sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

FUGA DE PORTUGAL

 

Talvez por razões pessoais, porque me toca também na família directa, se há questão política que penso ser muito sensível em termos nacionais é a emigração de jovens qualificados.

De facto, Portugal continua a ter um lugar pouco invejável no contexto europeu se observarmos os níveis de emigração, principalmente no que respeita aos seus jovens, já que cerca de 30% dos jovens portugueses, entre os 15 e os 39 anos, deixaram o país, vivendo actualmente noutros países. Fugindo de Portugal, vão em busca de melhores oportunidades de emprego e condições de vida. Já são quase 850 mil pessoas, não contando com os seus filhos que, entretanto, nasceram, como é o caso de dois netos meus.

Enquanto na generalidade da Europa ocidental se verifica uma grande imigração com boa parte da população a ter nascido noutro país, Portugal encontra-se acompanhado pela Albânia e pela Bósnia com altas taxas de emigração.

Costuma falar-se, e com razão, da emigração portuguesa nas décadas de 50, 60 e 70 do século passado como uma das provas do atraso do país na altura e das fracas condições de vida que o país oferecia aos seus cidadãos. Mas…e hoje? Em níveis completamente diferentes, isso é óbvio, continuamos a ter um diferencial desfavorável que justifica esta saída gigantesca de jovens. A piorar a situação, a verdade é que grande parte destes jovens que vão para fora a procurar melhor futuro faz parte daquilo a que os políticos gostam de chamar “a geração mais bem preparada de sempre”.

Três estudos sobre a emigração portuguesa publicados em 2021 pelo Observatório da Emigração elegiam a ciência, informática e matemática; ciências sociais, comércio e direito; engenharia, indústrias transformadoras e construção como as principais áreas de trabalho e formação dos emigrantes nacionais. Não há dados consolidados mais recentes. Segundo o coordenador científico do Observatório, tem havido uma crescente emigração qualificada, nomeadamente para os países do norte da Europa e que acontece nomeadamente no sector terciário. Mas cada vez se torna mais forte a convicção de que estes emigrantes trocam a maior felicidade que poderiam ter em Portugal por uma maior realização profissional e maior oportunidade de progressão na carreira. A economia portuguesa continua com uma percentagem esmagadora de pequenas e micro empresas e com um minoria de grandes empresas, aquela que poderiam alterar aquela situação. A actual escassez de habitação, com a consequente alta de preços, é outra das causas que ajudam

Em consequência, verifica-se uma diminuição da população jovem em Portugal e um aumento da população idosa. Claro que sabemos que a imigração vem minorar este diferencial mas a verdade é que a maior parte dos que chegam têm baixas qualificações, pelo que não puxam pela qualidade do emprego e pela produtividade, antes pelo contrário baixando ainda mais a média geral dos salários.

Portugal adoptou uma legislação que favorece fiscalmente os jovens em sede de IRS. Como se tornou hábito entre nós, mais uma vez se adoptam medidas de fim de linha em vez de encontrar soluções a prazo para os problemas. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Dezembro de 2024

Urgências à portuguesa

1.  Já deixou de ser uma surpresa, por mais desagradável e mesmo assustadora que a situação seja para os portugueses em geral. Há anos que determinadas épocas do ano vêm acompanhadas com tais dificuldades no acesso a urgências hospitalares que cerca de quatro milhões de cidadãos se assustaram e subscreveram seguros de saúde.

No Verão passado aconteceu com as urgências das maternidades. O desnorte foi completo, com grávidas a serem transportadas centenas de quilómetros entre diferentes maternidades até encontrarem uma com vaga para realizar o parto. Muitas crianças nasceram mesmo nos mais diversos tipos de ambulâncias. Isto enquanto se soube que há actualmente um “turismo” de parturientes com origem nos mais diversos países continentes que vêm até ao nosso país ter os seus bebés em segurança e de uma forma muito mais económica. Económica para elas, claro, já que são os nossos impostos que pagam tudo. Como no resto do SNS o serviço prestado, quando o é, reveste-se normalmente de excelente qualidade. O problema é o acesso às urgências, entupidas por uma falta de organização sistémica gritante, com custos elevadíssimos, quer para o Estado em termos financeiros, quer para os doentes em termos de ansiedade. E não só, como se viu há poucos dias nos CHUC na nossa cidade, em que um doente morreu sentado na cadeira à espera de socorro tendo o serviço passado adiante quando ele não respondeu à chamada em vez de ir ver o que se passava. Para não falar do próprio INEM.

É urgente reformular tudo isto, mas é urgente há anos. Quanto ao Governo, é de lhe lembrar o que Sá Carneiro disse aos seus novos ministros: V. Exªs têm seis meses para se queixar da situação que receberam dos anteriores governos. Depois desse prazo, não há desculpas”.

2.    2.  Soube-se agora que os autos do processo Marquês deixaram de ser urgentes, apesar de se saber que vários dos crimes dele constantes estão em risco de prescrição.

