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sexta-feira, 24 de janeiro de 2020
terça-feira, 21 de janeiro de 2020
segunda-feira, 20 de janeiro de 2020
«POESIA É MAIS SABOR QUE SABER»
Há alturas em que revisitar o
passado nos oferece, não só a possibilidade de trazer à tona factos e
personagens históricas que nos podem apontar caminhos de dignidade e progresso,
mas também relembrar como a mentira e a traição constituem parte integrante da
vida e tantas vezes elas próprias moldam o futuro.
A descrição da vida de quase todas
as figuras históricas ligadas a Coimbra chega até nós de uma forma em que o
mito impregna a realidade de uma tal forma que se diria que esta se dissolve
naquele, construindo uma figuração em que a pessoa concreta que a originou
provavelmente se reveria com dificuldade.
O Duque de Coimbra Dom Pedro foi
vítima de manipulações, mentiras e traições quer em vida, quer depois de morto,
através dos textos que os cronistas oficiais sobre ele deixaram escritos. A
exaltação do rei D. Afonso V passou, para Rui de Pina, pelo apoucamento de Dom
Pedro, na senda de Gomes Eanes de Azurara.
A manipulação histórica foi tão
profunda e tão eficaz que ainda hoje, se formos pelas nossas ruas perguntar
quem foi Dom Pedro, a probabilidade de encontrar quem saiba alguma coisa sobre
essa relevantíssima figura da nossa História, e em particular da de Coimbra, é
praticamente nula. Não há na nossa cidade um monumento, uma instituição, algo
que leve as pessoas a terem a curiosidade de se perguntar sobre quem foi. Na
toponímia há um arruamento entre a Fonte da Cheira e a Rua dos Trabalhadores.
O facto é que Coimbra ainda hoje não
se reencontrou com o Infante Dom Pedro, Duque de Coimbra. E no entanto…
Dom Pedro era filho do rei D. João I
e de D. Filipa de Lencastre pertencendo, portanto, àquela a que Camões chamou
“Ínclita geração, altos Infantes". Na sequência da tomada de Ceuta, em 1415, foi um
dos dois primeiros Duques portugueses, ele de Coimbra, e o irmão Dom Henrique,
de Viseu.
Na
infância, esteve na corte de Inglaterra onde aprendeu línguas, mas também tomou
conhecimento de outros viveres e adquiriu uma cultura excepcional para um jovem
português da época. Depois viajou pela Europa, tendo ficado conhecido como o
«Príncipe das Sete Partidas». Ao seu irmão mais velho Dom Duarte que seria Rei,
enviou em 1427 aquela que ficaria conhecida como «Carta de Bruges», com
conselhos para a futura governação. Entre outras coisas, nela propunha que na
Universidade de Lisboa fossem instituídos colégios à imitação dos de Oxford e
de Paris, reconhecendo que os clérigos portugueses tinham uma instrução muito
deficiente. Dava ainda conta a seu irmão do atraso português relativamente aos
países mais evoluídos da Europa.
Enquanto
foi regente do reino, após o falecimento de D. Duarte e até à maioridade de D.
Afonso V, Dom Pedro promoveu a compilação das leis do Reino no que ficaria
conhecido como «Ordenações Afonsinas», um verdadeiro código em cinco volumes,
regulando a vida dos súbditos portugueses.
Com base
no tratado de Séneca «De Beneficiis», Dom Pedro foi autor, a partir de certa
altura com o seu padre confessor Frei João Verba, do livro “Da Virtuosa
Benfeitoria” que muitos consideram ser o primeiro tratado de filosofia e
política moral escrito em língua portuguesa. Dedicado a seu irmão D. Duarte e
escrito por insistência deste, nele se dão indicações sobre a melhor conduta de
um príncipe. No «Tratado da Virtuosa Benfeitoria» se distinguem os
vários tipos de benefícios, como devem ser requeridos, como devem ser
recebidos, as formas de agradecimento e como pode ser destruída a relação entre
o autor e os destinatários dos benefícios.
