Neste período de
“distensão política” poderíamos ser levados a pensar que o tempo do FMI em
Portugal foi apenas um sonho mau e que já estávamos livres desses senhores. No
entanto, a realidade tem muita força e acaba sempre por se impor, por mais que
muitos tentem cobri-la com o manto diáfano da fantasia.
Portugal já tem um
Orçamento de Estado para 2016, que foi promulgado pelo Presidente da República
em apenas quatro dos vinte dias de que dispunha para o fazer. Não tendo sido
levantadas quaisquer dúvidas sobre a existência de inconstitucionalidades no
documento, não havia razões para que não entrasse rapidamente em vigor, até
porque já estamos em Abril. É claro que não haveria inconstitucionalidades como
em tempos recentes de aplicação do memorando com a troika, no fio da navalha
das receitas e despesas, com a necessidade de fugir à bancarrota nacional que,
essa, afinal não é inconstitucional.
Claro que, mais
importante que ter um orçamento, é a sua concretização tendo em vista a
recuperação da economia do país. E foi aqui que o relatório da terceira avaliação
pós-programa do FMI veio como um duche de água gelada, por mais que se tente
esconder isso do povo. O FMI mostra não acreditar nas metas contidas no
Orçamento e pede que sejam tomadas medidas adicionais, quer do lado da despesa,
quer do lado da receita, para que os valores do défice e da dívida no final do
ano se aproximem dos objectivos fixados. A fim de diminuir a despesa do Estado,
o FMI considera que “as propostas que dizem respeito à reversão total dos
salários dos funcionários públicos este ano devem ser reconsideradas para um
período de tempo mais longo”. Já do lado da despesa, o FMI considera que “ a
reversão da sobretaxa de IRS e a redução do IVA para algumas categorias deve
ser adiada até que seja identificado espaço orçamental para o fazer”.
Tudo isto porque o
FMI prevê para este ano um défice das contas públicas de 2,9%, portanto 0,7%
acima do previsto no Orçamento, quando em 2015 foi de 3,0% não contando com o
efeito do BANIF, que por si acrescenta 1,4%, estando ainda por explicar a razão
disso. No que respeita ao défice estrutural, o FMI prevê um agravamento de 0,5%
do PIB, para o valor de 2% do PIB.
Como se a negritude
do cenário traçado não fosse ainda suficiente, o FMI avisa que o crescimento da
economia já atingiu o máximo, indo descer a partir de agora, com as opções
orçamentais aprovadas, se não houver mais reformas estruturais. Quando se sabe
que o anémico crescimento de 2015 que terá sido de 1,46 depois de ser de 0,91
em 2014 e claro, negativo nos anos anteriores, ainda pode descer mais, as
preocupações não podem deixar de ser grandes. O FMI não se refere a outros
factores como o desemprego, mas a verdade é que no primeiro trimestre de 2016
esta taxa voltou a crescer, o que já não sucedia há vários trimestres, o que
não vem ajudar nada a sermos optimistas.
Por fim, o FMI
alerta para o grave risco da revisão da única nota de investimento atribuída em
Portugal, pela única sociedade de rating
que não nos classifica como “lixo”. A acontecer, o que poderá ser consequência
de incerteza política ou se as previsões do Orçamento de Estado não se vierem a
verificar, particularmente no crescimento económico, as consequências para o
país serão muito más, quer pelo lado da falta de investimento estrangeiro quer,
pior ainda, por o Banco Central Europeu (BCE) deixar de poder comprar dívida
pública portuguesa e os bancos portugueses deixarem de poder usar a dívida
soberana como colateral para se financiarem.
É bem sabido que o
FMI não colhe a simpatia generalizada dos cidadãos, e isso acontece por boas
razões. A simples referência à deslocação das suas delegações significa más
notícias para os países que os recebem. A razão principal é que o FMI só tem
que se deslocar a países que o chamam por estarem em situação financeira
desesperada. Não vão àqueles que têm políticas que conduzem a crescimentos
económicos e bem-estar dos cidadãos, porque não é preciso. As soluções que
apresentam são também normalmente pesadas e exigem sacrifícios de grande parte
das populações, principalmente das que não podem fugir, o que obviamente não é
nunca o caso dos muito ricos.
No nosso regime
democrático já fomos obrigados a chamar o FMI por três vezes, o que constitui um
triste recorde internacional. Seria bom que todos tivéssemos consciência disso
e das razões que levaram a essa resposta desesperada. Em vez de clamar contra o
mensageiro das más notícias, que não é mais do que isso, devemos antes ter
atenção ao que diz e exigir rigor nas contas públicas e na governação. Nada
mais, aliás, do que o que o Presidente Marcelo fez na sua declaração ao país ao
comunicar a promulgação do Orçamento de Estado.