jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
quarta-feira, 22 de abril de 2020
segunda-feira, 20 de abril de 2020
A POLÍTICA NA COVID-19
A actual
pandemia que nos traz a todos numa aflição tem, na sua complexidade, aspectos
diversos que aqui tenho tentado abordar ao longo das últimas semanas. Para o
fim deixei a abordagem política que, como é natural, acaba por influenciar
todas as outras. A situação provocada pela pandemia COVID-19 caracteriza-se por
ser nova e única. Como tal, a abordagem política reveste-se de uma grande dose
de incerteza, já que não se pode ir aos livros buscar soluções sendo necessário
abrir novos caminhos para percorrer. E os académicos apenas podem apresentar
dados parciais, competindo aos decisores políticos tomar decisões que a todos
importam e arcar com as respectivas consequências. Para o bem e para o mal.
Dir-se-á que é para isso que se candidataram e foram eleitos, para governar nos
bons e maus momentos e é verdade. Mas não podemos deixar de ter consciência da
extrema dificuldade dos momentos que atravessamos até regressarmos à vida que
era a nossa ainda há escassas semanas e de ter isso em mente quando abordamos
as decisões políticas, cá e na União Europeia que são as que nos interessam
mais directamente.
A resposta
política à ameaça do novo coronavírus na quase totalidade dos países traduziu-se,
basicamente, em confinar os cidadãos às suas residências e no congelamento da
economia. A que se veio juntar, entre nós, a declaração de estado de
emergência, com limitação de várias liberdades individuais.
Depois destas
intervenções cabe igualmente à política preparar a recuperação da economia,
para além de repor as situações sociais anteriores, logo que a evolução sanitária
da pandemia o permita. Esse retirar da economia do congelador não vai ser instantâneo,
porque não existe um botão LIGAR/DESLIGAR para esse efeito. Muitas empresas
demorarão a retomar a sua velocidade de cruzeiro e outras não retomarão a
actividade, pura e simplesmente.
A paragem da
economia traduz-se numa queda brutal do produto em
2020, que só será recuperado
nos anos seguintes. Embora todos os países estejam com este problema, Portugal
encontra-se numa situação crítica para o enfrentar, dado não ter aproveitado os
últimos anos de crescimento (as tais vacas gordas a que se refere o
Primeiro-Ministro) para realizar reformas estruturais da economia e reduzir
significativamente a dívida pública, que é um pouco superior a 118% do PIB.
Vamos precisar de financiamento externo para pagar os apoios às empresas
durante a crise e depois para a recuperação. A nossa dívida vai assim subir por
dois motivos: novos empréstimos e descida do PIB, podendo atingir o patamar dos
135%, já no próximo ano. Isto, apesar de as verbas que temos previstas para
apoiar a economia serem, em termos relativos, metade do que Espanha está a
fazer e ainda menos que os outros países da União Europeia. Como a nossa capacidade própria de financiamento ainda está debaixo do chapéu da acção do BCE, será através da União Europeia que nos chegará o dinheiro necessário para financiar tudo isto. A última reunião do Eurogrupo aprovou uma verba para cada país no montante de 2% do PIB de cada um o que é manifestamente pouco, para além de verbas menores específicas para apoiar emprego e empresas. O instituto utilizado para estas transferências, que são empréstimos (a juntar à dívida e a pagar futuramente), é o Mecanismo Europeu de Estabilidade, uma espécie de FMI interno da União. Não chegou ainda o tempo da emissão de dívida comum europeia, os tão ansiados Eurobonds, nem mesmo em versão mitigada e específica de «coronabonds». Chegou, contudo, o tempo de começar a discuti-los e encontrar condições para o seu surgimento. Essa novidade terá que ser aprovada por unanimidade pelos estados membros e, quando surgir, trará necessariamente agarrada uma alteração política profunda da União Europeia com novas e fortes transferências de soberania dos países para a União. As dificuldades são imensas mas os responsáveis políticos europeus, incluindo os portugueses, têm que, urgentemente, encontrar bases de entendimento, com cedências mútuas, que permitam responder a um problema novo, de uma dimensão enorme e que toca a todos. A alternativa, pelo menos para nós, seria uma tragédia de empobrecimento inominável.
Publicado originalmente na edição do Diário de Coimbra de 20 de Março de 2020
domingo, 19 de abril de 2020
A MOLEIRINHA de Guerra Junqueiro
Recordado, através de Rentes de Carvalho. Aqui.
"A Moleirinha" de Guerra Junqueiro:
"A Moleirinha" de Guerra Junqueiro:
Pela estrada plana, toc, toc, toc,
Guia o jumentinho uma velhinha errante.
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toc, toc, toc,
A velhinha atraz, o jumentito adiante!...
Toc, toc, a velha vae para o moinho,
Tem oitenta anos, bem bonito rol!...
