Uma das áreas da actividade
humana em que essa tentativa de manipulação é muito evidente é a da utilização
da tecnologia ou engenharia, tema que me é particularmente caro por razões
pessoais e profissionais. É demasiado frequente, mesmo entre nós na
actualidade, encontrar políticos que defendem que a técnica nunca é
independente, afirmando estar a mesma sempre ao serviço de alguma ideologia.
Passando ao lado do
insulto óbvio aos profissionais que, de forma íntegra, entregam o seu esforço
pessoal dentro das mais diversas actividades com base na ciência e na técnica,
deve-se relevar que essas atitudes visam, elas sim, condicionar de forma óbvia
o trabalho dos técnicos e, com toda a probabilidade, esconder fragilidades
ideológicas e aplanar caminho para as mais diversas tentações totalitárias.
Quando leio ou ouço
afirmações contra a independência da técnica, lembro-me sempre do exemplo do
que se passou na União Soviética nos tempos do início do estalinismo, tão bem
descrito pelo prémio Nobel Alexander-Solzhenitsyn no seu “O arquipélago de
Gulag”. No fim da década de vinte e na década seguinte, Estaline promoveu activamente
a industrialização da União Soviética e, para isso, necessitou de uma
utilização intensiva dos caminhos de ferro. Os responsáveis pela manutenção dos
equipamentos ferroviários sabiam que, perante essa utilização, havia que executar
trabalhos que evitassem avarias e mesmo acidentes, pelo que faziam o seu
trabalho e paravam os comboios quando necessário. Como os comissários políticos
do partido precisavam de ter os comboios sempre a rolar para cumprir os
objectivos, qualquer dificuldade que colocasse isso em questão era um problema
grave. Daí a ser inventado um suposto “partido dos Engenheiros” sabotador ao
serviço das forças contra-revolucionárias foi um pequeno passo. As
consequências para os “reaccionários” que colocavam entraves ao avanço do
socialismo foram as habituais: o fuzilamento de uns tantos e a deportação de
muitos mais. Assim se acabou com o “partido dos Engenheiros”.
Nos nossos dias a
técnica e a tecnologia estão muito mais evoluídas e penetraram em todos os aspectos
da vida quotidiana. Os ataques à independência da sua utilização evoluíram
também. À pura aplicação demagógica e populista das velhas ideologias fascistas
ou marxistas-leninistas soma-se hoje a utilização de diversas técnicas
manipulatórias tornadas possíveis pelo desenvolvimento da sociologia, da
psicologia e das teorias comportamentais freudianas. Marcuse ficaria certamente
admirado sobre como as suas ideias acabaram por entrar tão profundamente em tantas
áreas, provocando mesmo alterações sociais marcantes dentro de uma óptica de
reconstrução artificial da organização da sociedade.
Todos sabemos que
há estudos técnicos económicos enquinados para produzirem determinadas
conclusões, relembrando aqui os que serviram de base a muitas PPP e que partiram
de pressupostos no mínimo irrealistas que se vieram a mostrar completamente
desadequados à realidade. Desaparecida na prática a sustentabilidade económica
dos investimentos públicos realizados, todos acabamos por pagar respectivos
excessos de optimismo. Já os projectos de engenharia, arquitectura, etc. sobre
os quais são elaborados os cenários económicos não têm nada a ver com essa
situação, sendo abusivo meter todos os estudos técnicos no mesmo saco da falta
de independência.
À semelhança da
publicidade, a acção política serve-se muitas vezes de mensagens subliminares
para conseguir os seus fins através do condicionamento da liberdade dos
indivíduos. É por isso mesmo que a exigência de cidadania impede que se fique
sossegado e calado quando esse tipo de acção política anda à solta, sabe-se lá
com que fins, independentemente da sua orientação ideológica. Principalmente
num tempo em que a demagogia e o populismo campeiam por todo o mundo, mesmo
numa Europa que pensávamos ter-se tornado imune a tal, depois daquilo por que
passou no século que acabou há tão pouco tempo.