segunda-feira, 22 de outubro de 2018

DEMOCRACIA NEGATIVA



É uma evidência que salta aos nossos olhos: os regimes democráticos, tal como os conhecemos, passam por transformações profundas que poderão mesmo vir a colocá-los em questão.
Não me refiro a aspectos pontuais em que políticos mais ou menos conspícuos se servem de mentiras camufladas ou mesmo descaradas para justificarem as suas actuações. Tal sempre houve em todas as sociedades e, perdoe-se-me o pessimismo, sempre haverá. Tal como é de todos os tempos a capacidade de dizer mal dos adversários, inventando mesmo mentiras sobre eles.
Mas os regimes democráticos têm como substância a possibilidade de o povo escolher entre as diversas opções que lhe são propostas na altura das eleições. As campanhas com os programas e os candidatos permitem aos eleitores perceber quem lhes convém, de acordo com os seus interesses. Estes até poderão ser diferentes entre os mais diversos sectores sociais, e são-no normalmente, permitindo o resultado global atribuir as funções governativas da comunidade como um todo às maiorias que se possam constituir ou ao candidato que recolher mais votos, no caso de candidaturas individuais.
Contudo, nos últimos anos assiste-se, um pouco por todo o mundo, a uma mudança neste paradigma democrático que está a produzir resultados inesperados e a causar espanto em quem não percebe o que se passa e que, na realidade, é tantas vezes responsável pela mudança. As razões poderão ser muitas, desde o fim do mundo bipolar em que duas potências dominavam completamente as suas respectivas áreas de influência até à globalização, passando pelas profundas mudanças trazidas pela tecnologia da informação. O que é visível é uma crescente fuga dos eleitorados para os extremos políticos, abandonando um centrismo que é sempre algo conservador e que, pelo menos na minha opinião, durante décadas foi gerador de uma prosperidade generalizada sem paralelo na História.
A sociedade passou a dividir-se entre bons e maus, para além das clássicas diferenças entre esquerdas e direitas. Perante as mais diversas situações, criam-se ondas de indignação e campanhas mediáticas instantâneas que a internet se encarrega de transformar em manifestações à escala global. E ninguém tem capacidade para colocar os factos que deram origem a essas ondas de indignação em questão porque ninguém quer ficar do “lado dos maus”, abandonando-se a razão e mesmo o bom-senso. A sociedade mundial é hoje, mais do que uma sociedade da informação, uma sociedade da indignação. O “somos todos Charlie” ou “me-too” são apenas exemplos dessas vagas que tantas vezes acabam por engolir, levar na frente e destruir os próprios que lhes deram origem.

E tudo isto se transferiu para as democracias. Vimos este fenómeno nos Estados Unidos da América nas últimas eleições presidenciais e também no referendo do Reino Unido que deu origem ao Brexit. Nas eleições presidenciais no Brasil a demonização do adversário atinge níveis nunca vistos. Chega-se a afirmar que não interessa quem está com quem e o que fez, mas sim impedir que o adversário vença, e não estou aqui a defender ou atacar seja quem for em concreto, mas apenas a descrever o que se passa, como exemplo das mudanças a que assistimos em todo o mundo.
As discussões políticas transferiram-se do campo das ideias para o campo da moral, em que sistematicamente cada lado extremado se arroga de superioridade nessa matéria. Como sabemos da História, sempre que alguém, de esquerda ou de direita, se arroga de superioridade moral e chega ao poder, quem fica a perder é a Liberdade.
Os resultados estão à vista e não são animadores para quem acredita no valor da Democracia. Quem sai sistematicamente vencedor destas lutas são populistas que defendem velhas ideias que ressumam nacionalismos, xenofobias e mesmo racismos, aproveitando-se oportunisticamente dos medos que eles próprios fomentam e a tecnologia difunde. Num futuro próximo, estes vencedores até poderão dar a ideia de que continuam a respeitar os cânones democráticos mas, na realidade, os regimes aproximar-se-ão cada vez mais de fachadas normalizadas de sistemas destruidores da cidadania e da liberdade.

