segunda-feira, 18 de maio de 2020

DANTE: O NONO CÍRCULO DO INFERNO

“Do aflito reino o imperador eu via:
Do gelo acima o seio levantava.
A um gigante igualar eu poderia”




O Portão do Inferno não tem porta, nem fechaduras, nem nada de especial. Apenas um letreiro que diz: “Deixai toda a esperança, ó vós que entrais”. A partir daquela porta as almas deixam de ter o livre-arbítrio de que gozavam na sua vida anterior, passando a assumir apenas o castigo das opções tomadas. E foi por essa porta que Dante entrou para conhecer o Inferno, tendo-se-lhe juntado logo à entrada o espírito de Virgílio que o encaminhou pelos diversos círculos do Inferno.
Como sabemos, no Inferno de Dante, à medida que se vai descendo nos círculos a gravidade dos pecados vai aumentando e o nono é o último, portanto o local dos piores pecados: a Traição.
Ao saírem do oitavo círculo, Virgílio e Dante encontram os seis gigantes que, acorrentados em poços congelados por terem atraiçoado Júpiter, impedem a passagem ao nono círculo. Um deles, Anteu, ajuda-os a passar ao lago congelado Cócite, o nono círculo do Inferno, o fundo do funil dos círculos do Inferno, já perto do centro da Terra. É lá que estão imersos os que cometeram o pior dos crimes, a traição, sendo a morada do próprio Lúcifer, o traidor de Deus que nas bocas das suas três cabeças exibe três grandes traidores: Judas que atraiçoou Cristo, Brutus e Cássio que traíram imperadores romanos.
Correspondendo à gravidade da traição cometida, os traidores estão distribuídos por quatro esferas: Caína, Antenora, Ptolomeia e Judeca cujas designações remetem cada uma para um traidor famoso.
Das quatro esferas que constituem o nono círculo do inferno, as duas últimas castigam precisamente os maiores pecadores de todos. O nome da esfera Ptolomeia remete para Ptolomeu, que convidou Simão e os seus dois filhos para o seu castelo em Jericó, para os matar traiçoeiramente, depois de lhes dar de beber em quantidade. As almas dos que penam nesta esfera estão dentro do gelo, tendo apenas as caras de fora onde as lágrimas se congelam instantaneamente. São assim eternamente castigadas por traírem os que convidaram para as suas próprias casas, os seus estabelecimentos, as suas instituições.
Já a última esfera remete para Judas Iscariotes que historicamente se converteu no próprio nome da traição, Na esfera da Judeca, são castigados os que atraiçoaram os seus líderes e estão totalmente imersos no gelo, com a única excepção do próprio Lúcifer metido no gelo até metade do peito.
Dante Alighieri nasceu em Florença em Maio de 1265 e é a prova de que, ao contrário do que muitos iluministas séculos mais tarde tentaram fazer crer, a Idade Média não foi a idade das trevas. Das suas muitas obras sobressai a “Divina Commedia” considerada uma das obras mais importantes da literatura universal, pela sua composição mas também pelo seu carácter eminentemente enigmático e pelo número e carga das alegorias que contém. A obra, dividida em trinta e quatro cantos, é composta por três partes, sendo o Inferno precisamente a primeira, e o Purgatório e o Paraíso as outras duas, sendo que nesta última viagem é guiado pela jovem Beatriz Portinari. A sua influência na Cultura universal é enorme, tendo suscitado obras dos mais diversos artistas, desde músicos como Liszt a pintores como Botticelli, De Chirico, Delacoix e muitos outros.
A leitura desta obra-prima com setecentos anos deveria ser aconselhada a todos os que, de alguma forma, ascendem a lugares de proeminência social, económica ou mesmo, quase que diria principalmente por se tratar do bem-comum, política. Aí aprenderiam como os principais pecados, diremos hoje más-acções ou crimes, são aqueles que se relacionam com faltas cometidas perante quem convida para esses lugares, mas também precisamente por quem convida. Algo muito mais importante do que agir apenas de acordo com as leis do momento. Os leitores portugueses que queiram conhecer a “Divina Commedia” até têm hoje a vida facilitada, por disporem de uma recente tradução portuguesa, da autoria de Vasco Graça Moura.
As alegorias de Dante aplicam-se às sociedades de todos os tempos. Nos dias de hoje podemos estar a falar de simples empregos em empresas, mas também dos cargos máximos de administração. Ou de governos em que chefes e subordinados não se devem atraiçoar reciprocamente, ainda que por omissão, esquecendo-se que estão num palco cuja plateia é toda a população de um país. Fariam bem em lembrar-se do gelo do esquecimento das duas últimas esferas do nono círculo do Inferno de Dante

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 18 de Maio de 2020

Que impertinência

O INE confirmou que o valor da carga fiscal aumentou 4% em 2919 para 74 mil milhões de euros, situando-se em 34,8% do PIB, o mesmo rácio de 2018. Recordemos que em 1995, no primeiro ano do governo socialista de Guterres, a carga fiscal era de 29,2% e quando ele fugiu do "pântano" deixou uma carga fiscal de 31.1%. O seu sucessor Sócrates recebeu uma carga fiscal de 30,9% e quando foi estudar para Paris deixou uma de 33,3%.

Daqui:  https://impertinencias.blogspot.com/2020/05/cronica-da-asfixia-da-sociedade-civil_18.html#more

terça-feira, 12 de maio de 2020

A memória do nazismo: para não esquecer

Obama em 2014

«There may and likely will come a time in which we have…an airborne disease that is deadly. And in order for us to deal with that effectively, we have to put in place an infrastructure—not just here at home, but globally—that allows us to see it quickly, isolate it quickly, respond to it quickly…So that if and when a new strain of flu, like the Spanish flu, crops up five years from now or a decade from now, we’ve made the investment and we’re further along to be able to catch it.»