E comtudo alegre como um passarinho,
Toc, toc, e fresca como o branco linho,
De manhã nas relvas a córar ao sol.
Guia o jumentinho uma velhinha errante.
Como vão ligeiros, ambos a reboque,
Antes que anoiteça, toc, toc, toc,
A velhinha atraz, o jumentito adiante!...
Toc, toc, a velha vae para o moinho,
Tem oitenta anos, bem bonito rol!...
E comtudo alegre como um passarinho,
Toc, toc, e fresca como o branco linho,
De manhã nas relvas a córar ao sol.
Vae sem cabeçada, em liberdade franca,
O gerico russo d'uma linda côr;
Nunca foi ferrado, nunca usou retranca,
Tange-o, toc, toc, a moleirinha branca
Com o galho verde d'uma giesta em flor.
Vendo esta velhita, encarquilhada e benta,
Toc, toc, toc, que recordação!
Minha avó ceguinha se me representa...
Tinha eu seis anos, tinha ella oitenta,
Quem me fez o berço fez-lhe o seu caixão!...
Toc, toc, toc, lindo burriquito,
Para as minhas filhas quem m'o dera a mim!
Nada mais gracioso, nada mais bonito!
Quando a Virgem pura foi para o Egipto,
Com certeza ia n'um burrico assim.
O gerico russo d'uma linda côr;
Nunca foi ferrado, nunca usou retranca,
Tange-o, toc, toc, a moleirinha branca
Com o galho verde d'uma giesta em flor.
Vendo esta velhita, encarquilhada e benta,
Toc, toc, toc, que recordação!
Minha avó ceguinha se me representa...
Tinha eu seis anos, tinha ella oitenta,
Quem me fez o berço fez-lhe o seu caixão!...
Toc, toc, toc, lindo burriquito,
Para as minhas filhas quem m'o dera a mim!
Nada mais gracioso, nada mais bonito!
Quando a Virgem pura foi para o Egipto,
Com certeza ia n'um burrico assim.
Toc, toc, é tarde, moleirinha santa!
Nascem as estrellas, vivas, em cardume...
Toc, toc, toc, e quando o galo canta,
Logo a moleirinha, toc, se levanta,
P'ra vestir os netos, p'ra acender o lume...
Toc, toc, toc, como se espaneja,
Lindo o jumentinho pela estrada chan!
Tão ingenuo e humilde, dá-me, salvo seja,
Dá-me até vontade de o levar á egreja,
Baptisar-lhe a alma p'ra a fazer cristan!
Toc, toc, toc, e a moleirinha antiga,
Toda, toda branca, vae n'uma frescata...
Foi enfarinhada, sorridente amiga,
Pela mó da azenha com farinha triga,
Pelos anjos loiros com luar de prata!...
Nascem as estrellas, vivas, em cardume...
Toc, toc, toc, e quando o galo canta,
Logo a moleirinha, toc, se levanta,
P'ra vestir os netos, p'ra acender o lume...
Toc, toc, toc, como se espaneja,
Lindo o jumentinho pela estrada chan!
Tão ingenuo e humilde, dá-me, salvo seja,
Dá-me até vontade de o levar á egreja,
Baptisar-lhe a alma p'ra a fazer cristan!
Toc, toc, toc, e a moleirinha antiga,
Toda, toda branca, vae n'uma frescata...
Foi enfarinhada, sorridente amiga,
Pela mó da azenha com farinha triga,
Pelos anjos loiros com luar de prata!...
Toc, toc, como o burriquito avança!
Que prazer d'outrora para os olhos meus!
Minha avó contou-me quando fui creança,
Que era assim tal qual a jumentinha mansa
Que adorou nas palhas o menino Deos...
Toc, toc, é noite... ouvem-se ao longe os sinos,
Moleirinha branca, branca de luar!...
Toc, toc, e os astros abrem diamantinos,
Como estremunhados cherubins divinos,
Os olhitos meigos para a ver passar...
Toc, toc, e vendo sideral tesoiro,
Entre os milhões d'astros o luar sem veo,
O burrico pensa: Quanto milho loiro!
Quem será que moe estas farinhas d'oiro
Com a mó de jaspe que anda alem no ceo!...
Que prazer d'outrora para os olhos meus!
Minha avó contou-me quando fui creança,
Que era assim tal qual a jumentinha mansa
Que adorou nas palhas o menino Deos...
Toc, toc, é noite... ouvem-se ao longe os sinos,
Moleirinha branca, branca de luar!...
Toc, toc, e os astros abrem diamantinos,
Como estremunhados cherubins divinos,
Os olhitos meigos para a ver passar...
Toc, toc, e vendo sideral tesoiro,
Entre os milhões d'astros o luar sem veo,
O burrico pensa: Quanto milho loiro!
Quem será que moe estas farinhas d'oiro
Com a mó de jaspe que anda alem no ceo!...
