segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Os votos dos emigrantes


Também eu tenho filhos emigrados a quem, de forma a todos os títulos lamentável, foram anulados os votos na eleição para a Assembleia da República de Portugal, entregues de acordo com a Lei e as instruções recebidas. E tenho vergonha, muita vergonha, por o meu país assim tratar os seus concidadãos que tiveram que emigrar para o trabalho que cá não encontraram, que pediram nacionalidade portuguesa para os seus filhos nascidos em Espanha e que, apesar de tudo, querem continuar a exercer os seus direitos de cidadania portuguesa.

Como é que chegámos a esta situação inaudita? De acordo com a lei que regula as eleições em vigor, os emigrantes deveriam juntar uma cópia do cartão de cidadão ao envelope exterior que continha o envelope com o voto secreto. Como já tinha acontecido nas eleições de 2019, houve quem lembrasse a legislação europeia adoptada obrigatoriamente por Portugal, conhecida como RGPD (Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados) que impede, desde 2018, a cópia do cartão de cidadão. O leitor lembrará que isso foi há três anos e tem razão. Tratou-se de um período de tempo mais do que suficiente para que a legislação eleitoral fosse alterada, pelo menos para resolver essa questão que é, basicamente, administrativa e não política. Mas nem o Governo, a quem caberia a iniciativa por essa mesma razão, nem os partidos representados na Assembleia da República sentiram a mínima necessidade de proceder a essa alteração, assoberbados que estavam com questões políticas magnas de que todos já nos esquecemos e, provavelmente, eles também.

E depois, bem, depois era uma questão que tinha a ver com os emigrantes, que estão lá fora e são permanentemente tratados como portugueses de segunda, mesmo nos círculos eleitorais patéticos que para eles foram criados.

E foi assim que, nas últimas eleições, os partidos decidiram colocar uma bela cereja no topo do bolo que fizeram. Reuniram-se e acertaram praticar aquilo que sabiam perfeitamente ser uma ilegalidade mas que, na sua visão arrogante de donos da Democracia, deveria servir para ultrapassar a situação. Seriam aceites os votos, quer cumprissem a lei, quer não cumprissem, isto é, quer se fizessem acompanhar de cópia do Cartão de Cidadão, ou não. Apenas o PSD caiu em si e voltou atrás, não pactuando com a ilegalidade acordada. Em consequência ficou instalado o caos no que respeita à contagem dos votos dos emigrantes do «círculo eleitoral da Europa». Em cerca de 150 secções desse círculo, os respectivos responsáveis decidiram misturar os votos que traziam cópia do CC com os que não traziam, impossibilitando distinguir uns dos outros. O normal seria colocar os que não cumpriam a Lei num local à parte para o poder judicial decidir posteriormente o destino a dar-lhe, como sucede sempre que há dúvidas sobre votos, o que eu, por exemplo, sempre fiz nas numerosas vezes em que participei em mesas de voto. Assim se anularam mais de 150.000 votos de emigrantes legalmente expressos, dos cerca de 195.000 recebidos.


Infelizmente, a classe política continuou a tratar displicentemente a questão, com o próprio Presidente da República a anunciar a data de tomada de posse do novo Governo, como se não houvesse qualquer problema, pasme-se!

Claro que, levado o problema ao Tribunal Constitucional por diversos partidos a decisão, tomada por unanimidade, foi a de “declarar a nulidade da eleição nas assembleias de voto” em causa e obrigar à respectiva repetição das eleições. E o Tribunal Constitucional não foi nada meigo nos comentários ao sucedido que acompanharam a decisão. O próprio primeiro-Ministro, do alto da sua nova maioria absoluta, lá se viu obrigado a pedir desculpa aos emigrantes pelo sucedido, mas a nódoa na Democracia fica para sempre.

É assim que, por causa da incompetência de uns e da incapacidade política de outros, Portugal vai continuar sem novo Governo até finais de Março, se tudo correr bem. O que impressiona mesmo é que, apesar de tudo o que se passou e das pesadas consequências, não se vê que sejam atribuídas responsabilidades políticas ou administrativas seja a quem for, continuando tudo alegremente como se nada de grave se tivesse passado. Apesar de a Democracia ter sido atingida fortemente naquilo que lhe é mais importante: o respeito pelo voto que é a manifestação da livre escolha dos cidadãos e o seu mais precioso direito.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Fevereiro de 2022

Fotos recolhidas na internet

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

“Cronicando”


 A actividade de escrever crónicas, principalmente quando se processa ao longo de anos não se faz sem que sucedam alguns percalços pelo meio. Situações que advêm umas da vida do próprio autor e outras do circunstancialismo de quem as lê.