Relembro que a prisão de José Sócrates ocorreu há precisamente dez anos, em Novembro de 2014, estando em causa “crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção” num processo cuja investigação tinha começado anos antes. José Sócrates esteve detido em Évora durante 288 dias e ainda 42 dias em casa. A acusação do Ministério Público ocorreu em Outubro de 2017, num total de 28 crimes, para além de corrupção. Em Abril de 2021 ficou conhecida a decisão da instrução do processo, a cargo do Juiz Ivo Rosa que, de forma pública inédita, praticamente destruiu a acusação do MP. Destruiu a acusação e praticamente todo o processo, levando na enxurrada a dignidade do sistema judicial português. Como prémio, foi promovido para a Relação de Lisboa. A mesma Relação que, em Janeiro de 2024, por sua vez destruiu o despacho de Ivo Rosa, recuperando a quase totalidade da antiga acusação do MP.

Na realidade, a classificação do processo Marquês como não urgente só veio dar-lhe a categoria que os portugueses já há muito lhe tinham atribuído. Além de outros, que me abstenho aqui de dizer, quando se sabe que ainda nem há data para o julgamento.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 Novembro 2024

 

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Política e Economia

 Um dos meus “livros de cabeceira” é, desde há vários anos, a obra de James A. Robinson e Daron Acemoglu com o título PORQUE FALHAM AS NAÇÕES que tem como sub-título “as origens do poder, da prosperidade e da pobreza”, editado pelo Círculo de Leitores – Temas e Debates. Na página 475 surge a resposta simples à pergunta essencial: “os países fracassam economicamente devido às instituições extrativas”.

A explicação pode parecer simples na sua formulação, mas não o é de todo. Resulta de um longo trabalho de investigação das relações entre o poder político, as instituições e a prosperidade em variados países.

Todos nós verificamos que há países que conseguem, parece que com naturalidade, serem prósperos através da criação de riqueza que também conseguem distribuir pela sua população. Enquanto isso, outros há que parece estrem fadados a serem pobres, sem conseguirem tirar a maioria da sua população da pobreza mais extrema. Porque é que o Botsuana prospera e a Serra Leoa não? De facto, como Niall Ferguson salientou, este livro mostra que, ao contrário do que vulgarmente se pensa, “o destino económico de uma nação não é determinado pela geografia ou pela cultura. São as instituições criadas pelos homens que determinam se um país será rico ou pobre”.

Não é por acaso que os EUA e as nações das América Central e do Sul apresentam diferenças de índices de desenvolvimento e riqueza tão acentuadas. A consequência de, logo no início do sec. XVIII os colonos ingleses terem desenvolvido sistemas de representação democrática nas treze colónias que deram origem aos EUA, foi de se terem desenvolvido instituições que, à maneira da época, respeitavam direitos políticos e liberdade económica. Ao contrário da colonização espanhola que estabeleceu sociedades rigidamente hierarquizadas. Enquanto nos EUA surgiu em 1787 a Constituição americana, a independência mexicana em 1822 levou a um regime ditatorial que se foi repetindo sucessivamente no século seguinte. A cidade de Nogales que se situa sobre a fronteira entre os EUA e o México é, ainda hoje, a imagem da chocante diferença entre a existência de instituições democráticas e instituições extrativas que apenas visam o enriquecimento dos que detêm o poder (político, económico, ou os dois).

Esta visão das razões das desigualdades entre países é muito diferente do que nos tem sido repetidamente apresentado, nas diversas versões marxistas que, mais ou menos extremas, têm dominado as nossas academias e a comunicação social.

Curiosamente, o Prémio Nobel da Economia deste ano de 2024 foi entregue aos dois autores do livro que aqui refiro, juntamente com Simon Jonhson. E, certamente não por acaso, o facto não passou entre nós de mais uma notícia relativamente irrelevante no meio de tudo o resto e logo esquecida, não merecendo análise minimamente atenta.

Embora a democracia não seja uma solução mágica, é um facto que os países que se democratizam crescem mais rapidamente do que os regimes que permanecem não democráticos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Novembro de 2024

terça-feira, 12 de novembro de 2024

TERESA PORTUGAL: modelo que fica

Em todo o mundo e também em Portugal atravessamos tempos difíceis. Assistimos, tantas vezes atónitos e a pensar que num dia destes vamos acordar de um sonho mau, a mudanças aceleradas que nos trazem novidades, mas que receamos apenas revestir antigas más experiências com nova roupagem.

São tempos em que a capacidade de ouvir o outro, de respeitar a opinião diferente parece ter desaparecido do espaço público, mas também do privado invadido que este está pela nova realidade cibernética; são as novas algemas que voluntariamente vamos colocando nos nossos próprios pulsos, cada vez mais apertadas. Reconheço ter alguma saudade dos tempos em que, depois dos compreensíveis e ultrapassados solavancos políticos que se seguiram ao 25 de Abril, todos aprendemos a viver em Democracia e a respeitar as opiniões alheias, assim tentando encontrar as melhores soluções para o desenvolvimento do país.