Dom Pedro concebeu o projecto de uma
universidade em Coimbra, sede do seu Ducado, tendo mesmo estabelecido os processos
para o seu estabelecimento e financiamento, ideia abandonada após a sua morte.
Sobre a personagem fascinante de Dom
Pedro que foi o primeiro Duque de Coimbra, príncipe da Idade Média com uma
sensibilidade que lhe permitia afirmar que «POESIA É MAIS SABOR QUE SABER» e
que morreu de forma traiçoeira e trágica na chamada batalha de Alfarrobeira em 20
de Maio de1448, aqui ficam apenas alguns apontamentos. São mais do que
suficientes para mostrar o Príncipe das Sete Partidas como uma figura cimeira
das mais cimeiras da História da Cultura da nossa Cidade.
Como de Coimbra, que se quer
candidata a Capital Europeia da Cultura, continua a ser difícil extrair algo
sobre o seu primeiro Duque, aqui se cita o PRANTO PELO INFANTE D. PEDRO DAS
SETE PARTIDAS de Sophia de Mello Breyner Andersen:
Nunca choraremos
bastante nem com pranto
assaz amargo e forte
aquele que fundou glória e grandeza
e recebeu em paga insulto e morte
assaz amargo e forte
aquele que fundou glória e grandeza
e recebeu em paga insulto e morte
domingo, 19 de janeiro de 2020
segunda-feira, 13 de janeiro de 2020
A EPIFANIA DA ESQUERDA
Numa reunião de apresentação da
proposta governamental do Orçamento Geral de Estado para 2020 ao partido
Socialista, o ministro das Finanças Mário Centeno garantiu, por mais de uma
vez, ser este OGE de esquerda. Ao contrário de muita gente, à direita e mesmo
na comunicação social, eu dou toda a razão ao ministro das Finanças nesta sua
observação.
As «contas certas», como agora o
Primeiro-ministro não se cansa de dizer, são fundamentais para o funcionamento
da economia e, essencialmente, para o pagamento da dívida pública que cresce
nominalmente de cada vez que o Estado tem défice. Para a esquerda, trata-se de
uma verdadeira descoberta e só podemos ficar satisfeitos com isso, já que deixa
de ser apenas a direita a defender as «contas certas», passando as mesmas a ser
uma base comum, o que só pode ser saudado pela própria direita ao ver a
esquerda juntar-se a ela neste seu novo entendimento. Para não ir mais longe,
todos nós nos recordamos de José Sócrates, ainda há poucos anos, defender que
«a dívida pública não é para se pagar, é para se ir gerindo». Um proeminente
político socialista, hoje ministro, chegou mesmo a declarar que «basta
ameaçarmos não pagar, que as pernas dos banqueiros alemães até se lhes tremem».
E atribui-se a outro político socialista, que foi presidente da República, a
afirmação de que «há mais vida para além do défice», em que se resumia uma
posição política de toda a esquerda naquela matéria que seria, precisamente, a
que estabelecia a maior clivagem ideológica entre esquerda e direita portuguesas.
Não será preciso mais para concluir que houve, portanto, uma alteração radical
da posição da esquerda portuguesa sobre o significado do défice e da dívida
pública. As razões profundas desta mudança crucial serão, eventualmente,
conhecidas um dia, mas não deverão andar longe da imposição da realidade sobre
a fantasia, muito pela participação na União Europeia e, em particular, pelas
ambições de alguns políticos socialistas.
Digo epifania da esquerda, e não
apenas do partido Socialista, por boas razões. Bem poderão o PCP e o BE soltar
uns resmungos (chamam-lhes avisos) sobre a falta que os dinheiros para pagar a
dívida fazem na falta de investimento público e na degradação da prestação dos
serviços públicos, de cujo estado os portugueses começam, finalmente, a
aperceber-se. Na realidade, andaram quatro anos a aprovar OGE’s cuja principal
característica era precisamente fazer aproximar o défice de zero, a todo o
custo. E no OGE para 2020 não deverá ser diferente, ainda que por abstenção, já
que o objectivo será o mesmo: conseguir que o Orçamento seja aprovado.