Tenho como regra suprema o respeito pelo leitor, o que significa que prezo a independência relativamente a seja quem for pelo que as opiniões aqui transmitidas são o resultado da reflexão pessoal, evidentemente sempre discutível, mas nunca motivadas por pressões ou tentativas de manipulação mais ou menos escondidas.

Claro que, ao longo dos mais de dezasseis anos que estas crónicas semanais já levam, houve vários momentos em que recebi pedidos para abordar este ou aquele assunto, desta ou daquela maneira, sem que nunca tenha cedido a tais encomendas, chamemos-lhes assim. Bem, houve uma certa vez, já lá vão uns anos, em que alguém pertencente à vereação camarária com pelouro, logo integrando a maioria municipal, me pediu para abordar determinada iniciativa pública que tinha sido da sua autoria política. E, por uma vez, acedi, pela simples razão de que estava inteiramente de acordo, não vindo daí nenhum mal ao mundo, antes pelo contrário. Tal personalidade passando ocasionalmente por mim, uns tempos depois, resolveu dizer que me tinha enviado um cartão de agradecimento mas, claro, o tal cartão nunca chegou, ficando a atitude dessa tal personagem com ela mesma. Outra situação, de certo modo oposta, deu-se com alguém que a determinada altura exercia um dos cargos de maior relevância na Cidade. Entendi que uma sua iniciativa que gerou alguma incompreensão pública merecia e devia ser louvada, pelo que abordei o assunto numa crónica, manifestando o meu apoio à mesma. Sucedeu que, exactamente seis meses depois da publicação da crónica, recebi um cartão extremamente simpático dessa personalidade agradecendo o texto da crónica que, como é evidente, nunca se destinou a ser motivo de qualquer manifestação de gratidão, pretendendo apenas fazer o que considerava justo. O prazo decorrido levou-me, no entanto, a fazer uma interpretação óbvia: a personalidade em causa temeu que da minha parte houvesse algum pedido a fazer como eventual pagamento, só se decidindo pelo agradecimento quando se convenceu que tal não surgiria. Na realidade, provou assim conhecer mal o autor destas linhas levado, talvez, pela circunstância de as nossas respectivas opções políticas pessoais serem, à época bastante divergentes.

O exercício de “cronicar” tem, como se vê, frequentes consequências que ficam normalmente na discrição de situações que se costumam resolver de forma pacífica. Outras há, infelizmente, em que a manifestação de discordância com os escritos se faz de forma desagradável levando mesmo, por vezes, ao desfazer de relações de dezenas de anos o que, infelizmente, já aconteceu. Já as situações em que alguém desconhecido se abeira de mim e retira da carteira o recorte de uma crónica, algo que já sucedeu por diversas vezes, têm de alguma forma o condão de juntar algum espanto a alimento de amor-próprio que até poderá nesse momento andar por baixo. Interessante é também a situação em que no restaurante habitualmente frequentado alguém de saída atira alto e bom som: «agora veja lá o que escreve na próxima semana!». O que aos companheiros de mesa terá parecido uma ameaça, eu sabia ser apenas uma manifestação de esperança em que a próxima crónica fosse de igual agrado à anterior.

Já no que ao autor destas crónicas diz respeito pessoalmente, a continuidade sem qualquer falta ao longo de todos estes anos significou, por vezes, uma insuspeita, mesmo para o próprio, capacidade de ultrapassar situações de alguma delicadeza, sem que tal transparecesse nos escritos. Incluindo falecimento de entes queridos e, felizmente, também nascimento de netos, sem dúvida uma das maiores alegrias desta vida. Sem falar de situações de dificuldades de saúde, felizmente ultrapassadas, sempre graças ao excelente SNS que temos, como naquela vez há uns doze anos em, depois de uma delicada e demorada intervenção cirúrgica, acordei da anestesia para pouco depois ouvir o sinal acústico de emergência típico e ainda ter tempo de olhar para o monitor dos sinais vitais e só ver traços horizontais. O cuidado e competência técnica da equipa de cirurgia levaram a intervenção imediata que me permitiu voltar a acordar algumas horas mais tarde e recuperar para continuar a viver uma vida normal e a «cronicar» e dialogar semanalmente com os leitores do Diário de Coimbra. O que faço com todo o gosto, fugindo sempre àquela posição de «tudólogo» que tudo sabe e para tudo tem uma resposta, bem pelo contrário pertencendo ao grupo daqueles que partilham de perplexidades e que apenas tentam contribuir para a ultrapassagem de problemas.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Fevereiro de 2022

