Qualquer detentor de poder consciente deve saber duas coisas. A primeira é que a detenção de poder é efémera; a segunda é que não conhece o momento exacto em que o perderá. Não me refiro apenas àquele poder mais óbvio, que é o de governar, o poder político. Há muitas outras formas de deter ou exercer poder, seja na vida económica, seja na vida social, seja nas igrejas, seja na vida profissional, seja mesmo na vida política sem governar, no que respeita aos líderes de partidos na oposição.
Há uma velha
história sobre os cuidados a ter no exercício do poder, que para alguns se
transforma mesmo em incapacidade de o fazer convenientemente. Uns quatrocentos
anos antes de Cristo, quando Siracusa na Sicília ainda não pertencia ao império
romano e era uma cidade helénica, existiu aí um rei chamado Dionísio que vivia
em grande fausto, rodeado de tudo o que havia de bom nesses tempos recuados. Um
dos cortesãos, chamado Dâmocles, invejava as riquezas do rei e um dia disse-lhe
o quanto gostaria de ter a sua vida que faria dele certamente o homem mais
feliz à face da Terra. Para sua surpresa, Dionísio resolveu fazer-lhe a vontade
e cedeu-lhe o trono por um dia, com tudo o que lhe estava inerente. Com a maior
das satisfações, Dâmocles sentou-se na cadeira real e começou a desfrutar de
tudo aquilo que lhe apetecia. Desde a comida ao vinho, à fruta e à música, tudo
o que queria lhe era imediatamente trazido pela jovem criadagem ao seu serviço.
A certa altura, porém, teve um estranho pressentimento e levantou os olhos para
o tecto. Paralisado de medo, viu uma espada afiada pendurada do tecto apenas
por uma fina crina de cavalo, exactamente acima dos seus olhos. Questionou
Dionísio sobre o que era aquilo, que lhe respondeu que aquela espada tinha
estado sempre ali e fazia parte da sua vida, podendo haver sempre alguém que,
por qualquer motivo, a fizesse cair sobre a sua cabeça. Dâmocles, que tinha de
repente perdido todo o apetite, levantou-se com cuidado e voltou para sua casa,
já sem qualquer inveja da vida real de Dionísio.
Muitos dos
detentores de poder nunca ouviram falar desta história, ou julgam que a chamada
espada de Dâmocles era mesmo dele. Não sabem que o exercício do poder, só por
si, os coloca automaticamente à mercê de traições, enganos, invejas ou mesmo
das consequências das suas más decisões.
Alguns,
inebriam-se de tal forma com o poder, que o agarram com sofreguidão, nem lhes
passando pela cabeça o que sucederá quando o perderem. Normalmente, são os que
se acham predestinados, os que pensam ter encontrado a chave para todos os
problemas, ou aqueles que muito simplesmente se deslumbram com o poder e com as
facilidades e confortos que muitas vezes lhes estão associados, para além da
bajulice dos próximos. Por vezes, com trabalhos adicionais e alguma ajuda
amiga, lá vão conseguindo evitar que a espada lhes caia em cima enquanto
exercem o poder, espada essa que os perseguirá mais tarde para ferir ainda com
mais força.
Outros
habituam-se ao poder e tomam por hábito aquilo que é excepção e temporário,
apenas dando conta da espada quando ela lhes cai em cima. Estarão convencidos
de que o poder lhes é devido por nascimento e, ironia maior, nem quando o que
tem que acontecer acaba por suceder parece terem verdadeiramente consciência
disso, tal é a sua presunção. Outros há que fazem como Dâmocles e, quando
percebem os perigos daquilo em que se meteram, desatam a fugir para bem longe. Timoratos,
alcançam normalmente o poder por manobrismos de bastidores e são magníficos a prever
cenários por serem muito inteligentes, mas revelam-se incapazes de tomar
decisões, sem capacidade de escolher seguir por caminhos difíceis, com receio
de que a espada lhes caia em cima de imediato.
Claro que na sua
esmagadora maioria, as pessoas exercem o poder sabendo que a espada está lá,
mas agem com sensatez e respeito pelos outros, nunca experimentando o fio
afiado da espada. Sendo assim, a espada de Dâmocles, sendo uma ameaça permanente
para os detentores de poder, é na realidade uma defesa dos comuns cidadãos
contra o mau uso desse mesmo poder.