segunda-feira, 14 de novembro de 2022

O ORÇAMENTO


 Embora este ano esteja tudo mais calmo porque o actual Governo se apoia numa maioria absoluta no Parlamento, nesta altura do ano é habitual assistir-se a acesas discussões políticas que têm como objecto a aprovação do Orçamento de Estado.

De que se trata? O Orçamento de Estado está previsto na nossa Constituição e é um documento crucial para a governação. Apesar de todos os procedimentos em contrário a que já vamos estando acostumados, como é o caso das cativações, trata-se fundamentalmente de se garantir transparência no que respeita aos impostos cobrados e à forma como são gastos os dinheiros públicos. O Orçamento de Estado, que inclui o orçamento da segurança social, é apresentado pelo Governo à Assembleia da República, assim se garantindo a participação directa dos representantes eleitos pelo povo e é constituído por três documentos: a Lei do Orçamento do Estado, o Relatório descritivo e os Mapas de previsões. Ainda de acordo com a Constituição, «o Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas, definindo a lei as regras da sua execução, as condições a que deverá obedecer o recurso ao crédito...». Resulta assim da lei que o Orçamento reflecte as prioridades políticas governamentais, sendo analisado e promulgado pelo Presidente da República após a aprovação pela Assembleia da República.

Estes os princípios legais que enformam a elaboração e aprovação do Orçamento de Estado, mas não se deve esquecer que, na sua base, estão prioridades e objectivos políticos, pelo que a discussão da sua substância é não só um direito de cidadania, mas também uma obrigação já que nos diz respeito a todos. Isto porque todos colaboramos para as suas receitas através do pagamento de impostos, além de sermos beneficiários de equipamentos e serviços públicos diversos incluídos nas despesas.

O Orçamento de Estado para 2023 prevê uma despesa de 113.233 milhões de euros. As prestações sociais são a maior fatia com 45.000 milhões, seguida das despesas com pessoal no montante de 27.212 milhões e outras despesas entre as quais 6.257 milhões de juros da dívida acumulada.

Para pagar esta despesa estão previstas receitas no montante de 111.027 milhões de euros de que sobressaem 92.500 milhões de euros de impostos e contribuições sociais para além de outras pequenas receitas diversas e muito aleatórias. O défice continua lá, no montante de 2.207 milhões, a cobrir com nova dívida.


Como suporte das previsões há aqueles pressupostos que, como nas letras pequeninas dos contratos, definem tudo o resto como por exemplo as taxas de juro e o valor da inflação que, se não se vierem a corresponder à realidade, alteram todos os valores dos quadros constantes dos Mapas de Previsão. Os governos podem aqui ser prudentes ou ambiciosos, caindo as consequências sobre a carteira e a vida dos cidadãos. É algo que os portugueses já aprenderam à sua custa por diversas vezes, através da necessidade de resgate externo como aconteceu em 2011.

Por outro lado, é frequente ouvir governantes referirem-se ao Orçamento como uma mera autorização para realizar despesas. Nada de mais errado, já que o Orçamento é um contrato com os portugueses mediante o qual o Governo se compromete a realizar o que lá fica plasmado, com a limitação de custos definida na despesa aprovada. Sendo assim, o recurso sistemático às cativações e a uma permanente execução orçamental deficitária no investimento público pode ser um instrumento financeiro, mas é uma falta de respeito pela lei e pela própria proposta aprovada pelos representantes do povo na Assembleia da República.

O nível de vida dos portugueses é muito influenciado pelos orçamentos de Estado e pela sua execução, ao longo dos anos. Infelizmente, os governantes caem frequentemente na armadilha de querer resolver todos os problemas dos portugueses com recurso ao Orçamento, mesmo aqueles que deveriam ser deixados à sociedade, aumentando desmesuradamente a despesa sem obter os resultados anunciados. É assim que a carga fiscal suportada pelos portugueses é uma canga que retira o dinheiro do investimento privado, tendo como consequências imediatas a falta de capital crónica da nossa economia e um produto muito baixo face às médias dos nossos parceiros comunitários. Mas também os políticos das oposições parecem não conhecer outras propostas para além das que aumentam a despesa, porque se convencem de que assim ganham os favores da população e os consequentes votos. Nada de mais errado, como penso que os próximos anos vão demonstrar.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 14 de Novembro de 2022