 

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Coimbra, uma marca?

Antes de tudo, foi a geografia que ditou a sua localização, em tempos demasiado remotos para que se date com precisão o início do seu povoamento. Mas os fenícios terão subido o rio desde a foz até onde seria possível a navegação, precisamente onde começavam as montanhas. E, certamente por razões de segurança, nesse primeiro monte se começaram a instalar os diversos povos que haveriam de por ali viver. Com os romanos começamos a ter indícios claros do que se passava, e depois, a partir dos muçulmanos, a História já nos esclarece sobre o que se foi passando em Coimbra até aos nossos dias. Aqui começou a História de Portugal, por ter sido a sua primeira capital e aqui nasceu e acabou por se estabelecer a primeira e por séculos, para o bem e para o mal, a única Universidade portuguesa.

É um facto indesmentível que Coimbra marcou Portugal de forma indelével. Mas no que diz respeito a Coimbra, será que ela própria é, hoje em dia, uma marca? Terá Coimbra interesse em que o seja, tendo vantagens que daí advirão?

Pertencendo Portugal à União Europeia, a competição exerce-se hoje muito mais entre cidades e as regiões a que pertencem, do que entre os próprios países. E, claro, há aqui também diversos campeonatos, sendo diferente a competição entre Madrid e Barcelona, por exemplo daquela entre Viseu e a Guarda. Coimbra é a maior cidade entre Lisboa e Porto, na zona do país a que prefiro chamar Beiras do que Centro. Sofreu durante as últimas décadas de dois factores que parecem competir para lhe diminuir a importância regional e nacional: ensanduichada entre a força centrípeta das duas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, encara também a tese da «região centro multi-polar». E, em consequência, se de Lisboa e Porto não saem serviços ou organismos para Coimbra, já de Coimbra têm saído para as outras cidades das Beiras.

Coimbra tem, portanto, que contar exclusivamente com as suas forças e capacidades para se libertar desses constrangimentos e se poder afirmar no campeonato que interessa, o das cidades europeias da mesma dimensão: as chamadas cidades-médias.

Para o conseguir tem que se estabelecer como uma marca, identificando-a primeiro e trabalhando-a aos mais diversos níveis, para a impor nacional e internacionalmente. E só há uma entidade com capacidade e legitimidade democrática para o fazer: a sua Câmara Municipal.


Mas não pode pensar que basta fazer promoção que mais se confunde com propaganda, nem mesmo montar campanhas de marketing que se podem comprar em qualquer agência de comunicação e só têm efeitos imediatos. Para esse efeito tem que se organizar internamente de uma forma inteiramente inovadora e diferente das estruturas habituais. Tem que partir de um conhecimento aprofundado do historial da Cidade, a nível sociológico, económico, mas também urbanístico. E introduzir a sua marca própria nos próprios instrumentos de planeamento estratégico da Cidade. Tendo também que, obrigatoriamente, envolver todas as forças políticas nessa definição, para além dos principais organismos da cidade, como Universidade, Instituto Politécnico, Centro Hospitalar Universitário e organizações patronais e sindicais.

O sucesso da candidatura a Capital europeia da Cultura em 2027 poderá ser um instrumento poderoso na definição estratégica do futuro, mas só se introduzir melhorias perenes e não for um fogo-de-artifício efémero que apenas deixe ficar mais uns equipamentos de cara manutenção e difícil rentabilização futura.

Criar e expandir a Marca de Coimbra terá implicações a diversos níveis. Desde logo na imagem exterior da cidade o que, como é sabido, depende largamente da forma como será percepcionada, o que só por si exige competência e conhecimentos variados. Tal como potenciará a vinda de investimentos nacionais e estrangeiros, com consequências positivas a nível da economia local, que bem precisada anda. E, certamente não o menos importante de tudo, alterará significativamente o modo como os próprios conimbricenses olharão a sua própria cidade.

