Podem fazer-se
muitos ensaios científicos sobre o relacionamento entre as pessoas, que nunca
encontrarão o fundamento e a razão da Amizade. Sentimento que nasce de
companheirismo em boas horas e outras mais difíceis, de muitas horas de
conversa e de discussão e de algo mais profundo que tem a ver com alguma
empatia entre personalidades que, vistas de fora, até poderão parecer
completamente diferentes ou mesmo opostas. Diferentemente da pulsão erótica, a
amizade não pretende concretizar qualquer desejo e, por outro lado, ainda muito
menos obter algo do outro. Parte do gosto de estar com, de partilhar sem
compromissos nem necessidade de salvaguardar seguranças. Quando se constrói uma
amizade assim é para sempre e mantém-se apesar da distância, não necessitando
de juramentos. Nos reencontros, ainda que separados por anos, é como se a
conversa continuasse e não tivesse havido interrupção.
Há poucos dias
deixou-nos um grande Amigo, o Dr. José Manuel de Miranda Plácido dos Santos.
Personagem inconfundível, de grande brilho intelectual, marcou todos aqueles
que com ele contactaram ao longo da vida, e não foram poucos, dada a sua
capacidade de estabelecer relações. Senhor de uma grande personalidade, desde
muito novo que se habituou a ser independente, o que lhe conferiu um grande
grau de exigência, desde logo para com a sociedade de que detestava hipocrisias
que não admitia mesmo aquelas que todos nós nos habituámos a tolerar de certa
forma, mas fundamentalmente para consigo próprio.
A sua faceta
epicurista surgia quando à mesa com os amigos, suscitando longas conversas, em
que a boa disposição nunca andava longe, ainda que os temas fossem, como aliás
era muito frequente, de profunda densidade social, política ou mesmo filosófica.
Quando de alguma forma ajudava alguém a superar uma dificuldade, ao
agradecimento costumava responder com um sorriso aberto e a sua célebre frase
“os longos anos e a experiência dão-me a certeza de servir bem os meus
clientes”. E era assim, com a maior das simplicidades, que seguia adiante. Com esta
sua maneira de ser, não é de admirar o elevado número de amigos que conquistou
ao longo da vida, sem nunca distinguir classes sociais ou fortuna.
Poucos anos depois
de se licenciar em Direito, foi viver com a família para o Algarve, onde
construiu uma notável carreira de advocacia. A sua casa em Estômbar era um
poiso para todos os seus amigos de Coimbra, tendo a porta sempre aberta para os
receber com o seu carinho inexcedível.
Quis o destino que,
poucas semanas depois de celebrar os sessenta anos, fosse infectado por uma
mortífera bactéria ultraresistente ao fazer uns simples exames hospitalares na
terra que o viu nascer, Coimbra, e que rapidamente o levou da companhia dos
seus. Diz-se frequentemente que os melhores são os primeiros a partir e neste
caso é a perfeita verdade.
Infelizmente, as
circunstâncias da vida não me permitiram comparecer à sua festa dos sessenta
anos, nem às suas cerimónias fúnebres, mas não ficaria de bem com a minha
consciência se não deixasse aqui estas simples palavras. Coimbra perdeu certamente
um dos seus melhores filhos e, se é verdade que a amizade não se agradece, aqui
fica ao Zé Plácido o agradecimento por ter sido quem foi. Até sempre, Zé.