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domingo, 7 de novembro de 2021
segunda-feira, 1 de novembro de 2021
“RE-SENTIMENTOS”, ÀS VEZES POLÍTICOS
O título desta série de crónicas semanais iniciada há (já!) mais de dezasseis anos tenta sumarizar simultaneamente a sua justificação e o seu objectivo: observar e comentar a realidade nas suas diversas componentes, sem que o autor e responsável pela opinião expressa caia na tentação de se colocar de fora dela.
Há muitos anos que adquiri a noção clara de que os sentimentos não se restringem ao nível individual, antes repassando para os grupos de pessoas, seja em associações, seja em grupos maiores e mais indefinidos, com consequências que muitas vezes desafiam a própria racionalidade. O que acontece também na política. A escolha do voto é muitas vezes ditada por factores que pouco têm a ver com considerações ideológicas ou de interesse pessoal directo, sendo condicionada por emoções, tantas vezes exploradas pelos próprios políticos para influenciar as escolhas eleitorais. A fidelização do voto é uma das situações ditadas mais pelo sentimento do que pela escolha racional e isto não se aplica apenas aos militantes partidários, mas mesmo ao eleitorado em geral. A evidência desta situação verificou-se na década de 80, quando PSD e PS eram claramente os dois pólos políticos à direita e à esquerda, sem que o PS ainda se aliasse ao PCP, porque o ano de 1975 estava fresco na memória de todos. De qualquer forma, a escolha entre os dois maiores partidos estava muito consolidada e seria difícil a qualquer um deles retirar votos ao outro. O que sucedeu foi o surgimento de outro partido, promovido pelo presidente da República Ramalho Eanes, o PRD que, nas eleições de 85, essencialmente à custa do PS, obteve 18% contra 30% do PSD e 20% do PS. Nas eleições seguintes em 87, já com Cavaco Silva a liderar o PSD, este obteve 50,2%, o PS 22,2% e o PRD implodiu para 4,9%. Isto é, uma margem significativa do eleitorado habitual do PS mudou de voto para o PSD, mas com uma passagem temporária pelo PRD. Esta mudança nunca se verificaria directamente, tendo antes havido um corte sentimental que permitiu depois que esses votos ficassem livres para serem recolhidos pelo partido concorrente.
Um dos sentimentos potencialmente mais danosos para as pessoas individualmente consideradas é, sem sombra de dúvidas, o ressentimento. Pessoas que aturam ser maltratadas durante demasiado tempo, quando não conseguem manifestar raiva ou falar a tempo para resolver o problema têm muitas vezes manifestações súbitas doentias ou de uma violência quase irracional incompreensível para o tirano, próxima do foro psiquiátrico.
Se observarmos com atenção, os últimos dias foram a prova de que o ressentimento a nível colectivo também é possível e, eventualmente irrecuperável. É a explicação mais óbvia para uma situação tida por muitos à esquerda como incompreensível ou mesmo suicidária. O voto contra do Partido Comunista Português e do Bloco de Esquerda na votação do Orçamento de Estado para 2022 colocou de forma bombástica um fim à coligação informal que, desde as eleições de 2015, sustentavam o Governo socialista presidido por António Costa. E o próprio líder parlamentar do BE destapou nos últimos discursos anteriores à votação o estado de espírito dos ex-apoiantes do governo socialista. Pedro Filipe Soares foi cristalino ao afirmar que todos anos, desde 2015, o Governo apresentava orçamentos que eram aprovados pela esquerda parlamentar para depois não os executar, viciando os compromissos tomados. Lembrando outros tempos, diria que Costa piscava para a esquerda e virava para a direita assim cumprindo as regras da União Europeia a que, na verdade, está obrigado.
Foi assim que a austeridade não nos abandonou, embora mudando de face: impostos indirectos em vez de directos, cativações e travão nos investimentos públicos. Aliás, nada que à direita não se tivesse vindo a denunciar desde pelo menos 2018, embora a verificação da execução orçamental dos governos de António Costa seja difícil de fazer, dada a sua opacidade. Basta lembrar que desde 2019 que Portugal não tem lei de Execução Orçamental que deveria existir todos os anos. Podem procurar-se as explicações mais racionais ou de oportunismo político imediato para o afastamento radical da esquerda relativamente ao governo socialista mas é mais que evidente o ressentimento desse sector político cansado de fazer papel de enganado relativamente a uma governação de António Costa considerada como arbitrária e mesmo arrogante.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 1 de Novembro de 2021
Imagens tiradas da internet
quarta-feira, 27 de outubro de 2021
“O ESTADO DA NAÇÃO”
A Assembleia da República procede anualmente a um debate especial antes de ir de férias em Agosto, que se chama o «Debate do Estado da Nação». Debate normalmente morno, talvez porque os Deputados prevêem já o merecido descanso, depois dos trabalhos de mais um ano parlamentar.