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

HONRA, DESONRA, LEALDADE, FALSIDADE



A ópera bufa a que os portugueses têm sido obrigados a assistir e que se chama “furto de Tancos” é, como tantas vezes sucede nas peças de teatro, mesmo aquelas que à superfície parecem ligeiras, um mergulho nas profundezas de uma sociedade, no caso a portuguesa de 2018. Tem-nos sido dado a observar a mais completa inexistência de valores que é suposto serem a base de funcionamento de qualquer sociedade. E isto, no núcleo central do último reduto da defesa da soberania, que são as Forças Armadas. Um caso que à partida teria uma gravidade limitada veio a ter desenvolvimentos complexos, envolvendo oficiais das mais altas patentes, até chegar ao próprio gabinete do ministro da Defesa que acabou por se demitir. Há Majores, Coronéis e Generais a desmentirem-se mutuamente, a apresentarem relatos contraditórios e documentos por assinar, enquanto as chefias máximas militares se encolhem.
Claro que a situação política e o próprio ambiente social do país não são inseparáveis de tudo o que se está a ver. Não vale a pena espantarmo-nos se o deslaçar da sociedade que se observa um pouco por todo o lado tiver também já corroído alguns sectores das Forças Armadas, precisamente aqueles que estão em contacto directo com o Governo.
É que as coisas estão muito mais ligadas do que às vezes possa parecer. O país tem assistido a uma encenação directamente decorrente da solução governativa saída das eleições de 2015. Pela primeira vez na democracia portuguesa, quem ganhou as eleições não formou governo, tendo o partido Socialista criado uma disrupção política ao formar um Governo minoritário com o apoio parlamentar dos partidos mais à esquerda, contrariando tudo o que se afirmara até então. A solução, que é evidentemente legítima, democrática e constitucional, introduziu contudo uma forma de governar que, se muitos consideram hábil, mais não é do que um jogo de espelhos em que os três partidos que sustentam o governo vão dançando as suas próprias danças, juntando-se no momento da aprovação dos Orçamentos de Estado.

E os enganos constituíram-se assim na essência da governação. Desde que o primeiro Orçamento de 2016 voltou para trás da Comissão Europeia, o Governo mudou em 180º o rumo que tinha sido definido pelo PS nas eleições e assumiu o cumprimento dos critérios orçamentais ditados pela União Europeia. Claro que, perante essa mudança, Wolfgang Schauble (lembram-se dele?) e o BCE prestaram toda a ajuda preciosa no controlo das taxas de juro. A execução dos orçamentos seguintes veio mostrar como esses objectivos foram conseguidos: queda abrupta no investimento público, cativações um pouco por todas áreas governativas e uma carga fiscal inaudita baseada essencialmente em impostos indirectos a que ninguém pode fugir. A aprovação dos orçamentos é um momento de superior hipocrisia política, porque já se sabe que a taxa de execução do investimento previsto dificilmente superará os 50% e a libertação das cativações previstas dependerá apenas da aproximação do objectivo do défice e não das necessidades do país. E mesmo o proclamado grande crescimento da nossa economia afinal nunca passa além de ser dos mais fracos da União Europeia.
Perante toda esta realidade, que desmente a retórica governativa, os partidos da esquerda parlamentar calam-se e consentem inclusivamente a degradação generalizada nos serviços públicos. Situação que alguém terá que inverter num dia destes, à custa de dinheiro que não existe, a não ser com aumento da dívida pública que, essa, continua a níveis estratosféricos.
Em política as atitudes têm consequências que vão muito além do que às vezes se imagina. As pessoas comuns apercebem-se perfeitamente do ambiente hipócrita de enganos e fantasias criado no país, origem de um sentimento generalizado de apatia e indiferença. Não será por acaso que nos últimos dias se soube que Portugal surge na quinta posição entre os países mais corruptos. E sabe-se que de um ambiente de falsidade generalizada nunca surgiu nada de bom; antes pelo contrário, é o terreno fértil para o germinar de nacionalismos e surgimento de “salvadores providenciais”, tantas vezes trazidos pelos próprios votos da democracia.

sábado, 13 de outubro de 2018

As ministras

Azeredo Lopes foi-se embora do Ministério da Defesa. Em boa verdade, já só ocupava o cargo sem exercer, há muito tempo.
Agora, as expressões das duas ex-colegas de Governo na sua última aparoção pública como tal são um tratado.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

