segunda-feira, 30 de março de 2020

IMPLOSÃO VIRAL


É muito fácil identificar a actual situação provocada pela pandemia COVID-19 devida ao vírus SARS-CoV-2 como um estado de guerra e essa tem sido a base de análise para a compreensão e tentativa de antevisão das possíveis consequências dos dias que estamos a viver para as famílias, empresas e trabalhadores.
Esta é porém uma guerra muito diferente. Enquanto nas guerras clássicas dois ou mais contendores combatem entre si, normalmente com utilização de explosivos nesta, por enquanto, não se combate o inimigo, apenas nos escondemos e fugimos dele enquanto aguardamos por armas que possam abater a pandemia, isto é, vacinas. E, em consequência, assistimos às mais variadas implosões.
Desde logo, a implosão sanitária. A actual epidemia mundial veio adicionar-se às doenças que existem normalmente. Quem atender à comunicação social, parece que, de repente, deixou de haver doenças cardio-vasculares, cancros, diabetes, etc.etc. Nada de mais errado. O que acontece é que o sistema de saúde tem que dar resposta às doenças agora “normais” e a esta nova COVID-19. Se, como sabemos, já anteriormente havia problemas para o SNS responder em tempo às diversas solicitações, neste momento assistimos a uma verdadeira aflição de que a falta de vacinação corrente é apenas um exemplo. E quem está na frente de ataque, o pessoal da saúde desde os médicos aos condutores de ambulância, todos se encontram a trabalhar muito para lá das condições normalmente exigíveis e todos devemos ter consciência desse facto. Acresce que o número de profissionais de saúde infectados é já grande, sendo fácil admitir que cresça imenso, o que trará dificuldades de resposta crescentes.
Depois, a implosão social. Como ainda não temos como combater o SARS-CoV-2, a solução imediata é confinar as pessoas ao máximo, minimizando os contactos pessoais. Desde as quarentenas em casa, à limitação de circular nas ruas, ao tele-trabalho quando possível, tudo se tenta para dificultar a propagação inter-pessoal do vírus. Nos contactos sociais assiste-se mesmo ao surgimento de novas maneiras de cumprimento, já que os beijos e simples cumprimentos de mão estão completamente arredados do comportamento aceitável. O receio de que já sejamos portadores do vírus sem o saber e a possibilidade de sermos infectados em qualquer lugar e a qualquer momento apesar das precauções instala um medo colectivo que, se durar o que se prevê, poderá trazer implicações sociais muito graves. Já se ouvem por aí teorias cabalísticas de a Terra a vingar-se do Homem e outras semelhantes, só faltando mesmo a tese do «castigo divino». Devemos consciencializar-nos de que ao longo da história da Humanidade já houve várias pandemias e que nunca como hoje houve capacidade de resposta científica, sanitária e mesmo humanitária como estamos a assistir neste momento, rejeitando milenaristas e profetas do apocalipse, em geral.
A implosão económica é já um facto e ninguém pode prever as consequências. A paragem começou pela educação, seguida pelas viagens e rapidamente alastrou a restaurantes, desportos e inúmeras indústrias. Não há modelos económicos para a situação de estancar de repente o consumo e a produção económica, sem que se conheça a duração dessa situação. Quer o Governo, quer a União Europeia estão a preparar apoios às empresas que se vêem na situação de pagar os vencimentos dos seus empregados, prestações sociais e impostos, sem haver produção nem vendas, esperando-se que as soluções se venham a mostrar eficazes. Sob pena de se entrar numa recessão profunda generalizada.
Como se sabe, nas guerras a verdade é a primeira vítima. Ao contrário do que se vê na China onde teve início esta pandemia, os regimes democráticos têm a vantagem de, mesmo em situações de emergência, garantirem a liberdade de expressão. Além, claro, da existência de partidos de governo e de oposição, com as obrigações que se esperam inerentes a cada uma das posições, agora ainda com mais exigência.
O que se dispensa é políticos a tentar disfarçar a realidade com optimismos desajustados ou críticas injustas e inoportunas tentando aproveitar a situação para fazer passar as suas opções ideológicas. Antes pelo contrário, é preciso evitar uma implosão da verdade que induziria inevitavelmente a implosão democrática, e garantir a confiança dos cidadãos para o que se está a fazer os quais, a seu tempo, tirarão as suas conclusões sobre o que se passou. Numa realidade muito diferente da que conhecemos até há poucas semanas.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 30 de Março de 2020