Na realidade, o estado da Nação fica muito mais visível na altura da discussão do Orçamento de Estado, particularmente quando se dá a circunstância de o Governo ser minoritário, sem ter acordo firmado com partidos que lhe forneçam respaldo de votos suficiente para garantir a sua aprovação.
Neste ano de 2021 a discussão do Orçamento de Estado para 2022 levantou mesmo a hipótese de eleições intercalares, caso não seja aprovado. O Presidente da República avisou que seria esse o seu procedimento logo no início da discussão e, a partir daí, estabeleceu-se um clima de pré-crise política. Como António Costa tem garantido desde 2015 o apoio do PCP e do BE em diversas situações, principalmente na garantia de aprovação dos Orçamentos de Estado, os portugueses olham com algum espanto para as afirmações daqueles dois partidos colocando a fasquia muito alta para, com os seus votos, entregarem ao Governo a aprovação do OE. Razões para estas posições têm sido apresentadas várias. A começar pelos resultados das eleições autárquicas, em que o PS continuou a ser o primeiro partido autárquico, mas perdendo bastiões importantes como Lisboa, Coimbra e o Funchal. Contudo, muito piores foram os resultados dos dois partidos mais à esquerda, que sofreram derrotas importantes, que ambos sentirão como sendo consequência do apoio ao PS, durante os últimos seis anos.
Tal como aconteceu em 2011 com a crise internacional, o PS contaria com a pandemia destes últimos dois anos como explicação, ou mesmo como desculpa para os péssimos resultados da sua governação. O problema é que a realidade está a destapar-se perante os portugueses, com uma violência que nem as promessas do PRR conseguem iludir, até porque já toda a gente percebeu que estes dinheiros europeus excepcionais vão funcionar mais como orçamento suplementar do que outra coisa, para que o Estado possa gastar em investimento público o que não gasta desde 2015.
E, se a realidade era já uma evidência perante os olhares mais atentos, começa a surgir aos olhos de todos os portugueses, independentemente da sua condição social ou tendência ideológica. Os problemas gravíssimos do SNS com sintomas evidentes na deficiência generalizada de acesso a médicos de família e centros de saúde, as demissões de responsáveis médicos um pouco por todo o país, a falta de pessoal de saúde crónica nos enfermeiros que se alastra aos médicos, em suma o escandaloso número de seguros de saúde subscritos pelos portugueses e o surgimento em catadupa de oferta privada de serviços de saúde, estão à vista de todos.
Os preços dos combustíveis que toda a gente tem que utilizar, porque os transportes públicos não dão resposta às necessidades, não só de deslocações casa/trabalho mas também para as inúmeras solicitações das famílias devem-se, na sua maior parte, aos impostos arrecadados pelo Estado. Muita gente não tinha consciência disso mas, de repente, esse facto saltou para as televisões e para as capas dos jornais.
A carga de impostos pagos pelos portugueses é das mais altas da Europa. Como os ordenados médios dos portugueses, pelo seu lado, são os mais baixos de todos, o esforço fiscal dos portugueses torna-se cada vez mais insustentável.
Por fim mas não menos importante, segundo as previsões do próprio Governo, no fim dos dois mandatos de António Costa, em 2023, Portugal terá tido um crescimento anual médio de 1,5%, com uma dívida muito maior do que em 2015 em termos absolutos e mais próximo de ser o país mais pobre da União Europeia. Dois milhões e duzentos mil pobres em Portugal em 2021 constituem uma vergonha nacional colectiva.
A realidade acaba sempre por se impor à propaganda e à ficção. Os dois partidos que apoiaram o Governo de António Costa até hoje estarão conscientes do que se passa e não quererão ser eleitoralmente associados a estes resultados, pelo que aproveitam a discussão do OE para se afastar. O espectáculo não é bonito de se ver, já que não discutem o OE em si que pouca margem de manobra permite, antes apresentam propostas de política geral que deveriam constar de acordos gerais de Governo, numa chantagem evidente. O Governo encontra-se numa situação muito complicada, até porque conhece, melhor do que ninguém, a real situação do país. Mas, muito provavelmente, vai ceder em qualquer coisa, para não ficar sozinho como responsável pela situação perante umas prováveis eleições. Será uma vitória de Pirro porque, no próximo ano, o OE para 2023 esse, não será certamente aprovado.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Outubro de 2021
segunda-feira, 18 de outubro de 2021
PALAVRAS, PONTES E LAÇOS
Palavras, leva-as o vento, é costume dizer-se. Será, quase de certeza, o destino das palavras desta, como de outras crónicas. Mas as palavras marcam. Marcam quem as diz, quem as deixa escritas e até quem as lê, ainda que nem sempre disso se dê conta. Palavras difíceis ditas pelo médico ao doente em estado grave. Palavras ternas ditas entre os amantes. Palavras incompreensíveis ditas pela mãe ao seu bebé, que só ele entende. Palavras puras e significantes ditas pelos poetas. Palavras entusiasmantes ditas pelos políticos em estado de graça e palavras enganadoras de todos os manipuladores.