Eis-nos, portanto, chegados,
finalmente, ao primeiro OGE, depois do 25 de Abril, em que não se discute a
necessidade de «contas certas». Demorou, mas chegámos. A partir daqui, já não
se discutirá o défice zero ou mesmo excedente, mas partir-se-á desse ponto para
depois se discutir o resto. E o resto são a qualidade da despesa pública e o
montante e justiça dos impostos, isto é, a receita. Aqui, sim, entram as
diferentes propostas da direita e da esquerda.
É nesta perspectiva que,
pessoalmente, defendo que o ministro das Finanças tem toda a razão em
considerar o OGE para 2020 como sendo de esquerda. A carga fiscal é altíssima,
talvez a maior de sempre, já não se devendo tal apenas aos impostos indirectos
que, como todos sabemos, são os socialmente mais injustos, mas também à subida
do próprio IRS para as famílias. Bem pode a esquerda argumentar que não somos o
país europeu com a carga fiscal mais elevada, porque o que as famílias sentem é
a «pressão fiscal» que relaciona os impostos com o nível salarial e, aí, somos
mesmo dos piores. Como é bem conhecido, se há matéria em que direitas e
esquerdas divergem é precisamente nos impostos, com a direita a propor a sua
diminuição e a esquerda a usar todos os argumentos para os manter ou aumentar.
A outra diferença histórica entre direita e esquerda reside na despesa. À
defesa pela direita da reestruturação do Estado para a reduzir, as tais
reformas estruturais, a esquerda tem respondido sistematicamente que está a
defender o «estado social». Também aqui o OGE 2020 é bem de esquerda.
Tal como na questão do défice e da necessidade de diminuição da dívida a
esquerda se juntou à direita, resta aguardar que o faça noutras matérias
essenciais para que o crescimento efectivo e sustentável de Portugal se torne
numa realidade. Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Janeiro de 2019
quarta-feira, 8 de janeiro de 2020
segunda-feira, 6 de janeiro de 2020
E TUDO O RIO LEVOU
Uma conversa que ouvi na rua na
semana passada levou-me a escrever sobre o sucedido no baixo-Mondego, em
consequência da passagem da tempestade Elsa nos dias 19 e 20 do passado mês de
Dezembro. Nessa conversa aludia-se a que «quando se vai contra a Natureza, ela
viga-se sempre». Trata-se de uma consideração que se ouve entre nós com
frequência e que reflecte algum pessimismo crónico mas, sobretudo, uma aceitação
de inevitabilidade de derrota do Homem perante a Natureza, com a consequência
imediata de desculpabilizar eventuais responsabilidades. Esquece-se que toda e
qualquer obra de Engenharia desafia a Natureza, ao criar ambientes artificiais
que permitem ao Homem não só proteger-se de ambientes naturais agressivos, mas
igualmente desenvolver tecnologias que permitem fabricar dispositivos para
ultrapassar as leis naturais limitativas como a gravidade. As cidades, as
estradas, as barragens, mas também os aviões, os automóveis, os telemóveis ou a
internet são a prova diária disso mesmo, tal como o foi a ida do Homem à Lua.
Claro que, daqui a uns 5 mil milhões de anos o Sol, a estrela que nos fornece a
energia para existirmos, entrará em processo de expansão e posterior redução
drástica até se tornar numa inofensiva anã branca. A vida na Terra terá
terminado há muito com o aumento extremo da temperatura e o nosso planeta
provavelmente vagueará morto pelo espaço. Mas isto é a uma escala de tempo que
não nos diz nada a nós que aqui vivemos, hoje.