COIMBRA, CAPITAL DE



O título desta crónica vai propositadamente inconclusivo, oferecendo a quem a lê a hipótese de colocar o remate que achar mais adequado.
Na realidade Coimbra já foi capital de muitas coisas e pretendeu ser de outras tantas. Foi, imagine-se, a primeira capital de Portugal, a Cidade onde o nosso primeiro Rei estabeleceu a sua Corte e onde vieram a nascer quase todos os reis da Dinastia que fundou.
Durante séculos Coimbra foi a verdadeira “Capital do Conhecimento” por nela se localizar a única Universidade do país. Por isso se diz que era também a Capital da Língua Portuguesa, onde aprendiam todos os doutores ou bacharéis que se espalhavam posteriormente pelo mundo, difundindo o conhecimento adquirido em Coimbra.
Foi capital de Distrito até essa divisão territorial e política desaparecer, para ser integrada numa Região Centro de que os mais diversos poderes sempre impediram que fosse capital, o que faria todo o sentido para bem de Coimbra e da própria região que não apresenta mais nenhuma cidade de dimensão média. Também não é capital da Região de Turismo em que se insere, nem lhe empresta o nome ou a sede.

Alguém sonhou que fosse Capital da Saúde, o que não sucedeu e está cada vez mais longe da realidade. Quando ouvi um antigo ministro da Saúde cá em Coimbra afirmar que a nossa cidade tinha uns HUC com uma dimensão que não se justificava e que ainda por cima existia do outro lado do Mondego o Hospital dos Covões também plenamente utilizado, o que era algo que já tinha desistido de entender, antevi o que hoje é já a plena e triste realidade. O Parque Tecnológico que era para ser também da Saúde é hoje uma pálida imagem do que poderia ter sido.
É, contudo, capital de obras e projectos inacabados. Sobre o Metro Mondego a que os governantes até em tempos deram a pomposo designação de Plano de Mobilidade do Mondego não é preciso grandes considerações face à vertiginosa descida de expectativas que, com sorte, ainda terminarão com mais uns autocarros sem via dedicada. A auto-estrada A13, talvez pelo azar que a designação lhe trouxe, incluiu uns viadutos gigantescos, mas morreu contra um monte ali pelas bandas de Ceira, ficando-se por ser uma excelente ligação a Tomar onde, de vez em quando, lá passam uns carros. A auto-estrada A14 vem da Figueira da Foz para desaparecer em Coimbra, dando lugar ao malfadado IP3, desgraçada via que substitui a auto-estrada que nos devia ligar a Viseu.
É também a capital das promessas falhadas. O novo Tribunal, que até já teve um projecto completo elaborado para o mesmo local onde ainda hoje está “previsto”, pago e tudo, continua a existir apenas numas vagas declarações ministeriais sobre novos projectos e estudos; claro que as últimas eleições proporcionaram que o estacionamento que lá existe há dezenas de anos passasse a ter melhor aspecto, mas não mais que isso. A nova Maternidade sai de vez em quando do esquecimento para ser motivo das mais desencontradas discussões, mais apetecendo dizer como em Alqueva: “construam-me, porra!”. E o mesmo direi para o parque de estacionamento dos HUC, sem mais comentários. Quanto à promessa do aeroporto internacional em Cernache, nem vale a pena falar, porque Coimbra não pode ser a Capital do ridículo isso, decididamente, nunca.
Perante tudo isto, que resta aos conimbricenses no ano da graça de 2018? Que Coimbra seja a Capital da Esperança. E a Esperança tem que estar nas pessoas de Coimbra. É tempo de acreditarmos nos conimbricenses todos, no conhecimento que detêm e na capacidade de realizar, com excelência, de que por cá se dá provas em suficiência. As mudanças nos paradigmas urbanos têm sido avassaladoras nos últimos anos e só se pode esperar que acelerem no futuro próximo. As actividades humanas, a todos os níveis, estão a sofrer profundas alterações e as cidades não fogem a essas mudanças Por isso é mais do que nunca necessária e urgente a máxima exigência para com os governantes nacionais, mas também e sobretudo para com os governantes mais próximos e para com todos os que democraticamente nos representam independentemente das ideologias e partidos. Para que Coimbra seja realmente a capital da Esperança para todos, progressiva, culta e progressista, finalmente livre de atavismos seculares ainda hoje causadores de injustiças e atrasos a todos os níveis.

domingo, 7 de outubro de 2018

Visualizações do blog

É sempre uma surpresa verificar quantas das visualizações deste blog são feitas em países como os EUA, a Itália, o Brasil ou a Polónia. Um mistério interessante.