As palavras nunca são vãs.
De vez em quando há palavras que,
de esquecidas ou quase ignoradas, passam repentinamente da sua obscuridade para
a luz do espaço público: a «resiliência» da economia ou de pessoas, está agora
omnipresente sem que, todavia, grande parte das pessoas saiba qual o seu
significado. Outras há que surgem para ocupar um espaço enorme, completamente
imerecido, nos discursos políticos e mesmo sociais: o «implementar um projecto»
ou considerar como «espectável» que um determinado candidato ganhe as eleições.
Ultimamente passou a ser necessário que as pessoas construam pontes, seja na política, seja noutra actividade qualquer que não na engenharia já que, essa desde há muito o aprendeu a fazer. Pontes físicas são passagens abertas entre as diferentes margens de um rio. Depois de feitas, permitem a passagem e a ligação entre comunidades antes separadas.
Normalmente. Porque, às vezes, até aí os piores instintos dos homens se manifestam, como a lembrar donde provimos e de como é necessário termos sempre consciência disso para construirmos sociedades que respeitem todo e cada um como igual ao outro.
Foi há menos de trinta anos que dois jovens namorados, ambos com 25 anos, ele Boško Brkić um sérvio da Bósnia e ela Admira Ismic uma muçulmana da Bósnia foram cobardemente assassinados a meio da ponte Vrbanja em Sarajevo, durante a guerra da Bósnia. Foi às 17 horas do dia 19 de Maio de 1993. E os seus corpos ali ficaram abraçados na morte durante sete dias, que ninguém tinha coragem de os ir buscar, arriscando-se a ser igualmente alvo dos atiradores furtivos.
Uma ponte pode, assim, significar exactamente o oposto da sua definição. Para além de estabelecer contactos físicos, o que verdadeiramente importa é estabelecer laços. O que significa acrescentar afecto, o que faz toda a diferença.
Estabelecer laços significa, muito para além da racionalidade pura da construção de pontes, dar-se ao outro, procurar no outro o melhor que nos possa dar, igualmente. E, a partir daí, estabelecer relacionamentos estáveis e produtivos. Isto, tanto entre simples pessoas, como entre comunidades, independentemente do seu tipo e da sua dimensão.
António Damásio, um neurocientista português com créditos firmados a nível mundial, desde o seu livro «O Erro de Descartes» que tem mostrado como a descoberta da consciência necessita do saber e do sentir. Só por si a inteligência raramente consegue descobrir novos caminhos ou explicações, necessitando da empatia que traz associada o entusiasmo pelo que se faz para verdadeiramente fazer progredir o conhecimento humano.
As relações humanas precisam de empatia, mesmo de afecto pelo outro, para serem produtivas, muito para além de estabelecer pontes, necessárias mas não suficientes, como prova a falta de resultados do estabelecimento de regras a nível mundial, sejam a Convenção dos Direitos Humanos ou mesmo os Direitos da Criança. A capacidade de estabelecer laços com o outro, seja quem for, depende muito de nós e é cada vez mais necessária, num mundo crescentemente dominado por uma economia subterrânea patrocinada e desenvolvida pelas chamadas redes sociais que, ao contrário do seu nome, promovem o isolamento e a quebra de verdadeiros laços inter-pessoais. E não esqueçamos que são as palavras, ditas e escritas, que melhor promovem o estabelecimento de laços.
Texto publicado originalmente no Diário de Coimbra em 18 de Outubro de 2021
Imagens recolhidas na internet
domingo, 17 de outubro de 2021
segunda-feira, 11 de outubro de 2021
SÃO AS PESSOAS!
Já tudo se escreveu e disse sobre as eleições autárquicas, sobre quem perdeu e quem ganhou, em termos de partidos. Discussão que interessa muito aos próprios e praticamente nada ao cidadão comum. Aliás, não são precisas grandes explicações para que cada um de nós tenha a percepção nítida de quem perdeu e quem ganhou, bastando observar as expressões e os sorrisos forçados dos dirigentes partidários.
