A História e os
clássicos são um bom instrumento para não nos deixarmos enganar pela chamada
espuma dos acontecimentos e pela apressada interpretação do que por todo o lado
nos é oferecido como sendo a realidade, deixando os realistas como sendo os
maus da fita.
Mais de trezentos
anos antes de Cristo, o exército do rei da Pérsia Dario III foi derrotado por
Alexandre o Grande, na batalha de Issus. Dario havia sido avisado por
Charidemos sobre as possíveis más consequências das suas decisões estratégicas,
dado que este último conhecia bem os exércitos de Alexandre. Dario não gostou
do que ouviu e matou Charidemos que, na realidade, lhe tinha transmitido a
verdade honestamente, tendo-se tornado incómodo por isso mesmo.
No século XIII, o
mongol Gengis Khan conquistou um enorme império, sendo conhecido até aos dias
de hoje por vários aspectos inovadores, como a liberdade religiosa ou um
serviço de correio montado em que os mensageiros oficiais podiam percorrer até
200 quilómetros por dia. Ficou também conhecido pela sua brutalidade,
estimando-se que nas suas guerras tenham morrido dezenas de milhões de pessoas.
E ficou célebre a sua sistemática reacção quando os mensageiros lhe traziam más
notícias, que era a morte imediata dos mesmos.
Hoje em dia e entre
nós a soberania está no povo, pelo que é a ele e às suas instituições que os
mensageiros fazem chegar as notícias de que são portadores. E o curioso é que,
de facto, as reacções são muitas vezes semelhantes às dos antigos reis. Quer no
momento em que se tomam decisões de escolha, quer ainda anteriormente na fase
das “sondagens”, a posição de recusa das más notícias parece-se muito com o que
os antigos ditadores faziam. A diferença estará em que a “morte política” é
agora muitas vezes o destino dos que trazem a verdade desagradável,
principalmente quando o fazem antes da chegada das consequências, como sucedeu
com o velho Charidemos.
Já Platão mostrou na
sua “alegoria da caverna” como as pessoas têm dificuldade de sair da sua zona
de conforto, ainda que não constitua mais do que um mundo irreal e falso,
habituando-se a ele de tal forma que se recusam a aceitar a realidade e o mundo
como ele é verdadeiramente e não o casulo em que se fecham. Nessa caverna,
vivem seres humanos que ali estão desde que nasceram, não conhecendo o mundo
exterior. Podem, no entanto, ver sombras projectadas na parede do fundo de
pessoas que passam no exterior, sombras essas que para eles são a realidade. Se
por acaso um dos habitantes da caverna vier para o exterior, a luz do dia quase
que o cegará, impedindo-o de ver bem a realidade; ao regressar à sua “segurança
habitual” da caverna, a escuridão não deixará ver alguma coisa, porque já
habituado à luz. Pior ainda, os seus antigos companheiros virar-se-ão contra
ele, mensageiro que ele era da realidade exterior em que não acreditavam e de
que tinham medo.
Na nossa realidade
actual deveremos perguntar-nos se, de facto, o ambiente cultural e social
essencialmente criado por uma comunicação social homogénea que aceita
acriticamente a propaganda como se de informação se tratasse, não constitui uma
redoma artificial fofa e agradável na qual a maioria se convence de que é
possível viver eternamente, rejeitando os mensageiros quem a avisam de que não
é assim. Prefere-se viver como se fosse possível não haver nunca necessidade de
sair da caverna para o mundo exterior da realidade, o que, mais cedo ou mais
tarde acaba por levar à destruição dos mitos criados, obrigando a dor e
sacrifícios generalizados. Já aconteceu no passado e voltará a acontecer. E
certamente, poderemos ver de novo aqueles que perseguiram os mensageiros da
realidade acusá-los do sucedido, recusando as suas próprias responsabilidades,
como Platão bem ensinou.
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