segunda-feira, 4 de maio de 2020

JORNAIS


Não ligamos muito a cada um deles. De tal forma que, depois de lido, vai para a reciclagem. Muitas vezes, irritamo-nos com o que lá vem escrito. Mas é como se passa com os velhos amigos: discute-se, anima-se a conversa e, no fim, venha de lá aquele abraço. Na realidade, a vida seria diferente, para pior, se não existissem.
A existência dos jornais tem passado pelas mais diversas dificuldades, desde que surgiu o primeiro jornal em papel, na China, há mais de mil anos, desde censuras a concorrência de outros meios como sucede hoje com a internet.
Jornal é sinónimo de Liberdade. Liberdade de opinião, desde logo. Mas também liberdade de associação e económica. Em conjunto, é a Liberdade de Imprensa, cujo dia mundial se celebrou precisamente no dia de ontem.
A presente crise constitui também uma ameaça aos jornais. Desde logo, pela queda abrupta da actividade económica que dita uma diminuição equivalente de receitas de publicidade, essenciais para a sua sobrevivência económica. Depois, porque a prevalência de um assunto de notícias durante um prolongado período de tempo, cansa os leitores, diminuindo o interesse pela leitura dos jornais. Acresce algo que se está a passar de forma avassaladora, que é a partilha de jornais e revistas pela internet, essencialmente pelo WhatsApp. Já não é a partilha de artigos, que todos fazemos de uma ou de outra maneira, que até poderá será vantajosa para as respectivas publicações ao indicar-se a origem, mas de publicações inteiras. Sei que grandes publicações estão a ser gravemente afectadas por este fenómeno que se reflecte de imediato, imagine-se em quê? Em reduções no que pagam aos seus colaboradores, para além da dispensa de outros. Estimado leitor, pense nisto antes de partilhar publicações: há alguém que sofre por causa disso.
Uma das medidas governamentais de apoio à actividade económica consiste na compra de publicidade nos jornais no montante de uns 15 milhões de euros. Trata-se, evidentemente, da maneira mais fácil de fazer chegar o necessário dinheiro às publicações periódicas, mas será a pior possível. Por duas razões imediatas: por um lado a publicidade institucional cria dependência política; por outro lado, é de imediato favorecido o partido governamental do momento que, como é bem sabido, e seja ele qual for, só por o ser ocupa de imediato uma imensidão de organismos e dependências do Estado por todo o país, instituições essas objecto da publicidade paga pelo Governo.
Dentro do universo dos jornais, há alguns que têm um interesse suplementar por uma característica muito própria: são os jornais locais ou regionais. Há quase 15 anos que tenho a honra de poder colaborar semanalmente num dos mais notáveis jornais locais de Portugal, o Diário de Coimbra. O DC está a celebrar o seu 90º aniversário, já que o seu primeiro número foi para as bancas em 24 de Maio de 1930, tendo o seu número zero saído no anterior mês de Abril. Nesse número se dava a justificação para o seu surgimento, em defesa da Região das Beiras e da cidade de Coimbra, «dotando-a de um jornal destinado a pugnar pelos interesses da “malfadada região”, em cuja extraordinária importância os poderes políticos nunca atentaram como deviam». 
Como todos sabemos, mas não é demais recordar, foi fundado por Adriano Lucas tendo, a partir de 1950, a sua Direcção sido assumida pelo filho Eng. Adriano Lucas, até ao seu falecimento em 2011. Durante o regime autoritário e não-democrático auto-nomeado Estado Novo a sua publicação esteve suspensa durante um ano por se opor à censura e depois, restituída a Liberdade em 74, o Eng. Adriano Lucas foi voz activa e determinante para que a Lei de Imprensa significasse de facto aquilo por que lutara toda a vida. Caso único entre os jornais diários portugueses, o DC mantém-se na propriedade da família do seu fundador, garantia de que as suas preocupações editoriais de sempre se mantêm como farol indicador do seu rumo, ao contrário de tantos jornais nacionais que foram referência e se transformaram em algo incaracterístico ao serem comprados por quem nada tinha a ver com a sua História.
Também o Diário de Coimbra está a sofrer com as consequências económicas da pandemia que atingiu o mundo. A importância da sua subsistência não está na sua História, certamente importante mas passado, antes no que nos poderá ainda dar no futuro. É por isso que, hoje, é crucial lermos o Diário de Coimbra e assiná-lo ou comprá-lo para o efeito.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Maio de 2020

domingo, 3 de maio de 2020

Minha Mãe

Gerações

 Há várias semanas que uso um relógio em ouro herdado de meu Pai, que eu e as minhas irmãs lhe oferecemos quando fez 50 anos (financiados por nossa Mãe) e sinto uma ligação efectiva e física com ele que já nos deixou há 14 anos.
Hoje resolvi, para o fazer trabalhar, ir buscar o Speedmaster que será (ele ainda não sabe, mas os pais sim) do meu neto aos 18 anos. Não sei porquê, senti esta ligação, também física, com alguém que o irá usar quando eu já cá não estiver.
Há dias assim.