Crucial para que isso acontecesse foi a participação activa de quem, durante a ditadura do Estado Novo, se formou politicamente como democrata, impedindo depois que Portugal voltasse a trilhar caminhos contrários à Liberdade, tivessem eles o rótulo que tivessem.

Certamente não por acaso, em Coimbra, terra da Rainha Santa e da sua acção pacificadora mas de coragem e capacidade de afirmação própria tivemos, curiosamente, três mulheres que assumiram esse papel. Falo de Judite Mendes de Abreu, de Margarida Ramos de Carvalho e de Teresa Alegre Portugal; todas do Partido Socialista, às quais a Cidade muito deve. Estou tanto mais à vontade para as lembrar e de forma humilde as homenagear nestas linhas, quanto fui militante do PSD durante muitos anos.

Depois de as duas primeiras nos terem deixado já há algum tempo, foi agora a vez de morrer a Dra. Teresa Alegre Portugal. Foi Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Coimbra, mas foi essencialmente uma Mulher de Cultura. Rodeada de Arte, pela Música do seu Marido António Portugal, pela Literatura do seu Irmão Manuel Alegre e com o gosto e conhecimento da Cultura com que ela própria tinha construído a sua personalidade, só poderia vir a ser uma excelente Vereadora, como efectivamente foi.

Recordo aqui a simpatia e a delicadeza do seu trato quando abordávamos qualquer assunto, estivéssemos ou não de acordo, embora estas últimas situações fossem cada vez mais raras. Teresa Portugal cultivava, de forma natural, a amizade e a consideração pelo outro e pela diferença de opiniões, embora respeitasse sempre os seus princípios cívicos fortes e bem enraizados; conversar consigo era sempre uma maneira de se sair enriquecido.

Ao sentir aproximar a morte, Teresa Portugal deixou uma carta de despedida intitulada “Queridos amigos”. A sua extrema sensibilidade vem ao de cima naquelas linhas partilhando a lembrança de muitos bons momentos, enquanto agradece aos seus Amigos tudo o que a vida lhe deu. Ela, que tanto deu a tanta gente! A mim, apenas posso publicamente homenageá-la e agradecer de forma singela as partilhas pessoais e tudo aquilo que deu à Cidade e ao País, ficando como modelo a seguir. 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Novembro de 2024

 

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

MOTORES (Da Europa e da Alemanha)

 Dada a sua dimensão é habitual dizer-se que a Alemanha é o motor da economia europeia. E, por outro lado, a indústria automóvel é um dos principais suportes da economia alemã.

Uma das maiores empresas alemãs de construção automóvel é o Grupo Volkswagen, que tem 136 fábricas em todo o mundo empregando, só na Alemanha, 120 mil trabalhadores.

E é precisamente na Alemanha que a VW anunciou recentemente o próximo encerramento de 3 fábricas, o que nunca aconteceu durante os 87 anos da existência da empresa No início dos anos 80 a economia alemã passou por grandes dificuldades tendo o Chanceler Helmut Schmidt (SPD) obtido dos sindicatos um acordo que passou por ser aceite um corte substancial temporário nos ordenados dos trabalhadores, o que se revelou essencial para a recuperação económica da então RFA.

Toda a indústria automóvel europeia, está em crise divido à necessidade de se adaptar à mobilidade eléctrica exigida pelos critérios da União Europeia. Na Alemanha o problema será mais sério ao encerramento de todas as centrais nucleares o que, em conjunto com o fim do gás natural russo, ditou uma subida do custo da energia essencial para a laboração das fábricas.

O mercado automóvel está a conhecer uma literal invasão de automóveis eléctricos chineses, para além de A China praticamente ter o monopólio do fabrico das baterias de lítio. Cerca de um quinto dos carros eléctricos vendidos na Europa são de origem chinesa. Enquanto as marcas chinesas vão construindo fábricas um pouco por todo o mundo, as construtoras europeias vão fechar fábricas como a VW, a que se poderá juntar em breve a Stellantis.

A indústria automóvel está numa encruzilhada. Tem de responder às exigentes normas governamentais anti-poluição e aos objectivos legais do fim dos motores de combustão. Mas numerosos fabricantes, contrapõem a cada vez maior eficiência desses motores e ainda de outras alternativas que não os motores eléctricos. Há todo um mundo de alternativas em desenvolvimento técnico acelerado, contra a opinião dos políticos que só veem os veículos eléctricos a bateria como o futuro.

Trump avisa que, se vencer, aplicará taxas alfandegárias muitíssimo elevadas aos veículos provenientes da China. E a Comissão Europeia, no dia em que escrevo esta crónica, fez entrar em vigor taxas sobre os mesmos veículos, embora de valor inferior, entre um mínimo de 27% e um máximo de 45,3%. O motivo radica em substanciais subsídios que o Estado chinês concede aos exportadores automóveis chineses.

Não se pense que, neste cantinho da Europa, não temos nada a ver com isto. Se o motor da Europa gripa, todos sofremos. Para além da fábrica da VW em Portugal, a Autoeuropa que representa 1,5% do PIB nacional, não contando com toda a fileira industrial que suporta.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Novembro 2024