No início do mês de Abril de 1979, Sá Carneiro enfrentou uma das maiores crises da sua liderança partidária. Dos 73 deputados do PSD, 37 passaram a independentes, por divergência com o presidente do partido, não tendo seguido a orientação partidária de abstenção na votação do Orçamento. Esta situação tinha antecedentes, que se prendiam com a publicação do documento conhecido por “Opções Inadiáveis” em que vários notáveis ou barões do partido, ao defenderem “a socialização crescente da economia” estabeleciam uma linha programática de “consenso” com o “status quo” político que então se vivia. Sá Carneiro pensava já na AD como alternativa ao socialismo e à semi-tutela militar ainda prevalecente no país e que meio ano depois viraria o país do avesso.
De uma forma que denota uma clara convergência de interesses no objectivo de apear a liderança partidária, de novo se ouvem vozes no PSD a apelar a uma dissidência dos deputados. São outra vez as chamadas reservas do Partido, que se acham “donos” dele. Só que, desta vez, o apelo à revolta dos deputados tem uma agravante crucial: o PSD está no Governo e é responsável pela governação. Discutir opções, discordar de propostas, apresentar alternativas, tudo isso é sério e mesmo necessário, num tempo em que o país está a tentar ganhar espaço para respirar após uma governação criminosamente irresponsável nos ter atirado para as mãos das instâncias internacionais corporizadas na Troika. Tentar arranjar soluções governativas não surgidas de eleições como alternativa a um governo legitimamente eleito, em que o próprio partido participa e que dispõe de maioria confortável na Assembleia da República é apenas inqualificável não só do ponto de vista partidário mas, acima de tudo, do ponto de vista nacional. Não será necessário recordar que o país está a ser ajudado financeiramente para pagar as suas contas e sob vigilância rigorosa das estâncias internacionais.
Coisa semelhante seria o Governo passar a ser ele próprio um problema em vez de solução, por dissidências entre os dois partidos que lhe servem de base. A questão não está sequer em tentar manter problemas fora da esfera pública. Os sentimentos de desconfiança e mesmo de reserva mental na abordagem dos graves problemas nacionais não são algo que se consiga esconder dos portugueses. Para o bem e para o mal, o PSD e o CDS estão amarrados entre si numa solução governativa de emergência que tem a obrigação de retirar Portugal da aflita situação em que o colocaram. Estamos num ponto em que se puxa o lençol para tapar algo e fica sempre algo a descoberto porque o pano é curto, o que dá permanentemente razões de queixa a alguém. A questão da coordenação política entre os dois partidos do Governo é crucial, não só para o próprio governo, mas para o país. Uma crise séria que colocasse em questão a estabilidade governativa, seria o suicídio do PSD e do CDS como partidos do arco governativo, mas essencialmente, um desastre para Portugal que passaria a ser visto como um país pária incapaz de se governar e sem capacidade de cumprir os seus compromissos internacionais. Espera-se que tal não venha a suceder.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 24 de Setembro de 2012