PCP nos papéis de patrão e partido político

Há muitos anos que me surpreende a aceitação da atitude do PCP perante os seus eleitos e responsáveis de estrutura/dirigentes. Aparecem todos como funcionários do partido. Embora não encontre explicações para isso, deduzo que os ordenados que recebem do Estado, sejam presidentes de câmara, vereadores, deputados, etc. sejam entregues ao partido que depois lhes pagará o que acertarem, já como seus funcionários. Há aqui um evidente desvirtuar das regras democráticas mas, como se costuma dizer, é lá com eles, se os eleitos aceitam a situação, reduzindo a sua situação de eleitos pelo povo a simples funcionários do partido. Como é evidente, isto não poderia durar para sempre. E agora assiste-se à situação caricata de o partido ser tratado como entidade laboral pelos tribunais, e bem, mas não aceitando o partido a situação como todas as empresas, que têm de cumprir as leis laborais. E, historicamente,  a actividade política principal do PCP tem precisamente a ver com as leis do Trabalho, daí o seu papel na Intersindical.
O que eu não percebo é porque é que a questão de fundo, da relação do PCP para com os seus eleitos, não é colocada em lado nenhum. Do que conheço, ninguém dos outros partidos aceitaria aquela situação.

 https://expresso.pt/politica/2020-05-02-Caso-Casanova.-Tribunal-lembra-PCP-que-esta-sujeito-a-lei.-Comunistas-acham-intoleravel?fbclid=IwAR3hTjIsAS7thIvNygJyJORyclgcDbz5xVT1TWCYk2YSANVnt_NOJe6ggXY

Hoje lembrei-me desta história

segunda-feira, 27 de abril de 2020

CONFINAMENTO


Ao fim de quase dois meses de confinamento, os sinais de cansaço com a situação surgem para todos, não há mesmo hipóteses de não surgirem. Começam, talvez, pelo cansaço que provocam os ecrãs: o do computador e o do televisor. O assunto da pandemia tornou-se uma constante, os telejornais de todos os canais repetem o mesmo diariamente, durante horas, até à exaustão. Toda a realidade para além do COVID-19 parece ter-se evaporado. No que diz respeito a jornais nacionais e revistas, passa-se exactamente o mesmo. Notícias, investigação jornalística, comentários, tudo se refere ao virus, de uma forma ou de outra. Como resultado, os jornais lêem-se tão rápido que nem se dá conta. De uma forma ainda mais acentuada do que habitualmente. Quando se começa a ler algum comentador ou mesmo jornalista em concreto, não há qualquer surpresa nos escritos dos diversos autores; por vezes ficamos com a sensação de que qualquer pessoa poderia estar na pele deles e escrever por eles exactamente aquilo que escrevem. A vida normal parece longe, tal como o sol da praia, o som das ondas do mar e as actividades ao ar livre. Surgem saudades súbitas de vivências antigas com filhos e até com netos que, de súbito, parecem ainda mais afastadas no tempo e quase impossíveis de terem sido vividas.
Alguma sanidade mental vem da leitura de livros que se rebelam contra a leitura transversal e que obrigam mesmo, uma e outra vez, a voltar ao início do parágrafo para entender o que está escrito. Mais ainda do que em qualquer outra altura, ler livros é passaporte, não só para conhecer melhor o mundo, mas para levar a trabalhar «as pequenas células cinzentas», como dizia Poirot, havendo muito mais para ler do que «A Peste» de Camus, embora este livro possa ser um bom ponto de partida.
Mas nem só quem está confinado está sujeito ao cansaço da situação. A duração da crise sanitária vai-se prolongar por uma crise económica que se prevê ainda mais duradoura. E a capacidade de resposta exige muito de quem tem responsabilidades políticas. Só esse cansaço pode justificar actuações e afirmações com que os mais altos responsáveis políticos têm brindado os cidadãos deste país. De outra forma, como justificar que o Presidente da República se ponha a falar de milagres portugueses a propósito do estado de emergência, que o Primeiro-Ministro fale de bazucas e fisgas enquanto ansiosamente pede à União Europeia que nos dê dinheiro para enfrentar a crise económica, que o Presidente da Assembleia da República fale em mascarados ou que o Presidente do maior partido da oposição, o PSD, escreva aos militantes do seu partido ordenando que não fragilizem o Governo com as suas críticas?
Os sentimentos de uma sociedade, se se pode considerar que existem, e eu estou convencido de que existem, não serão a soma dos sentimentos momentaneamente manifestados por cada um dos cidadãos. Serão algo de muito mais profundo e evoluem de uma forma, digamos invisível, tal como as vagas marítimas que não se vêem e que só se manifestam com força brutal quando encontram a costa.
Os portugueses sofreram um doloroso processo de recuperação económica de 2011 a 2014. Terem que passar por outra crise económica tão pouco tempo depois poderá provocar traumas colectivos com consequências difíceis de imaginar. Acresce que os portugueses não terão ainda consciência de que, nos últimos 25 anos, recebemos da União Europeia 9 milhões de euros por dia. Todos esses dias. E, apesar disso, se a mesma União não nos acudir financeiramente, não conseguiremos enfrentar a crise que agora está a começar, sem consequências gravíssimas. Como a nossa dívida pública é enorme, de 118% do PIB, pedimos dinheiro, se possível mesmo a fundo perdido, e agimos como se alguém tivesse a obrigação de o fazer. Talvez seja mesmo o receio das consequências sociais de todo este contexto que leva os nossos responsáveis políticos máximos a adoptarem linguagens que em tempos normais seriam dificilmente aceitáveis. Mas a verdade é que não estamos a atravessar tempos normais. E eles, mais do que ninguém, têm consciência disso.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 27 de Abril de 2020

domingo, 26 de abril de 2020

Pandemia e liberdade

Excerto de um artigo da revista Economist:

«...Informações falsas sobre a doença podem ser perigosas. Muitos regimes estão usando esse truísmo como uma desculpa para proibir "notícias falsas", as quais muitas vezes significam críticas honestas. Os traficantes de “falsidade” no Zimbábue agora enfrentam 20 anos de prisão. O chefe de um comité Covid-19 de Khalifa Haftar, um senhor da guerra da Líbia, diz: "Consideramos quem critica ser um traidor". Jordânia, Omã, Iemen e Emiratos Árabes Unidos proibiram os jornais impressos, alegando que eles poderiam transmitir o vírus...»

Tempos difíceis a exigir atenção redobrada.