Antes de tudo, foi a geografia que ditou a sua localização, em tempos demasiado remotos para que se date com precisão o início do seu povoamento. Mas os fenícios terão subido o rio desde a foz até onde seria possível a navegação, precisamente onde começavam as montanhas. E, certamente por razões de segurança, nesse primeiro monte se começaram a instalar os diversos povos que haveriam de por ali viver. Com os romanos começamos a ter indícios claros do que se passava, e depois, a partir dos muçulmanos, a História já nos esclarece sobre o que se foi passando em Coimbra até aos nossos dias. Aqui começou a História de Portugal, por ter sido a sua primeira capital e aqui nasceu e acabou por se estabelecer a primeira e por séculos, para o bem e para o mal, a única Universidade portuguesa.

É um facto indesmentível que Coimbra marcou Portugal de forma indelével. Mas no que diz respeito a Coimbra, será que ela própria é, hoje em dia, uma marca? Terá Coimbra interesse em que o seja, tendo vantagens que daí advirão?

Pertencendo Portugal à União Europeia, a competição exerce-se hoje muito mais entre cidades e as regiões a que pertencem, do que entre os próprios países. E, claro, há aqui também diversos campeonatos, sendo diferente a competição entre Madrid e Barcelona, por exemplo daquela entre Viseu e a Guarda. Coimbra é a maior cidade entre Lisboa e Porto, na zona do país a que prefiro chamar Beiras do que Centro. Sofreu durante as últimas décadas de dois factores que parecem competir para lhe diminuir a importância regional e nacional: ensanduichada entre a força centrípeta das duas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, encara também a tese da «região centro multi-polar». E, em consequência, se de Lisboa e Porto não saem serviços ou organismos para Coimbra, já de Coimbra têm saído para as outras cidades das Beiras.

Coimbra tem, portanto, que contar exclusivamente com as suas forças e capacidades para se libertar desses constrangimentos e se poder afirmar no campeonato que interessa, o das cidades europeias da mesma dimensão: as chamadas cidades-médias.

Para o conseguir tem que se estabelecer como uma marca, identificando-a primeiro e trabalhando-a aos mais diversos níveis, para a impor nacional e internacionalmente. E só há uma entidade com capacidade e legitimidade democrática para o fazer: a sua Câmara Municipal

Mas não pode pensar que basta fazer promoção que mais se confunde com propaganda, nem mesmo montar campanhas de marketing que se podem comprar em qualquer agência de comunicação e só têm efeitos imediatos. Para esse efeito tem que se organizar internamente de uma forma inteiramente inovadora e diferente das estruturas habituais. Tem que partir de um conhecimento aprofundado do historial da Cidade, a nível sociológico, económico, mas também urbanístico. E introduzir a sua marca própria nos próprios instrumentos de planeamento estratégico da Cidade. Tendo também que, obrigatoriamente, envolver todas as forças políticas nessa definição, para além dos principais organismos da cidade, como Universidade, Instituto Politécnico, Centro Hospitalar Universitário e organizações patronais e sindicais.

O sucesso da candidatura a Capital europeia da Cultura em 2077 poderá ser um instrumento poderoso na definição estratégica do futuro, mas só se introduzir melhorias perenes e não for um fogo-de-artifício efémero que apenas deixe ficar mais uns equipamentos de cara manutenção e difícil rentabilização futura.

Criar e expandir a Marca de Coimbra terá implicações a diversos níveis. Desde logo na imagem exterior da cidade o que, como é sabido, depende largamente da forma como será percepcionada, o que só por si exige competência e conhecimentos variados. Tal como potenciará a vinda de investimentos nacionais e estrangeiros, com consequências positivas a nível da economia local, que bem precisada anda. E, certamente não o menos importante de tudo, alterará significativamente o modo como os próprios conimbricenses olharão a sua própria cidade.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Fevereiro 2022

Imagens recolhidas na internet

 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

D. Vataça Lascaris

 


O que faz um majestoso túmulo muito antigo, para além de tudo ostentando as águias bicéfalas de Bizâncio numa Igreja de Coimbra, no caso a Sé Velha, perguntar-se-á um visitante curioso ao passar no lado do Evangelho daquele templo. Ainda por cima, a figura jacente do túmulo é de uma mulher, não havendo notícia de outras mulheres relevantes na Coimbra daqueles tempos, para além da Rainha Santa e de Inês de Castro.

