segunda-feira, 9 de março de 2015

Ética e política



Poder-se-ia pensar que, em democracia, as épocas de maior atrito político corresponderiam obrigatoriamente a lutas de carácter ideológico profundo e evidente. Em contraste, as lutas personalizadas e baseadas em ataques pessoais seriam vistas como baixa política, praticada por gente sem escrúpulos e falha de ética. No tempo que passa, em que o espaço comunicativo proporcionado pela internet substituiu a informação, arrastando consigo os clássicos meios escritos e televisivos, a capacidade de uso e abuso da espuma do acessório e imediatista faz as delícias de políticos populistas e pescadores de águas turvas que apenas pretendem destruir o existente.
Convém, precisamente em momentos de crispação política, manter alguma distanciação e, acima de tudo, ter em atenção o valor relativo das coisas e evitar atitudas falsamente moralistas.
Ao longo da História surgiram muitos ensinamentos que nos podem ajudar a discernir o melhor caminho, mesmo que muitas vezes possam vir até nós pela via do paradoxo.
Uma das lições mais referidas de Maquiavel refere que, em política, os aliados, quaisquer que eles sejam, não são amigos, como aliás Churchill viria a reconhecer, séculos mais tarde. Ao escrevê-lo, Maquiavel questiona directamente as nossas convicções religiosas ou convenções sociais, mesmo as da actualidade. Maquiavel ataca os moralistas que nos querem fazer crer que os líderes devem ser generosos, agradecidos e fiéis. Tal como hoje nos querem fazer crer que os líderes políticos devem ser, acima de tudo bonzinhos, simpáticos e fazerem o que aqueles que têm acesso aos meios dizem que é bom.

Mas já Aristóteles, na obra sobre a Ética que dedicou a seu filho Nicómaco havia alertado sobre a diferença fundamental entre a razão e o sentimento. A felicidade seria o resultado de uma vida virtuosa encontrada num justo meio entre os extremos através do exercício de prudência. Para o filósofo grego, as virtudes tinham características diferentes, divididas basicamente entre a inteligência, a sabedoria e a prudência e as outras como a liberalidade e a temperança. Ninguém é perfeito, pelo que se deve encontrar a justa composição das virtudes pessoais.
A política é a actividade mais importante de todas, porque trata do bem da cidade, da colectividade que aliás, nos dias de hoje, paga com os seus impostos tudo aquilo que é a actividade do Estado. A acção política é ainda das mais complexas que existem, já que tem de ir buscar informação e capacidades às mais diversas formas de conhecimento humano e, não menos importante, deve agregar as diversas virtudes enunciadas, para atingir o objectivo da “felicidade” da Cidade entendida como comunidade.
O momento político que se vive em Portugal é tudo menos propício à prossecução do objectivo de encontrar a “felicidade” da polis. Os sentimentos tomam conta da actualidade, relegando a razão para os fundos da quase inexistência. Mas a abertura da caixa de Pandora liberta sempre muitos demónios não se sabendo, depois de soltos, quem virá a perder ou a ganhar, já que passado um tempo será até difícil perceber quem tirou a tampa.
Está bom de ver que não me refiro à Justiça, para quem a Ética é e deve ser a Lei da República. A Justiça tem o seu tempo e procedimentos próprios, felizmente independentes dos tempos políticos. Embora se possa recear a tentação política de limitar a sua acção, não me parece que isso venha a suceder, dado o grau superior da sua actual organização e capacidade técnica dos seus agentes.
Mas, até ás próximas eleições legislativas, estando os demónios à solta como estão, serão de esperar muitas denúncias, certamente muitas falsas e outras parte da verdade, que criarão perplexidades e confusões nos espíritos dos portugueses. Tenhamos nós próprios as virtudes descritas por Aristóteles, já que do mundo político e do seu reflexo que é a comunicação social andarão tão ou mais arredadas do que já hoje andam.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Março de 2015

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