecida como Isabelita, que tentou prolongar o peronismo, experiência terminada tragicamente em 1976.
No regresso ao regime democrático que substituiu a Junta Militar após a Guerra das Malvinas, a Argentina teve a possibilidade de, finalmente, entrar pelo caminho da recuperação sustentada da economia e de regressar ao caminho do progresso e do crescimento económico. Tal foi o caminho traçado pelo presidente eleito Raúl Alfonsin, mas não pelos seus sucessores que voltaram ao justicialismo e populismo inerente, com péssimos resultados. De presidente justicialista em presidente justicialista, hoje em dia quem preside é Cristina Kirchner que, para não variar, é a viúva do anterior presidente, Néstor Kirchner.
Comparando com os valores do início desta crónica referentes à Argentina de há cem anos, verifica-se que o produto per capita da Argentina é hoje apenas 43% do dos 16 países mais ricos. A tradição justicialista continua nos dias de hoje, com uma intervenção estatal que produz resultados desastrosos, como acontece na tradicional exportação de carne, em que a Argentina caiu de 4º maior exportador em 2006, para 10º em 2013.
A Argentina de hoje é o resultado de dois factores cruciais: em primeiro lugar, uma tradição de golpismo militar. Em segundo lugar, a persistência de opção democrática por políticos populistas, que prometem o que não podem cumprir e levam à prática políticas sociais insustentáveis pela economia do país e que têm levado a pesadas intervenções de apoio financeiro pelo FMI que podem resolver pontualmente dificuldades financeiras, mas não colocam o país noutro caminho. E, na realidade, embora os seus responsáveis, como a actual presidente, caiam na tentação de o fazer, não podem verdadeiramente acusar ninguém pela situação. São os próprios argentinos que, com as suas escolhas democráticas, e recorda-se que o actual ciclo democrático tem já quase quarenta anos, têm sistematicamente levado o seu país para a miséria e desencanto através de escolhas de políticos populistas.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 23 de Fevereiro de 2015