Claro que os portugueses estão hoje habituados a ver que ganhando também se perde e perdendo se pode acabar por ganhar. Isto a nível nacional, já que a legislação eleitoral autárquica tem a particularidade de estipular que o Presidente da Câmara é o primeiro nome da lista mais votada e não o resultado de eventuais posteriores negociações.
É por isso que, diferentemente das eleições nacionais, nas eleições autárquicas é crucial a escolha dos cabeças de lista, isto é, aqui são as pessoas o que verdadeiramente interessa, para além dos partidos que representam e mesmo dos programas eleitorais.
Isso foi particularmente visível nas eleições do passado dia 26 de Setembro, bastando observar dois casos particulares, o de Lisboa e o de Coimbra. Refiro estes dois, porque Lisboa é a capital e o maior município em termos eleitorais e Coimbra porque é a nossa Cidade.
Até ao início da noite eleitoral, Fernando Medina era o presidente certamente reeleito, na continuidade de 14 anos de poder socialista na Câmara de Lisboa. O adversário Carlos Moedas, indicado pelo PSD coligado com o CDS foi permanentemente sub-avaliado, apesar do seu prestígio e experiência pessoal: tinha sido membro do Governo de Passos Coelho e também Comissário Europeu largamente elogiado por todos os quadrantes políticos europeus. Isto em termos políticos, porque em termos profissionais e académicos apresentava também uma carreira de sucesso. Para se candidatar à Câmara de Lisboa, abandonou o conforto do seu lugar na administração da Fundação Calouste Gulbenkian. Apesar de tudo isso, a comunicação social, na senda aliás das mais diversas sondagens e estudos de opinião, nunca o considerou como verdadeiro contendor, falando apenas da vitória certa de Fernando Medina tido como eventual futuro líder do PS, favorito de António Costa à sua sucessão. A última acção de campanha pública de Carlos Moedas decorreu mesmo sem que uma única das cadeias de televisão nacional para aí tivesse deslocado repórteres. Acabou por acontecer com Fernando Medina o que tantas vezes sucede àqueles que se acham naturalmente predestinados ao poder, adoptando uma atitude de clara arrogância no exercício das suas funções e na campanha, esquecendo-se de que, em democracia, só tem o poder quem o povo escolhe. Já Carlos Moedas lutou, pelas suas próprias palavras, contra tudo e contra todos, com tudo o que se sabe e mais o que se adivinha, tendo começado com uma campanha algo indefinida, mas corrigindo para se afirmar como de completa rotura e alternativa clara ao poder socialista da Câmara Municipal de Lisboa representado por Fernando Medina. Foi o cidadão Carlos Moedas, muito mais do que os partidos que o apoiaram, que venceu as eleições em Lisboa.
Coimbra foi um caso diferente, mas com a mesma base: foi o
candidato José Manuel Silva que venceu as eleições. Tal como foi Manuel Machado, mais do que o PS, que as perdeu. Na sequência do resultado obtido pela sua lista independente nas eleições autárquicas anteriores, José Manuel Silva impôs-se aos partidos à direita, para construir uma alternativa ganhadora ao PS e Manuel Machado nestas eleições. O sucesso da estratégia política foi total, não tendo o presidente eleito abdicado nunca da sua independência partidária, antes vincado com frequência essa sua situação, apesar de apoiado e indicado por todas as forças partidárias que constituíram a coligação que liderou, de que o PSD e o CDS eram as mais importantes e notórias. Perante um Manuel Machado que, tal como no caso de Medina contava com sondagens que o favoreciam e apresentando-se também com António Costa ao lado como grande trunfo, José Manuel Silva foi sempre assertivo nas suas propostas, fugindo contudo notoriamente a ataques directos, mesmo os de cariz puramente político. A força da candidatura de José Manuel Silva foi tal que conseguiu obter votação maioritária para a Câmara na importante Freguesia de S. Martinho do Bispo e Ribeira de Frades enquanto o PS venceu para a respectiva Assembleia de Freguesia.
Como é evidente em ambos estes casos os partidos, perdedores ou supostos vencedores, ficam subordinados às personalidades dos eleitos. E ainda bem, direi eu, já que se perderam pelos caminhos da falta de ideologia, de princípios e de respeito generalizado pelos eleitores que, grande parte deles, em resposta, nem sequer exercem o seu direito de escolha do futuro, abstendo-se num número insuportável para a Democracia.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 11 de Outubro de 2021
Imagens retiradas da internet