Comecei por colocar no título desta
crónica “a banca portuguesa”, mas depressa me dei conta do erro que
constituiria. É que quase já não há banca portuguesa, isto é bancos com capital
social de origem maioritariamente portuguesa. O que tem consequências para o
tecido empresarial, porque a falta de capital em Portugal se estende até à
Bolsa reduzida hoje à sua ínfima espécie, não constituindo alternativa efectiva
à capitalização das empresas.
O que aconteceu aos bancos em Portugal
nos últimos quinze anos é um pesadelo. Começou em 2008 com a nacionalização do
BPN. Em vez de se limitar os prejuízos provocados pelos desmandos dos administradores
aos accionistas do banco, distribuiu-se a factura pelos portugueses e estima-se
que o seu valor não andará longe dos 5.400 milhões de euros. Os responsáveis,
cujos nomes todos os portugueses conhecem, andam por aí felizes e contentes,
não estando nenhum atrás das grades enquanto decorrem vários processos ligados
ao caso e outros já prescreveram.
Continuou com o BPP, um “banco de ricos”,que
faliu em 2010, tendo o Estado ficado credor em 446 milhões de euros de que já
recuperou 165 milhões havendo boas hipóteses de recuperar tudo o resto. Os
administradores foram absolvidos do crime de burla qualificada, tendo sido
condenados com pena suspensa por terem ocultado contabilisticamente as perdas
do Banco.
Não se pode deixar de referir o
sucedido no BCP, com a tentativa de tomada de controlo acionista por parte de
algumas empresas e personalidades apoiadas financeiramente pela CGD em
condições mais que duvidosas. Não faliu, mas viu o seu valor cair a pique, com
a necessidade da realização de operações de reavaliação de acções e de entrada
de novos accionistas de referência com capital estrangeiro, representando hoje
a participação accionista portuguesa cerca de 30% do total. Estes “negócios”
que tiveram, no mínimo, a conivência governamental nunca foram devidamente
escrutinados, quer pelo Banco de Portugal, quer pela CMVM, quer pela própria
Justiça.
O que aconteceu ao BES em Agosto
de 2014 é, talvez, o maior escândalo da banca portuguesa, desde sempre. A
coberto de um nome com grande prestígio na banca internacional, a administração
misturou banco com os negócios privados da família, escondeu prejuízos, em
suma, enganou toda a gente. A factura do resgate traduziu-se por 4.900 milhões
de euros naquele momento, mas continua a subir, nomeadamente em apoios ao Novo
Banco, criado para receber os activos “bons” do ex-BES e que desde 2017
pertence à Lone-Star. Os processos judiciais continuam a decorrer, sem se poder
prever quando terminarão.
O BANIF era um pequeno banco que
estava em incumprimento de pagamento de 125 milhões de euros de CoCos e
respectivos juros desde 2014. Em 13 de Dezembro de 2015 a TVI anunciou que o
BANIF ia ter intervenção pública, pelo que nos dias seguintes os depositantes
levantaram quase mil milhões de euros, o que provocou imediatamente o processo
de resolução do banco. Também neste caso não se conhecem consequências
judiciais do sucedido.
O banco dos portugueses que se
chama Caixa Geral de Depósitos, cujo único accionista é o Estado, também não
escapou ao vórtice em que se tornou a finança. Fosse pelas consequências da
crise, ou por erros crassos de gestão, os prejuízos cresceram de tal forma que
o accionista Estado, através do Governo, se viu obrigado a meter lá mais de 4.000
milhões de euros.
Em resultado disto tudo os
impostos dos portugueses já serviram, nos últimos dez anos, para pagar à banca,
de uma forma ou de outra, mais de 22 mil milhões de euros. Corresponde ao BPN
que tem atravessado 3 governos, aos 8,2 mil milhões do governo anterior e aos 9
mil milhões do actual governo cujos apoiantes, curiosamente, defendiam até há 3
anos “nem mais um cêntimo para a banca”. Como todos sabemos, quando os bancos
dão lucro distribuem dividendos pelos seus accionistas, o que é a normal
remuneração do seu empate de capital. Mas hoje em dia, quando estão à beira da
falência, são os impostos dos cidadãos que os vão salvar, o que já não é normal.
Esta pouca-vergonha tem que ter um fim, que aliás se adivinha para breve,
quando todos os bancos tiverem capital maioritário estrangeiro. E acaba por ser
este o fecho do ciclo iniciado com as nacionalizações em Março de 1975, com a
finança a seguir o caminho das grandes empresas que já foram portuguesas e
estão hoje todas em mãos estrangeiras.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Fevereiro de 2019