Na semana
passada o Governo deu orientações aos hospitais do SNS para suspenderem durante
o mês de Novembro a actividade assistencial não urgente que não implique risco
de vida para os doentes. Lê-se e não se quer acreditar, mas é verdade. Se em
Março e Abril todos fomos de alguma forma surpreendidos pela pandemia e
assustados com as suas características e consequências, a medida semelhante que
então foi tomada parecia fazer sentido.
Entretanto,
passaram sete meses e, se todos nós cidadãos comuns fomos aprendendo alguma
coisa sobre a pandemia, os responsáveis políticos certamente aprenderam muito
mais, tal como médicos, cientistas e restante pessoal da saúde obviamente
avançaram no conhecimento e capacidades de tratamento. Ou, para falar mais
rigorosamente, deveriam ter aprendido.
Desde o
início da pandemia, as consequências económicas, sociais e sanitárias têm sido
devastadoras
No final de
Outubro o Instituto Nacional de Estatística informou-nos que entre 2 de Março e
18 de Outubro se registaram “mais 7936 óbitos do que a média, em período
homólogo, dos últimos cinco anos”. Tendo-se verificado nesse período 2918
mortos por Covid-19, ficam por explicar um excesso de cerca de 5.000 mortes.
Por outro lado, o próprio Governo informa, na nota explicativa que consta da
proposta de Orçamento de Estado para 2021 que prevê terminar o ano com menos um
milhão e meio de consultas e menos 152 mil cirurgias relativamente ao ano 2019.
Já o Tribunal de Contas, no seu «relatório sobre COVID 19 – Impacto na Actividade
e no Acesso ao SNS, realizado entre Março e Julho» divulgado na semana passada,
relativo à gestão da pandemia pelo Ministério da Saúde, veio alertar para que «um
dos maiores desafios actuais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) é o de
equilibrar a resposta à segunda fase de maior incidência da pandemia Covid-19
com a garantia de assistência aos doentes não-Covid sem o aumento acentuado dos
tempos de espera».O Tribunal de Contas «considera que a recuperação da
actividade não realizada terá de ocorrer num contexto de cuidados adicionais na
prática clínica, com o risco de a capacidade instalada no SNS não ser
suficiente para fazer face a este aumento de procura sem o aumento acentuado
dos tempos de espera».
Face a tudo o
que se vai sabendo, incluindo informação prestada pelas entidades oficiais mais
variadas, resulta surpreendente que, perante a segunda vaga da pandemia em
curso, esperada por todos, a resposta do ministério da Saúde seja decidir de
novo pela descida drástica da oferta de serviços por parte do Serviço Nacional
de Saúde.

É evidente
não ter sido preparado um plano de resposta à segunda vaga que surge em época
de frio, acumulando com as doenças típicas desta altura do ano que já
tradicionalmente entopem as urgências dos hospitais. É mesmo inacreditável que
não tenha sido preparado um plano de integração massiva da capacidade
hospitalar particular e social que evitasse duas coisas: excesso de procura por
doentes covid-19 e falta de capacidade para tratar todas as outras doenças. Se
se pretendia demonstrar que o SNS não estava à altura para responder às
necessidades dos portugueses não se poderia fazer melhor. As consequências
estão à vista com os números acima apresentados (todos oficiais) a que acresce
o facto de os portugueses acorrerem a fazer seguros de saúde privados que já
são mais de 3 milhões, que acrescem às centenas de milhar de número de
funcionários públicos com ADSE que não utilizam o SNS.
Provavelmente,
esta situação é consequência de algo que os responsáveis políticos têm
escondido dos portugueses e que é a falta aflitiva de dinheiro com que o país
se defronta. A queda da produção económica é brutal, não vai recuperar nos
próximos meses e a quebra de recolha de impostos segue em paralelo. As medidas
políticas de apoio a sacrificados pela economia, sejam trabalhadores ou as
próprias empresas são por definição transitórias, apenas adiam os problemas, na
esperança de que a pandemia passe e se possa recuperar o caminho anterior. Por
outro lado, embora Portugal seja o país da EU que menos gastou em apoios pela
pandemia em função do PIB, os custos desses apoios são grandes para as nossas
possibilidades.

A dívida pública gigantesca que foi crescendo todos estes anos
é um obstáculo a que o Estado se possa financiar lá fora para fazer frente a
estas necessidades inesperadas. E a famosa «bazuca» da União Europeia tarda em
chegar. Às notícias trágicas sobre subida repentina de desemprego e atrasos nos
apoios por parte da Segurança Social virão em breve juntar-se as consequências
das moratórias bancárias.
Seria bom que, por uma
vez, os responsáveis políticos, do Presidente da República ao Governo e aos
líderes partidários, todos eles, esclarecessem os portugueses sobre a real situação
do país e o que fazer efectivamente para lhe fazer face antes de um violento
choque com a realidade, já previsível, em vez de voltarem a falar de TGV´s.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Novembro de 2020