Recolhido em  https://impertinencias.blogspot.com/

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Peter Gabriel...The Carpet Crawlers.

E AGORA, EUROPA?


A decisão tomada a semana passada pelo Tribunal Constitucional Alemão (TCA) foi um duche de água fria nos voluntarismos europeus para encontrar rapidamente meios de apoio comunitários às consequências económicas da pandemia COVID-19. Embora a decisão não tenha sido contrária às medidas previstas pelo Banco Central Europeu (BCE), contudo o TCA solicitou ao BCE explicações sobre o programa de compra de activos (quantitative easing) aplicado desde 2015. Cabe aqui referir que, sem este programa, Portugal nunca teria tido as facilidades de financiamento de que dispôs nos últimos seis anos, já que a nossa dívida externa nunca o permitiria. Pela sentença tomada por sete votos contra um, o TCA vem requerer ao BCE que demonstre, nos próximos três meses, que o programa «quantitative easing» não viola o princípio da proporcionalidade previsto nos tratados europeus o qual, no entanto, foi considerado conforme às regras comunitárias pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em 2018.
Surgem, aqui, duas questões. A primeira é verificar se, de facto, as acções de apoio da Comissão Europeia e do BCE aos diversos países em causa, incluindo Portugal, ao longo dos últimos 6 anos, encontram o devido respaldo nos tratados europeus. Depois, é a própria estrutura organizativa da União Europeia que está em causa, já que a entrega voluntária de soberania dos países para a EU significa que as instituições nacionais se devem submeter às comunitárias, de acordo com os tratados incluindo, claro, as alemãs; acresce que o BCE foi constituído com uma independência própria, precisamente à imagem e semelhança do próprio Banco Central Alemão, o Bundesbank.
A questão é grave, dado que no Bundesbank está parqueado um quarto das dívidas compradas pelo BCE e, caso não obtenha resposta satisfatória, o TCA ameaça ordenar ao Bundesbank que abandone o «quantitative easing» e que recoloque no mercado os 534 mil milhões de euros de activos adquiridos no âmbito do programa.
Há uma noção generalizada de que, efectivamente, as instituições europeias, perante as crises dos diversos países desde 2010 até hoje, terá andado a adiar reformas necessárias e urgentes na sua organização, tarefa política difícil e muito complicada de levar a cabo pela dimensão que hoje tem a União Europeia e os diversos interesses nacionais e regionais, preferindo fechar os olhos ao estrito cumprimento dos tratados relembrem-se, por exemplo, as regras referentes ao défices e dívidas públicas.
As respostas a estas questões ditarão o futuro da União Europeia da qual, convém lembrar, já saiu o Reino Unido abrindo o caminho a outras saídas.
Há um conjunto de países que nem podem ouvir falar em sair da União e/ou do Euro, que são aqueles cuja saída, em função da falta de competitividade e elevadas dívidas, os atiraria para uma tragédia sem descrição possível. Entre eles está precisamente Portugal, acompanhado pela Espanha, Itália e Grécia. Do lado oposto estão a Alemanha e a Holanda que, ao contrário daqueles, criaram excedentes comerciais consideráveis o que lhes permite agora dedicar uma percentagem apreciável do PIB aos apoios às suas economias pela crise económica consequência da pandemia. Enquanto Portugal prevê destinar 4,4% do PIB em políticas de crédito e orçamentais e a Espanha 8%, a Alemanha prevê para o mesmo fim 29,8% do seu PIB, o que irá agravar ainda mais o fosso entre os países ricos do Norte e os endividados do Sul, se não houver uma política comunitária de redistribuição justa.
No passado dia 8 de Maio passaram 75 anos sobre a capitulação alemã marcando o fim da Segunda Grande Guerra na Europa. Não deve haver na História europeia um período de tempo tão alargado sem guerra, o que é um activo humano de valor incalculável. A União Europeia surgida no caminho, alargamento e aprofundamento da Comunidade Económica Europeia-CEE encontra-se numa encruzilhada provocada agora, não pelo Homem, mas pela Natureza que desde sempre foi enviando uns vírus para nos pôr à prova e o fez agora de novo.
Claro que, ao contrário do que aconteceu com as palhaçadas dos ministros da Holanda, agora, entre nós, impera um silêncio gritante mostrando que o respeitinho é muito bonito e é fácil ter voz grossa com os pequenos e fininha com os fortes. Sinal de que, desta vez, a questão é mesmo séria e todos devemos ter consciência disso.

 Publicado originalmente no Diário de Coimbra, em 11 de Maio de 2020

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Anti-parlamentarismo

É cada vez mais frequente assistir a tomadas de posição anti-parlamentares. Em vez de se criticar politicamente opções políticas com que se discorda, atira-se directamente à Assembleia da República como instituição.
Mal. Isso é atirar à Democracia. Claro que, como todas as instituições, os parlamentos têm defeitos de funcionamento. Mas as vantagens superam esses problemas.
O resumo do anti-parlamentarismo está aqui:
«Eu sou de facto, profundamente anti-parlamentar, porque detesto os discursos ocos, palavrosos, as interpelações vistosas e vazias, a exploração das paixões não à volta de uma grande ideia, mas de futilidades, de vaidades, de nadas sob o ponto de vista nacional…»
Esta é a transcrição de parte de  uma entrevista de Salazar a António Ferro em 1932. Impressiona ver tanta gente hoje em dia, a repetir estas palavras, sem fazer a mínima ideia do seu significado profundo e das consequências de serem levadas à prática.