Não vou escrever
sobre o caso da actualidade que veio desmascarar um político português e de
seguida toda a direcção do seu partido ao tentar defender o indefensável que
estava à vista de toda a gente, porque ainda vai dar pano para muitas mangas.
Até porque permanecem dúvidas sobre a utilização de “informação privilegiada”
na aquisição, para além de eventuais favores no financiamento e no
licenciamento das obras.
O caso português
resultou num lucro de uns 4 ou 5 milhões de euros, mas noutras paragens há
políticos a conseguirem vantagens financeiras, nos mercados, em montantes de
centenas ou milhares de vezes aquele valor. O Reino Unido continua a passar por
dificuldades tremendas decorrentes do resultado do referendo de Junho de 2016
em que os eleitores escolheram abandonar a União Europeia. Parece mesmo que os
responsáveis políticos só agora tomam verdadeiramente consciência dos problemas
que enfrentam e ainda mais dos que os esperam no futuro que já está muito
próximo.
Mas nem todos os
políticos estão preocupados, já que muitos defenderam precisamente a saída da EU
e continuam a defendê-la, custe o que custar. São políticos populistas como
Nigel Farage que, basicamente, apelaram aos sentimentos nacionalistas de
segmentos de população mais idosos e menos urbanos acenando-lhes com o
encerramento de portas à imigração e com poupanças no financiamento da União
Europeia. Mas, na realidade, o “custe o que custar” que acima escrevi aplica-se
aos britânicos comuns e não aos próprios políticos, com Farage à cabeça.
Soube-se, através
de uma investigação da Bloomberg, que na própria noite de 23 de Junho de 2016,
se fizeram fortunas gigantescas jogando com o valor da Libra e com o
conhecimento secreto (porque não público) de sondagens feitas nos dias
imediatamente anteriores. Foi assim que, após o encerramento das urnas, o
próprio Nigel Farage e o representante de uma das principais empresas de sondagens
britânicas, a YouGov, foram às televisões anunciar que o referendo tinha sido ganho
pelos defensores da manutenção do Reino Unido na União Europeia. Contudo, quer
a empresa de sondagens, quer Nigel Farage tinham conhecimento, há vários dias,
de que o resultado do referendo ditaria, com grandes probabilidades, a vitória
do Brexit. No prazo de poucas horas, quando o resultado final por todos tido
como surpreendente, começou a formar-se, o valor da Libra viria a cair a pique,
quando no início da noite até tinha subido Os que tinham conhecimento prévio do
que iria acontecer tiveram uma janela temporal de algumas horas para fazer
negócios no “short selling” em contramão com as notícias que surgiram logo após
o fecho das urnas. As mais-valias foram gigantescas e as declarações nada
inocentes de Nigel Farage foram valiosíssimas para que tal tenha sucedido.
Segundo a
Bloomberg, o volume de negócios financeiros daquele dia na City foi de uma
envergadura brutal. Alguns “hedge funds” realizaram centenas de milhões de
dólares, enquanto as empresas de sondagens que com eles trabalharam reconhecem
ter sido aquele o dia de maiores lucros da actividade, desde sempre. De acordo
com a legislação inglesa, os resultados das sondagens apenas podem ser
entregues aos clientes, sendo proibido fazê-los chegar ao público antes do
fecho das urnas. Uma dessas empresas de sondagens, a Survation, está muito
ligada a Nigel Farage e proporcionou-lhe informação sobre a probabilidade do
Brexit, bem antes do resultado do referendo. Apesar disso, o político
prestou-se a dar ao público informação contrária, assim beneficiando
directamente os “hedge funds” que tinham a mesma informação que ele próprio.
A actividade das
empresas de sondagens fica claramente debaixo dos holofotes, mostrando que a
legislação regulatória actual, ao defender as decisões de voto dos eleitores,
coloca na mão dos especuladores, sejam eles financeiros ou políticos, uma
ferramenta poderosa de manipulação dos mercados. Não esquecendo que os
políticos estão do lado de fora, podendo usar a informação que detêm a seu belo
prazer e enganar os investidores mais fracos, com a possibilidade de argumentar
depois que os mercados são mesmo assim, tanto se podendo perder como ganhar.
Como, aliás, fez Nigel Farage.