Novembro de 1889
sábado, 18 de abril de 2020
quarta-feira, 15 de abril de 2020
terça-feira, 14 de abril de 2020
segunda-feira, 13 de abril de 2020
«PILARES DA CRIAÇÃO»
Fotografia da NASA através do Hubble, mostrando as formações de gás e areia da nebulosa Águia.
Como eles dizem, de perder a respiração.
Como eles dizem, de perder a respiração.
O TEMPO DA CIÊNCIA
Uma pandemia
trazida subitamente por um agente ainda desconhecido provoca, como temos visto,
uma fuga ao contágio para evitar uma utilização dos sistemas de saúde para além
do suportável o que arrasta consigo consequências sociais e económicas
desastrosas que demorarão tempo a ultrapassar e recuperar.
O peso desta
envolvente sanitária, social e económica é de tal ordem que, por vezes, nos faz
esquecer o mais importante de tudo: encontrar soluções médicas para conseguir
parar a pandemia e, fundamentalmente, para evitar que volte em vagas
sucessivas. E o esforço que se está a levar a cabo em todo o mundo para
conseguir esses objectivos é notável e, provavelmente, nunca antes foi visto a
esta escala.
Para além das discussões
científicas sobre o grau de imunidade que a actual pandemia, só por si, poderá
introduzir na população mundial, há que produzir uma vacina que seja eficaz e
se possa distribuir rapidamente pelo mundo inteiro. Já todos percebemos que o
vírus vai sofrendo mutações e que, por isso, o ideal será que a vacina preveja
essa situação e seja eficaz em futuras e previsíveis epidemias.
O esforço de
investigação científica, a contra relógio, é absolutamente notável e mostra
que, apesar de todos os seus problemas, a Humanidade é ainda e sempre, capaz do
melhor.
De acordo com a
revista científica Nature em todo o mundo haverá 115 vacinas candidatas para a
doença COVID-19, em fases diferentes de desenvolvimento, estando 5 já em fase
de ensaios clínicos. É sabido que as vacinas demoram normalmente anos a
desenvolver desde as fases iniciais até estarem prontas para utilização segura
e eficaz. A vacina contra o Ébola, por exemplo, demorou 5 anos a ser
desenvolvida e ainda não há vacina contra o AIDS ao fim destes anos todos de
investigação e enormes somas de dinheiro gastas. Recorde-se que o novo
coronavírus foi detectado em Dezembro, na China, onde começou a pandemia, há
escassos 4 meses. A actual tecnologia permitiu que, logo nos primeiros dias de
Janeiro fosse publicada nos Estados Unidos a sequência genética do coronavírus
SARS-CoV-2, passo essencial para o desenvolvimento da vacina. De acordo com a
revista Nature, numerosos laboratórios por todo o mundo estão a utilizar
diversos métodos já licenciados para produzir vacinas que pretendem,
fundamentalmente, levar os organismos humanos a desenvolver anticorpos que
neutralizem a capacidade do vírus de entrar nas células humanas.
Mas há também
quem esteja a tentar obter a vacina por métodos completamente inovadores, utilizando
técnicas de vanguarda inacessíveis até há pouco tempo. Na última edição do
jornal Expresso explicava-se o que se está a fazer num laboratório da
Universidade de Washington, desenvolvendo uma vacina diferente das habituais,
através do uso de ADN e ARN que leve o organismo a «produzir uma proteína viral
capaz de resposta imunitária» exigindo uma única injecção, ministrada também
por um método inovador.
Todo este
esforço pelo mundo inteiro significa investimentos extremamente avultados, quer
por parte de Estados, quer por empresas privadas, prevendo-se que a primeira
vacina possa estar pronta a ser utilizada nos primeiros meses de 2021.
Enquanto tantos
tentam passar mensagens negativas sobre a pandemia difundindo teses
catastrofistas de vingança da Terra sobre o Homem, de o vírus ser uma arma de
guerra biológica, ou uma espécie de castigo divino, etc. que não trazem nada de
construtivo, governantes e cientistas de todo o mundo dedicam grande parte do
seu esforço a encontrar soluções para o problema. Ao longo da História houve
muitas pandemias em que desapareceram milhões de mortos. Para falar das mais
recentes, há cem anos mais de 500 milhões de pessoas adoeceram com a «gripe
espanhola», tendo morrido cerca de 100 milhões, a gripe asiática de 1957/58 provocou
mais de um milhão de mortes e a SIDA desde que surgiu nos anos 80 já levou mais
de três dezenas de milhões de pessoas.
Talvez com estas
memórias presentes, o esforço a que diariamente assistimos é enorme e é isso
que verdadeiramente importa: perante uma ameaça global, a Humanidade, embora certamente
com erros, arregaça as mangas e luta com todas as forças para lhe fazer frente
e salvar o maior número de pessoas.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 13 de Abril de 2020
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