O chamado «empreendimento do
Baixo Mondego» é uma obra pensada precisamente para defender os terrenos
agrícolas dessa área contra as cheias do rio que, periodicamente, destruíam
tudo com grandes prejuízos. É uma obra projectada e construída nos anos 70 e
80, constituída por diversas grandes obras hidráulicas: as barragens da
Aguieira, Fronhas e Raiva e os diques de contenção do Baixo-Mondego. Também o
Açude-Ponte fez parte desta obra enorme, criando um lençol de água permanente
em Coimbra.
Curiosamente, embora poucos conimbricenses o saibam, dele sai um
canal dedicado apenas a fornecer água às celuloses da Figueira da Foz que,
aliás, não permite que a cota de água desça abaixo de determinado valor. O
projecto do «empreendimento do Baixo Mondego», contudo, não foi executado na
sua totalidade. Por construir ficou a barragem de Girabolhos, necessária para o
controlo das cheias. A sua construção foi iniciada mas, em 2016, o anterior
governo decidiu pará-la e suspender o Plano de Barragens do governo Passos
Coelho. Uma obra desta dimensão e com estas características necessita de duas
coisas; manutenção e adaptação. A necessidade da manutenção é óbvia mas, como é
tantas vezes habitual entre nós, não tem praticamente existido, não havendo
sequer uma entidade específica com essa finalidade. Por exemplo, das seis
bombas de extracção de água previstas, apenas uma funciona e os sifões de
escoamento encontram-se sistematicamente entupidos com vegetação. Já a
necessidade de adaptação deve-se a vários factores: as alterações climáticas
que provocam regimes de chuva muito diferentes dos que se verificavam quando o
projecto foi elaborado e que são agora mais gravosos com grandes picos de chuva
intensa e períodos mais longos de estiagem; o número elevado de incêndios na
área altera também gravosamente as condições hidrológicas, ajudando a aumentar
as cargas no sistema.
E vieram os dois dias de chuva
muito intensa na bacia hidrográfica do Mondego que provocaram caudais no
Açude-Ponte, dizem-nos que de 2.400 m3 por segundo, quando o projecto previa um
máximo de 2.000.
O inevitável sucedeu: as águas do
Mondego tudo levaram na frente. Os diques do canal ficaram danificados a
juzante do Açude-Ponte, logo a partir do Choupal e rebentaram mesmo em dois
locais, provocando a invasão dos terrenos agrícolas pelas águas, com prejuízos
económicos que ainda ninguém sabe contabilizar. Boa parte das areias retiradas
do rio no último ano e que foram depositadas a juzante do Açude-Ponte pela
Câmara Municipal de Coimbra sob indicação impositiva da (in?)competência
técnica da Agência Portuguesa do Ambiente foi também levada pela águas,
espalhando-se pelos terrenos agrícolas, ajudando aos prejuízos.
Mas houve algo mais levado pelas
águas: a credibilidade de governantes e instituições. Desde logo a
credibilidade do ministro do Ambiente que, perante o sucedido, não encontrou
nada mais oportuno do que afirmar que as aldeias têm que mudar de local.
Depois, o governo da «geringonça» que suspendeu a construção da barragem de
Girabolhos; uma das suas personalidades mais representativas, quando a
necessidade de acumular água para os verões secos é premente, chegou a afirmar
que as barragens têm um problema, «a água evapora-se»! Apetece citar o meu
colega e Prof. Catedrático de Hidráulica Alfeu Sá Marques que costuma dizer que
«até os camelos sabem que, para atravessar o deserto, é preciso levar uma
reserva de água». Por fim, todos os governos que, desde os anos oitenta, se
mostraram incapazes de completar a obra e, em particular, de constituir uma
entidade responsável pela exploração deste importante dispositivo económico da
região.
Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 6 de Janeiro de 2020
sexta-feira, 3 de janeiro de 2020
quarta-feira, 1 de janeiro de 2020
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