Fotografias retiradas da internet

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

As vidas que vivemos, nós e os outros

 


Os primeiros dias de Novembro em que lembramos de forma particular os entes queridos que já partiram têm para muitos de nós, na realidade, uma importância interior a que não podemos fugir. Isto muito para além das flores que, eventualmente, podemos ir depositar junto das suas campas e que só serão importantes se forem um reflexo exterior do que vai nos nossos espíritos. Estes momentos tornam-se-nos cada vez mais impressivos à medida que nós próprios avançamos na idade e, principalmente, quando já estamos na primeira linha e não temos connosco ninguém das gerações que nos antecederam com quem possamos partilhar algo.

E é assim que nos encontramos a fazer auto-avaliação das nossas vidas ou, pelo menos, a relembrar os nossos trajectos pessoais, familiares e profissionais, aquilo que fizemos, o que não fizemos, o que poderia ter sido diferente. Pessoalmente, não sou de pensar em vidas que se poderiam ter tido em alternativa às que se tiveram porque tudo o que fazemos em cada momento condiciona o que se lhe segue e o futuro está sempre em construção, nada estando escrito previamente. Em cada momento da vida há diversas opções a escolher e me parece que só quem não tem consciência dos seus actos e das suas responsabilidades em cada momento pode acreditar em pré-determinações. Tal como nós temos sonhos para os nossos filhos e mesmo para os netos, os nossos pais sonharam também com os nossos futuros, desde o momento em que nos trouxeram ao mundo mas, na realidade, os sonhos não passam disso mesmo e somos, com a excepção daqueles que aceitam deixar-se conduzir, aquilo que nós próprios fizemos de nós.

Quem tem a sorte de ter Fé encontra na vida um rumo com um fim determinado acreditando que no fim desta vida terrena se encontrará o começo de outra vida. Vida essa que, a existir, ninguém sabe exactamente como será porque nunca visitada com regresso. Mas o que nos interessa enquanto cá andamos é a forma como vivemos, fundamentalmente no modo como nos relacionamos com os outros. Quanto a isto o Papa Francisco tem realçado por vários meios o papel essencial da misericórdia que associa indelevelmente à essência divina, mas não deixando de apelar ao conceito para a acção do Homem, em particular em situação de poder, mas também no dia-a-dia pela benevolência e perdão.

Para todos nós que nos preocupamos com o que fazemos ou fizemos ao longo da vida, principalmente quando temos a consciência nítida de que nos aproximamos rapidamente do seu fim, tenhamos ou não Fé, há ainda algo mais que importa que é o respeito pela Verdade. Algo que hoje parece ter deixado de pertencer ao normativo social levado pela enxurrada do relativismo que dá valor a tudo e ao seu contrário, em função apenas do ponto de vista do observador.

E, quando olhamos para trás, vemos claramente como o respeito pela verdade tantas vezes nos levou a tomar decisões possivelmente tidas como injustas ou mesmo erradas pelos outros, levando a sofrimentos e obrigando mesmo a carregar culpas sem sentido ainda que com consequências pessoais pesadas. Mas, como diz o poeta, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não. E, mais tarde ou mais cedo, a plenitude vem ao de cima e como que é possível respirar finalmente ar fresco. É quando parece que tantas peças que pareciam desencontradas começam a encaixar-se e toda uma vida faz sentido, incluindo fases e situações de felicidade e de desgosto, porque que todas elas constituem a experiência vivencial.


Muito mais do que viver a vida, um dia de cada vez como é usual dizer-se, há que respeitar o passado, o nosso e o dos outros, mas tendo consciência de que as nossas escolhas de hoje vão moldar o futuro que queremos para nós, para aqueles de que gostamos e para a comunidade em que nos inserimos. A memória dos nossos que já nos deixaram é uma boa razão para que pensemos na memória que nós próprios deixaremos aos que daqui a algum tempo, só podemos esperar que ainda longo, de nós também já só terão a recordação.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 7 de Novembro de 2022

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

A pobreza que nos vergonha


 Através de vários sinais já havia uma sensação difusa de que uma das consequências da pandemia em Portugal se traduziria num agravamento da pobreza em Portugal. Contudo, não havia ainda um estudo sistemático da situação, baseado em números concretos, que nos permitisse ter uma visão clara da realidade.