segunda-feira, 1 de outubro de 2018

BRITEXPULSION



É provável que Theresa May tenha entrado no último Conselho Europeu realizado em Salzburgo, convencida de que o seu plano definitivo Chequers recolheria o apoio da maioria dos líderes europeus. Nunca se saberá se algum desses líderes ou a própria Comissão lhe terão dado esperanças de que houvesse possibilidades dessa aceitação. A verdade é que, não só o plano Chequers foi liminarmente rejeitado por todos os 27, como a Primeira-ministra britânica foi desnecessariamente enxovalhada pelos seus ainda colegas líderes europeus.
Claro que, no fim do Conselho Europeu, o seu presidente Donald Tusk acabou por admitir existirem “elementos positivos” na proposta Chequers mas vincando que precisa de ser ajustada, sem o que o “mercado único” seria prejudicado. Mais tarde, viria mesmo a comparar “Chequers” a uma “fatia de bolo sem a cereja em cima”. Perante estas posições da União Europeia não podemos deixar de pensar no que estará por detrás desta aparente irredutibilidade de posições. E a justificação mais plausível é que os restantes 27 países acreditarão que, se as negociações não tiverem uma conclusão os britânicos, de uma forma ou de outra, acabarão por ser chamados de novo às urnas para, em novo referendo, dizerem de sua justiça sobre a saída ou não da União, desta vez com uma espada de Dâmocles em cima da cabeça. O que, tendo em conta as razões de carácter predominantemente nacionalista que ditaram o resultado surpreendente do referendo de 2016 é bem capaz de, mais uma vez, dar o resultado contrário ao pretendido pelos políticos europeus. E não se julgue que as consequências de um tal resultado se limitariam ao Reino Unido, porque seria certamente muito grave para a própria UE. Tendo em conta o ressurgimento de velhos nacionalismos por esse mundo fora e olhando friamente para a qualidade da generalidade dos políticos europeus, incluindo a Comissão, ninguém ficará verdadeiramente admirado se tudo o que puder correr mal, correr de facto mal.
A única manifestação de algum apoio a May veio precisamente do Primeiro-ministro nacionalista húngaro Victor Orbán que afirmou estar a tentar lutar contra um grupo de líderes europeus os quais, segundo ele, acreditam que o Reino Unido deve sofrer.
A possibilidade de saída do Reino Unido sem acordo é cada vez mais provável, atendendo ao tempo que já passou desde o referendo de 2016 e à irredutibilidade britânica na data definitiva de saída: dia 29 de Março de 2019, às 24 horas.
Ao regressar a casa May viu-se na necessidade de se dirigir aos britânicos, explicando a sua posição sobre o sucedido em Salzburgo. O discurso da Primeira-ministra britânica foi duro para com os restantes líderes europeus, mas também para com os trabalhistas e os membros do seu próprio partido que criticam o seu plano. Theresa May afirmou que não é aceitável que o seu plano Chequers tenha sido rejeitado, sem que a UE tivesse apresentado alternativas e novas bases de negociação. Afirmou mesmo que os britânicos “têm tratado a União Europeia com respeito, exigindo o mesmo da parte dela”.
Os trabalhistas vêem fraqueza na dificuldade de May em obter um acordo para o Brexit que lhes pode dar dividendos eleitorais pelo que resolveram forçar a nota, aprovando na sua convenção uma moção a pedir um novo referendo nos casos de não haver acordo ou de um acordo que seja prejudicial aos interesses britânicos. No próprio partido Conservador os defensores do “hardbrexit” consideram que o plano “Chequers” da Primeira-ministra já ultrapassou as linhas vermelhas de cedência. Neste caso, são radicalmente contra um novo referendo, defendendo, em alternativa, uma saída pura e simples sem qualquer acordo.
A incapacidade negocial de May enredada nas contradições internas do seu partido e as próprias dificuldades habituais para se obterem consensos dentro da União, criaram uma situação explosiva. O Brexit, isto é, a saída voluntária do Reino Unido, está a dar lugar a algo muito mais parecido com “BRITEXPULTION” que mais não será do que uma expulsão do Reino Unido da EU, levada a cabo pelos seus ex-parceiros, ironicamente apoiada pelos extremistas britânicos.