segunda-feira, 22 de julho de 2019

C'est si bon : MONTAND..

O Rapto da Cultura


Quem visita a Galeria Borghese em Roma depara-se com uma escultura impressionante da autoria de Bernini, considerado o expoente do Barroco, que viveu entre 1598 e 1680, tendo numerosas obras de arte por toda a capital italiana. A escultura representa, em tamanho natural, “O Rapto de Proserpina”, um mito romano que já aparecia na cultura grega. O trabalho no mármore é insuperável, conseguindo transmitir as mais diversas emoções, desde a aflição de Proserpina a empurrar a cabeça de Plutão, até à violência deste a cravar as mãos no corpo nu e macio da rapariga, enquanto o cão de três cabeças que guarda a entrada do mundo da escuridão vigia o que se passa à volta. A leveza e transparência das vestes, para além das posições e expressões das personagens, em particular de Proserpina que retrata fielmente o seu grito de dor, são a expressão de uma perfeição inexcedível no trabalho escultórico do autor.
O mito romano diz-nos que uma jovem de grande beleza, Proserpina, apanhava flores num jardim, acompanhada por algumas ninfas, quando surgiu Plutão que a raptou e levou à força para o seu submundo. Plutão era o senhor do reino dos mortos, após a guerra que, com os seus irmãos Júpiter e Neptuno travara com o Pai Saturno tendo, por sua vez, Júpiter ficado senhor dos céus e da terra e Neptuno com o reino dos mares. Ceres, a mãe da jovem raptada e rainha da fecundidade e das colheitas, procurou a filha, tendo pedido ajuda a Júpiter para recuperar a filha. Entretanto, o frio e o inverno instalaram-se, as colheitas apodreceram e o mundo ficou entregue ao caos e à fome devido ao abandono por parte de Ceres. Plutão acedeu a devolver Proserpina a sua mãe, mas deu uma romã a comer à jovem que comeu algumas sementes desconhecendo que, ao comer no reino da escuridão, ficaria para sempre condenada a lá voltar. 

O entendimento obtido entre os deuses foi que durante um período do ano, a jovem estaria na companhia da mãe, conhecendo a terra, durante esse tempo, beleza e prosperidade; no resto do ano, voltaria para junto de Plutão, deixando a mãe de tratar das colheitas e regressando o frio e o mal-estar e infelicidade gerais. Curiosamente, o alimento comido por Proserpina foi uma romã, fruta que há milhares de anos tem uma simbologia muito própria e muito forte. Para os gregos era um símbolo do amor e da fecundidade e teria poderes afrodisíacos. Para os judeus era um símbolo religioso ligado ao ano novo e para os romanos, para além da fecundidade, simbolizava a ordem e a riqueza. Entre nós terá sido trazida pelos berberes, nas suas invasões da Península Ibérica, tendo a nossa língua absorvido o termo árabe para o fruto, ao contrário do que acontece nas outras línguas modernas europeias que usaram a etimologia do latim, casos do espanhol, do francês e do inglês.
Os mitos da antiguidade clássica, grega e romana, tinham muitas vezes a função de fornecer respostas a interrogações para as quais era impossível encontrar justificações concretas, pela falta de ciência desenvolvida, ao contrário dos nossos dias. O mito de Proserpina tem tido várias interpretações desse tipo, sendo habitualmente associado à explicação da alternância das estações do ano, invernosa, frio e sem alimentos quando a jovem está na casa de Plutão na escuridão do submundo e fértil e luminosa quando está em casa da mãe, Ceres. O mito é ainda tido como significando vida eterna, já que a alternância de Proserpina entre os dois mundos será para sempre.
Há, contudo, uma interpretação que terá significado para os dias de hoje. A beleza, juventude, inocência, curiosidade e mesmo liberdade de Proserpina quando vivia com a sua mãe, apanhando flores com as ninfas nos jardins é a imagem da criação artística e do belo. O rapto levado a cabo por Plutão é a captura disto tudo e ainda da liberdade, portanto da própria Cultura, levada para o submundo da escuridão. Como resultado o mundo vivo e luminoso transforma-se em algo sem vida, apodrecido e infértil de que resulta fome e desespero. 
É o que sucede quando a mentira, a ignorância, a intolerância e os mais variados extremismos e radicalismos eliminam a procura e partilha do Belo capturando a Cultura e enviando-a também para o submundo ou moldando-a para atingir os seus objectivos, de qualquer modo trazendo ao mundo tristeza, fealdade e, tantas vezes, desgraças e desespero, como desgraçadamente aconteceu com o nazismo e diversos fascismos e comunismos ao longo do século XX.

Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Julho de 2019

Circuito da Boavista


 Uma vista de Portugal no início dos anos 60 do século XX. Pena o acidente de Joaquim Filipe Nogueira



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sábado, 20 de julho de 2019

Dvorak - Symphony No. 9 "From the New World" - 3rd movement

Homem na Lua: 50 anos

Logo, às 20:17 GMT (hora de Lisboa), passam 50 anos sobre o momento exacto em que o módulo lunar  Eagle pousou na superfície lunar, transportando dois homens no seu interior; Neil Armstrong e Buzz Aldrin. O terceiro astronauta da Apollo 11, Michael Collins, ficou sozinho na nave em órbita da Lua.
Amanhã, 21 de Julho, precisamente às 02:56 TMG, passam 50 anos sobre a saída de Neil Armstrong da Eagle, para ser o primeiro homem a pisar a superfície lunar. Momento absolutamente histórico e único para a Humanidade e assim o astronauta o marcou com a frase que ficou célebre: "Um pequeno passo para um homem, um passo gigantesco para a Humanidade".
Há 50 anos, lembro-me de ter ficado a ver a televisão, tendo chamado o resto da família que tinha ido dormir, no momento crucial da transmissão televisiva. E lembro-me igualmente de, mais tarde, sair para a rua durante a noite e olhar para a Lua no céu procurando ver o Mar da Tranquilidade, sabendo que dois homens lá se encontravam e de ficar com um nó na garganta. Momentos inesquecíveis que marcam quem os presenciou com inteira consciência da sua importância.