A publicação do Relatório de 2022 sobre «A Pobreza e a Exclusão Social em Portugal», baseado em dados do Instituto Nacional de Estatística, já no corrente mês de Outubro veio colmatar essa lacuna. O Relatório baseia-se nos dados recolhidos até ao fim do ano de 2021 pelo que, como é normal, não reflecte com exactidão a situação actual que já evoluiu relativamente ao fim do ano passado. Claro que, com a inflação de 2022 que ultrapassou há menos de uma semana o valor de 10%, a situação descrita no relatório só pode ter piorado.

E a realidade espelhada naquele relatório é verdadeiramente assustadora e passo a citar as principais informações nele contidas. Desde logo, viviam em Portugal mais de 2.300 mil pessoas em risco de pobreza ou mesmo exclusão social, o que significa uma taxa de 22,4%, logo mais de um quarto da população portuguesa. Isso significa praticamente 1.900 mil pessoas com um rendimento disponível por adulto equivalente a menos de 554,42 euros mensais, enquanto 770 mil pessoas viviam com um rendimento mensal inferior a 370 euros. Relativamente ao relatório anterior, a evolução foi de um aumento do risco de pobreza ou exclusão social de 12%, correspondendo a mais 256 mil pessoas, no que terá sido o maior aumento anual do risco de pobreza ou exclusão social verificado em Portugal desde 2005.


O Relatório indica ainda quais as consequências concretas imediatas desta situação de pobreza ou de exclusão social. Por exemplo, 16,4% da população portuguesa não tinha em 2021 capacidade financeira para manter a casa devidamente aquecida. Tal como 31,1% não tinha capacidade para fazer face a uma despesa inesperada de 540 euros sem recorrer a um empréstimo e 2,4% da população não tinha dinheiro para ter uma refeição de carne ou peixe pelo menos de dois em dois dias, proporção que sobe para os 6% na população em risco de pobreza.

Ainda de acordo com o Relatório, comparando com os restantes países da União Europeia, a conclusão é de que apenas a Eslováquia teve um aumento da pobreza ou exclusão social superior a Portugal como consequência da pandemia, tendo o nosso país passado a ser aquele que tem o triste oitavo lugar relativamente à proporção da população a viver este tipo de vulnerabilidade económica e social.

A situação envergonha-nos a todos, como cidadãos, mas devia envergonhar ainda mais os governantes que temos e que temos tido ao longo dos anos, cuja acção ou falta dela nos trouxe até aqui.

E, infelizmente, a perspectiva que temos pela frente é ainda pior. De facto, durante o ano de 2022 não há perda nominal de rendimentos da população portuguesa. Mas a inflação traduz-se numa perda de poder de compra que, na realidade, significa uma perda real de rendimentos. Com a agravante de essa perda ser muito mais significativa precisamente nas faixas de população com menor capacidade de enfrentar a inflação, pobres e idosos, bem como todos os pensionistas.

E, aqui, não é possível deixar de referir a autêntica aldrabice (e não devemos nem ter podemos ter medo das palavras perante o que se passa) a que o Governo está a sujeitar os pensionistas deste país, o que aliás foi muito bem explicado por um deputado do Bloco de Esquerda no Parlamento há poucos dias durante a discussão do Orçamento de Estado para 2023. Só faltou ainda mostrar que, além do corte sistemático das pensões futuras, justificado com uma suposta insustentabilidade da Segurança Social baseada em números falsos porque incompletos, a meia pensão adiantada no corrente mês está sujeita a IRS e pode mesmo atirar o pensionista para um escalão superior, não havendo compensação nos escalões de 2022 por causa da inflação. O Governo que enche a boca com os lucros excessivos das empresas por causa da inflação é o mesmo que enche os cofres com os nossos impostos sem devolver o excesso, nem sequer a quem mais sofre com este imposto escondido.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 31 de Outubro de 2022 

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

DesTAPar a TAP

 


Já se imaginam os contornos do que poderá vir por aí e nem será necessária muita imaginação. A tradição tem muita força e basta não esquecer o que se passou com o Novo Banco. Recordando, para se encontrar comprador para o banco teve que se lhe garantir cobertura de prejuízos durante uns anos até um montante de mais de três mil milhões de euros. O que, como é evidente, foi pago porque prejuízos encontram-se sempre nestas situações, nem é preciso grande imaginação. Quem pagou, claro está, foram os portugueses através dos seus impostos, que o Estado só tem duas fontes de receitas: essa mesma e emissão de dívida.

