Enquanto em Portugal não se sai das discussões sobre os responsáveis pelos incobráveis da CGD e do antigo BES que ficaram no Novo Banco, lá fora “o mundo pula e avança” como dizia o poeta. E aquelas discussões transformaram-se em puras armas de arremesso político, em que uns se atacam, outros alijam-se de responsabilidades e outros, mais simplesmente “não têm memória”, não contribuindo em nada para a recuperação do sector financeiro.
Na realidade o sector bancário, longe que vai a crise de
2008, reformula-se por todo o mundo, indiferente às pequenas querelas dos
nossos deputados e às guerrilhas entre o ministro Centeno e o seu antigo chefe
Governador do Banco de Portugal.
Já sabemos que, entre nós, restam dois bancos com capital
social maioritariamente nacional, a CGD e o Montepio. Todos os outros estão
maioritariamente nas mãos de estrangeiros, sejam bancos ou fundos estando,
portanto, cada vez mais fora da regulação nacional e sim da europeia.
E é precisamente na Europa que ainda se continuam a
verificar grandes mudanças na banca. É todo um modelo de negócio que se afirma
nos processos de operação dos bancos que está em profunda transformação. A
fusão proposta entre o Deutsche Bank e o Commerzbank aí está para o demonstrar
e radica na vontade do próprio governo alemão para que tal aconteça, receoso de
uma queda acentuada do crescimento alemão, face a uma estagnação ou mesmo
recessão que se pré-anuncia. O casamento dos dois bancos, já de si grandes,
produzirá uma instituição financeira que será a quarta maior do continente
europeu garantindo, ainda assim, menos de 15% do mercado face à fragmentação
bancária europeia. Mas isso não se fará sem que surjam dezenas de milhares de
desempregados, não havendo certeza de que o novo banco que surgirá terá maior
capacidade para se livrar dos problemas do que cada um deles hoje tem.
A economia europeia depende essencialmente do
financiamento bancário, ao contrário do que sucede nos EUA, onde as empresas
têm outras fontes de financiamento, nomeadamente através das bolsas. O exemplo
português é, nesta matéria, do pior que se pode encontrar. A situação da bolsa
portuguesa, que é reflexo do estado deprimente da nossa economia, é tão
caricata que no chamado PSI20 só há 18 empresas que cumprem os critérios
necessários para lá estar; de facto, só para aquelas poucas empresas o valor
das acções disponíveis para negociação em bolsa consegue ser superior a 100
milhões de euros.
É muito provável que o prolongamento no tempo da política financeira de
Mario Draghi no BCE com juros muito baixos e compra de papel de dívida pública
(“quantitaive easing”), embora no imediato seja muito simpática para governos
de países com dívidas excessivas como Portugal, passe a certa altura a
funcionar ao contrário, limitando o crescimento económico da zona euro e desses
mesmos países que pretende ajudar. Os bancos poderão estar a cair na ratoeira
das baixas taxas de juro e custos crescentes, vendo a sua valorização bolsista
ser corroída pela descida das margens e colocando-se crescentemente sob a
ameaça dos sistemas financeiros do resto do mundo, principalmente o americano,
sem esquecer a China. Os bancos americanos, depois da crise de 2008, foram
fortemente recapitalizados, alteraram sistemas de funcionamento e pagam hoje em
dia aos depositantes mais de 3% de juro, enquanto os congéneres europeus ainda não
se conseguiram livrar completamente das suas “imparidades” e pagam menos de
metade aos depositantes. A Europa faria bem em olhar para o exemplo da prolongada
estagnação (ou estagflacção, como alguns lhe chamam) japonesa, com todas as
consequências que se conhecem.
A compra de dívida pública nacional por parte dos bancos, prática
generalizada na Europa, até pode ser muito simpática para os respectivos
governos. Contudo, a médio e longo prazo, é prejudicial para os próprios
bancos, embora crie nos governos a “obrigação” de os salvar em caso de sarilhos,
como temos visto (e sentido nas carteiras). Mas, a curto prazo, na verdade os
fundos estão a ser desviados do investimento privado que sofre de falta de
financiamento, assim travando o crescimento económico, a verdadeira mola do
bem-estar generalizado e garantia da existência do próprio estado-social.
Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 8 de Abril de 2019