Poder-se-ia
pensar que, em democracia, as épocas de maior atrito político corresponderiam
obrigatoriamente a lutas de carácter ideológico profundo e evidente. Em
contraste, as lutas personalizadas e baseadas em ataques pessoais seriam vistas
como baixa política, praticada por gente sem escrúpulos e falha de ética. No
tempo que passa, em que o espaço comunicativo proporcionado pela internet
substituiu a informação, arrastando consigo os clássicos meios escritos e
televisivos, a capacidade de uso e abuso da espuma do acessório e imediatista
faz as delícias de políticos populistas e pescadores de águas turvas que apenas
pretendem destruir o existente.
Convém,
precisamente em momentos de crispação política, manter alguma distanciação e,
acima de tudo, ter em atenção o valor relativo das coisas e evitar atitudas
falsamente moralistas.
Ao
longo da História surgiram muitos ensinamentos que nos podem ajudar a discernir
o melhor caminho, mesmo que muitas vezes possam vir até nós pela via do paradoxo.
Uma
das lições mais referidas de Maquiavel refere que, em política, os aliados,
quaisquer que eles sejam, não são amigos, como aliás Churchill viria a
reconhecer, séculos mais tarde. Ao escrevê-lo, Maquiavel questiona directamente
as nossas convicções religiosas ou convenções sociais, mesmo as da actualidade.
Maquiavel ataca os moralistas que nos querem fazer crer que os líderes devem
ser generosos, agradecidos e fiéis. Tal como hoje nos querem fazer crer que os
líderes políticos devem ser, acima de tudo bonzinhos, simpáticos e fazerem o
que aqueles que têm acesso aos meios dizem que é bom.
Mas
já Aristóteles, na obra sobre a Ética que dedicou a seu filho Nicómaco havia
alertado sobre a diferença fundamental entre a razão e o sentimento. A
felicidade seria o resultado de uma vida virtuosa encontrada num justo meio
entre os extremos através do exercício de prudência. Para o filósofo grego, as
virtudes tinham características diferentes, divididas basicamente entre a
inteligência, a sabedoria e a prudência e as outras como a liberalidade e a temperança.
Ninguém é perfeito, pelo que se deve encontrar a justa composição das virtudes
pessoais.
A
política é a actividade mais importante de todas, porque trata do bem da
cidade, da colectividade que aliás, nos dias de hoje, paga com os seus impostos
tudo aquilo que é a actividade do Estado. A acção política é ainda das mais
complexas que existem, já que tem de ir buscar informação e capacidades às mais
diversas formas de conhecimento humano e, não menos importante, deve agregar as
diversas virtudes enunciadas, para atingir o objectivo da “felicidade” da
Cidade entendida como comunidade.
O
momento político que se vive em Portugal é tudo menos propício à prossecução do
objectivo de encontrar a “felicidade” da polis. Os sentimentos tomam conta da
actualidade, relegando a razão para os fundos da quase inexistência. Mas a abertura
da caixa de Pandora liberta sempre muitos demónios não se sabendo, depois de
soltos, quem virá a perder ou a ganhar, já que passado um tempo será até
difícil perceber quem tirou a tampa.
Está
bom de ver que não me refiro à Justiça, para quem a Ética é e deve ser a Lei da
República. A Justiça tem o seu tempo e procedimentos próprios, felizmente
independentes dos tempos políticos. Embora se possa recear a tentação política
de limitar a sua acção, não me parece que isso venha a suceder, dado o grau
superior da sua actual organização e capacidade técnica dos seus agentes.
Mas,
até ás próximas eleições legislativas, estando os demónios à solta como estão,
serão de esperar muitas denúncias, certamente muitas falsas e outras parte da
verdade, que criarão perplexidades e confusões nos espíritos dos portugueses.
Tenhamos nós próprios as virtudes descritas por Aristóteles, já que do mundo
político e do seu reflexo que é a comunicação social andarão tão ou mais
arredadas do que já hoje andam.
Publicado originalmente no Diário
de Coimbra em 9 de Março de 2015
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