Quanto à TAP, a companhia não sai das notícias, sempre por más razões, mesmo para além dos prejuízos crónicos.

Há poucas semanas foi a história da compra de 50 BMW’s para administradores e directores. As notícias iniciais referiam BMW’ de luxo, o que me deixa sempre de pé atrás, porque carros daquela marca podem ser, ou não, de luxo. Mas, afinal, veio também a saber-se que os carros eram afinal de gamas de luxo da marca e não de gama baixa ou média. Com a vinda a público da decisão da companhia aérea que, recorde-se, está completamente nacionalizada, a administração decidiu voltar atrás numa cambalhota incompreensível e suspender a compra dos 50 automóveis. Decisão incompreensível porque a compra tinha sido justificada com poupança face às despesas com a frota de Peugeot’s a substituir. Logo a seguir vieram notícias de que afinal não se tratava de 50, mas 79 veículos e que 29 já tinham sido entregues. Uma barafunda em que a administração da TAP ficou mal vista, mas sobre a qual não houve qualquer comentário do accionista, o Estado português representado pelo Governo.

Na semana passada foi a história da nomeação de uma nova directora relacionada familiarmente com o «personal trainer» do marido da presidente da companhia. Coincidência! justificou a administração da TAP: a senhora foi contratada por ser a melhor qualificada num processo de escolha com outros concorrentes ao lugar. Todos nós, que conhecemos como estas coisas se passam em Portugal, vamos fingir que acreditamos, tal como fez o accionista Estado, já que também não comentou este assunto.

Nestes dois casos trata-se, evidentemente, de decisões que são do âmbito da administração da companhia e não dos accionistas, pelo que o Governo até andou bem em manter-se (oficialmente) à sua margem. Mas que não beneficiam a imagem da companhia aérea junto dos portugueses, é certo que não beneficiam. Até porque o Governo meteu na TAP 320 euros dos impostos de cada um dos cidadãos portugueses que na sua maioria nem utilizam os serviços da companhia o que, convenhamos, não é coisa pouca principalmente nos tempos que atravessamos.

Aqui chegado, devo confessar a minha admiração pessoal, que não política, por Pedro Nuno Santos que, ao menos existe e vai ao confronto. Ao contrário de várias não-personalidades que actualmente dirigem ministérios sem que ninguém lhes ouça uma tomada de posição própria seja em que assunto for, Pedro Nuno Santos tem ideias próprias que defende com unhas e dentes. Não está aqui em causa se tem ou não razão e até me parece que muitas vezes não tem. Mas ao menos, existe e é coriáceo e não uma medusa mole, o que já é uma vantagem relativamente a muitos políticos de hoje, homens e mulheres.


Chamado ao parlamento para se pronunciar sobre o que se tem passado na TAP, área da sua responsabilidade governativa, Pedro Nuno Santos foi mais uma vez igual a si próprio. Afivelando o seu ar mais feroz, em total contraste com o ar com que se apresentou há semanas ao responsabilizar-se por asneiras graves relativamente ao novo aeroporto de Lisboa, o ministro passou ao ataque, numa das manobras de engano mais clássicas da política. E informou ter o governo enviado para o Ministério Público uma auditoria que mandou fazer quanto a uma compra de aviões pela TAP há uns anos. Até parecia que os deputados da oposição que tinha na frente tinham alguma coisa a ver com isso. Mas foi eficaz no objectivo pretendido. A comunicação social correu pressurosa atrás da negaça e os telejornais abriram todos com essa «notícia» em vez das questões anteriores.

No horizonte está de novo a privatização da TAP, como o primeiro-Ministro já reconheceu. Provavelmente alguma das grandes companhias internacionais vai absorvê-la, desaparecendo o tal «interesse estratégico» para Portugal que anteriormente justificou a sua nacionalização. E, contrariamente ao que sucedeu com o Novo Banco, o comprador nem terá que se segurar com os prejuízos de exploração futuros. Apenas porque já estarão garantidos com os mais de três mil milhões que os portugueses já lá meteram anteriormente.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Outubro de 2022

Imagens recolhidas na internet