Que me lê deverá
estar já a pensar, e bem, que não sendo este o tempo das eleições presidenciais
já que antes vamos ter as legislativas, não deveria estar a escrever estas
linhas sobre o assunto. Mas, como diz a Poeta, “vemos, ouvimos e lemos, não
podemos ignorar”, o que me perdoará a contradição.
Alguns possíveis
candidatos começaram já a colocar-se no terreno, como se costuma dizer.
Henrique Neto já apresentou mesmo a sua candidatura e começa claramente a mostrar
ao que vai, enquanto vai colhendo os seus apoios. Outros vão surgindo como
eventuais candidatos e outros ainda vão sendo lançados para as páginas dos
jornais, num autêntico frenesim.
Mas outra possível
candidatura tem vindo a apresentar-se, gerando ondas de defesas e ataques com
teores tais que me motivaram a escrever sobre as presidenciais, ainda que a
“destempo”. A possível candidatura de Sampaio da Nóvoa surgiu apadrinhada por
dois presidentes da República e só esse facto extraordinário coloca-a num
patamar diferente das outras.
Sampaio da Nóvoa foi lançado por Cavaco Silva e é
claramente acarinhado por Mário Soares. De facto, Sampaio da Nóvoa foi
introduzido nestas lides por Cavaco Silva, ao convidá-lo para discursar no 10
de Junho de 2012. Até aí, fora do meio académico era um ilustre desconhecido, sendo
a partir desse discurso que, para muita gente, começou a ser “presidenciável”. Quanto
ao carinho que Mário Soares nutre por esta candidatura, ele é público e
notório.
Sampaio da Nóvoa
tem a vantagem de ser novo no panorama político, o que é sempre refrescante.
Mas tem a desvantagem de as suas declarações poderem serem mal interpretadas,
precisamente porque é pouco conhecido, sendo de toda a conveniência que comece
a esclarecer ao que vem, em concreto e não apenas por vagas afirmações. Nos
seus discursos recentes encontrei duas referências que, parecendo óbvias, o não
são de forma nenhuma e exemplificam o que quero dizer.
Numa delas afirmou
que, ao candidatar-se, pensa em Eanes. Pois bem, o que significará esta
afirmação? Ao pensar em Eanes recordo-me do 25 de Novembro de 1975 e da sua
candidatura subsequente à presidência da República; mas lembro-me também da sua
irritação aquando da tomada de posse de Sá Carneiro como primeiro-ministro; e
lembro-me da criação do PRD patrocinada pelo então presidente da República,
basicamente contra o partido Socialista; lembro-me também de que nos últimos
anos estudou na Universidade de Navarra em Espanha, o que não deixa de ser
significativo. Quando Sampaio da Nóvoa se refere a Eanes, de que é que se
lembra em concreto? É que não é indiferente, do ponto de vista político, ter
Ramalho Eanes como referência numa ou noutra das numerosas atitudes do
ex-presidente.
Sampaio da Nóvoa
afirma que há demasiados portugais dentro de Portugal. Claro que
geograficamente Portugal é um país diverso, sempre foi, e isso é mesmo uma das
nossas vantagens sociais e culturais. As próprias populações são profundamente diferenciadas,
com origens históricas que foram bem estudadas e explicadas por José Mattoso.
Sendo Sampaio da Nóvoa ele próprio historiador, terá eventualmente esse aspecto
na ideia. A diferença entre o litoral e o interior é um problema grave, que
está a levar ao surgimento de dois portugais bem diversos. A Madeira e os
Açores constituem igualmente portugais bem diferentes das Beiras ou do Algarve.
Socialmente, há também diferenças notórias; serão as classes sociais outros
tantos portugais?
Enfim, estou
convencido que todo este alarido é artificial, enquanto se aguarda o momento da
verdade, que será quando Guterres afinal anunciará a sua candidatura
independente de partidos, após o término do seu mandato na ONU e depois das
legislativas. Convinha, no entanto, que os “proto-candidatos” a “destempo” se
preocupassem em mostrar a substância das suas candidaturas, em vez de se
esconderem em frases e palavras bonitas que não significam nada, por poderem
significar tudo e o seu contrário. Os portugueses certamente agradecerão.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Abril de 2014