O túmulo é de D. Vataça Lascaris, neta do imperador de Aleixo Comeno, da casa imperial dos Lascaris Vatatzes Komnenos, imperadores de Bizâncio-Niceia, por sua mãe a princesa Eudoxia Lascaris; pelo lado do seu pai o Conde Guilherme Pedro, descendia dos Condes de Ventimiglia, do Norte de Itália. Terá nascido por volta de 1270, tendo deixado a península italiana e ido viver para Aragão com a sua mãe após a morte do pai, dado o parentesco com a Casa Real.

A 11 de Fevereiro de 1282, celebrou-se em Barcelona o casamento do Rei D. Dinis com D. Isabel de Aragão tendo D. Vataça acompanhado a nova rainha de Portugal, sua familiar, integrada no seu séquito, assim se definindo a sua vida futura. Em Portugal, D. Vataça veio a casar com Martim Anes de Soverosa, muito mais velho do que ela, o qual veio a falecer poucos anos depois, em 1295 sem que, ao que se saiba, tenham tido filhos.

A sua viuvez bem como a ligação íntima com a rainha levaram a que tivesse acompanhado como camareira-mor a infanta D. Constança, filha de D. Dinis e D. Isabel quando esta foi para Castela em 1297 para casar, em Alcanizes, com o rei Fernando IV de Castela e Leão, após as lutas conhecidas entre os reinos irmãos. Na sequência da morte precoce de D. Constança ocorrida em 1313, apenas um mês depois de ter enviuvado e dos conflitos dinásticos que se lhe seguiram, D. Vataça regressou a Portugal. Há algum debate sobre as razões efectivas deste regresso para Portugal, por parte de alguém com imenso poder e património em terras espanholas, havendo quem defenda que, após ter enviuvado, D. Vataça terá tido uma relação de que eventualmente nasceu uma criança, uma menina que D. Vataça teria ter tido que proteger com enormes cuidados, o que ajudaria a explicar o seu regresso não havendo, no entanto, provas de que tal tivesse acontecido realmente.

Tendo vivido vários anos no palácio em Santiago do Cacém, onde tinha a sua própria corte, após a morte do rei D. Dinis, ocorrida em 1325, acompanhou ainda mais de perto a rainha D. Isabel, com quem foi morar nos paços de Santa Clara, junto do Mosteiro das clarissas Sendo uma mulher de uma enorme riqueza pessoal, que chegou a comprar castelos, passou a viver uma vida despojada junto da sua grande amiga Isabel. Contudo, para morada eterna encomendou para si própria um túmulo a Mestre Pêro, igualmente o autor do túmulo da Rainha Santa. Este último ficou no Mosteiro de Santa Clara, enquanto o de D. Vataça foi destinado à Sé de Coimbra, hoje a Sé Velha, a quem destinou grande parte da sua riqueza pela sua morte em 1336. A escultura jacente é magnífica, fazendo justiça à grandiosidade da princesa bizantina que representa, cujo «poder imperial» é marcado pelas águias bicéfalas, simbolizado o absoluto: a vida e a morte.

D. Vataça foi uma mulher que aliou ao poder material inerente ao seu nascimento, por pertencer a várias cortes, uma excepcional capacidade de influenciar reis, príncipes e dignitários religiosos do seu tempo, numa acção profícua do que hoje chamaríamos alta diplomacia, em particular nos reinos de Portugal, Castela e Aragão. Não por acaso, e é muito relevante para a compreensão da sua formação superior, entre as suas riquezas avultava uma biblioteca de vinte livros, num tempo em que um livro era um objecto extraordinário quer pelo pergaminho que era feito, quer por ser escrito e pintado de forma inteiramente manual. E é certamente de grande significado o facto de ter escolhido a Sé de Coimbra para o seu repouso eterno, sendo para mim um mistério a razão por que a sua história não é mais conhecida na nossa Cidade que parece tender a dar mais importância a mitos do que a personagens verdadeiras e significativas da nossa História.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Fevereiro de 2022

Foto do autor