E chegou Setembro. Seis meses depois do início da pandemia COVID-19 e da
consequente paragem social e económica, chegou a altura em que tradicionalmente
se assiste a um regresso das actividades depois das férias de Verão. O que este
ano se traduz num regresso completamente diferente, acumulando escolas, feiras
do livro e política, numa abertura curiosamente marcada pela Festa do Avante,
seja qual for o significado que isso tenha.
A crise económica tem sido mascarada pelos apoios estatais que para já têm
evitado as falências generalizadas e desemprego, mas está aí à porta com uma
força impressionante. Os sinais da sua aproximação aparecem para já na atitude
dos responsáveis políticos, tentando o Governo disfarçar a situação o mais
possível, confiante que está no programa de recuperação da União Europeia que
prevê uma importante fatia dita «a fundo perdido», que nunca será tal coisa,
sendo apenas paga mais tarde ainda não se sabe por quem e em que condições. O
nervosismo que se vê advém de algo que escondem por enquanto, que é a
necessidade de aprovação do tal empréstimo europeu pelos 27 parlamentos
nacionais e do atraso que isso significa para a vinda daquilo a que de forma
popularucha chamam «pipa de massa» ou «bazuca», que não deverá chegar antes de
Abril/Maio do próximo ano.
Até lá, há que aguentar e encontrar o maior número possível de distracções
para o povo não notar muito a falta de dinheiro. A auditoria ao Novo Banco veio
mesmo a calhar para esse feito. Aconteceu, contudo, que funciona ao contrário
do esperado. De facto, mais de 95% dos empréstimos «complicados» ainda são
herança do antigo BES e os prejuízos de cerca de 4 mil milhões de euros
correspondem aproximadamente à garantia exigida pelos compradores do Novo
Banco, aceites por Gosta e Centeno aquando da venda do Novo Banco. Toda a
campanha de cortina montada pelos partidos que apoiam este governo, mas a que
aderiram também os partidos da direita não passa disso mesmo, areia para atirar
aos olhos dos portugueses para tentar fugir a responsabilidades próprias. Mas
valia que aceitassem todos a situação como inevitável face ao descalabro do
antigo BES e que explicassem com verdade porque é que não fecharam o Novo Banco
em 2017 e o venderam nas condições que agora se sabe o que, provavelmente, teve
a ver com uma defesa do sistema bancário, em particular da CGD.
A invenção de uma suposta «crise política» não passa igualmente de outra
manobra de distracção. A gravíssima crise económica e social que se está a formar
faz com que nos próximos anos governar não seja uma tarefa atractiva,
principalmente para quem tem como regra de vida política não fazer qualquer
reforma estrutural que permita ao país reagir por si mesmo ao afundamento
progressivo que se verifica desde há anos, pelo menos desde 2000. O
primeiro-Ministro entendeu por bem forçar a nota relativamente à hipótese de
crise política, o que foi obviamente encarado como um ultimato pelos partidos
que desde 2015 o têm apoiado e garantido a aprovação anual dos Orçamentos de
Estado, mas que nesta conjuntura preferiam estar longe da governação. É
evidente para todos que, quer o BE, quer o PCP, vão vender caro o apoio nas
actuais condições, o que não significa crise política, porque todos sabem
perfeitamente que, em virtude das próximas eleições presidenciais, o Presidente
da República se encontra constitucionalmente impedido de dissolver a Assembleia
da República. O simples respeito pelos cidadãos deveria impedir os responsáveis
políticos de encenar fábulas deste tipo.
À direita, o desnorte não é menor. O CDS prossegue o seu caminho para a
total insignificância e, quando se exigia uma total e perfeita separação de
águas, o PSD anunciou a hipótese de conversar com o CHEGA sob determinadas
condições, situação totalmente inaceitável do ponto de vista dos democratas
perante toda a actuação e orientações políticas que se vão conhecendo do
partido liderado por André Ventura. Quando já se ouve mesmo falar de mais uma
grande marcha sobre Lisboa, ainda assim espera-se que André Ventura não se lembre
de aconselhar um traje escuro como apropriado para o evento.
O presidente Marcelo tem assistido a tudo isto
com uma evidente irritação. Em particular, no que diz respeito à suposta «crise
política», respondeu mesmo com desagrado. E, mais uma vez, a direita portuguesa
mostra querer dar razão a quem diz ser ela a mais estúpida do mundo. Sendo,
constitucionalmente, o nosso presidente um árbitro e não um actor, seria
difícil que pudesse ter tido outra atitude desde 2016 perante os governos de
António Costa, bem apoiados no Parlamento pelo BE e pelo PCP. Recordo que foi
ainda o presidente Cavaco e não Marcelo quem exigiu a António Costa acordos
assinados para deixar passar a solução governativa que ficou conhecida como
«Geringonça» e assim a institucionalizou. Marcelo tem sido e vai continuar a
ser um fiel rigoroso da balança, doa a quem doer.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Setembro de 2020