Terminado o primeiro milhar de crónicas desta série, dê-se continuidade à sequência, que novo milhar não será, de certeza. E não deverá haver melhor forma de o fazer do que dedicando estas linhas à nossa cidade, de forma independente e liberdade de opinião, que a tal obriga o respeito pelos leitores.
Para quem, há muitos anos, segue com alguma atenção a evolução da nossa cidade nos mais diversos aspectos, é evidente haver uma área cuja importância local ultrapassa a sua natureza intrínseca, reflectindo-se em vários outros sectores. Refiro-me à área da Saúde, nomeadamente às diversas instalações do sector pública/SNS em Coimbra. Para se ter uma ideia da sua importância local, e de acordo com a informação disponibilizada no seu site, das oito unidades hospitalares da ULS Coimbra, seis localizam-se na nossa cidade. A ULS de Coimbra tem mais de 10.000 trabalhadores, incluindo mais de 2.200 médicos e 3.700 enfermeiros, entre muitos outros profissionais de saúde. O número de laboratórios de investigação clínica avançada é igualmente muito importante, sendo que um cada dez médicos especialistas é doutorado. Para além da oferta do SNS, existem em Coimbra vários hospitais privados que, na sua maioria, vieram substituir as antigas clínicas e consultórios médicos.
Como é fácil de perceber, num concelho com cerca de 150 mil habitantes, a importância de um sector desta dimensão é crucial, com implicações a montante e a jusante no emprego, mobilidade e economia em geral. Juntamente com o ensino superior universitário e politécnico a Saúde é, de facto, uma das áreas críticas para a sustentabilidade de Coimbra.
Por todas estas razões, as recentes afirmações do responsável máximo pela ULS de Coimbra acerca de eventuais ameaças ao hospital universitário ou à ULS de Coimbra não puderam deixar de trazer perplexidade e preocupação. A acusação de «triste sina a de uma entidade pública que está refém de interesses particulares em detrimento do interesse da comunidade», acrescentando ainda a “dualidade do biscate no serviço público e o foco no consultório privado” é suficientemente clara e grave para não ter consequências, até por vir de quem vem. De facto, em primeiro lugar, cabe a quem gere evitar e mesmo impedir as tais situações de biscate nos hospitais. Aliás, a denúncia de situações destas deixa-nos a todos com os cabelos em pé: o SNS é tão importante e significa uma tão grande parte dos nossos impostos que as torna absolutamente inaceitáveis. Por outro lado, não se vê como os antigos HUC poderão deixar de ser hospital universitário, ao lado do S. Maria em Lisboa e do S. João no Porto, constituídos em Centros Académicos e Clínicos. Até porque, anualmente, mais de mil alunos do mestrado integrado de medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra recebem formação clínica na ULS de Coimbra.
Mas que algo de estranho se passará na ULS de Coimbra, isso parece ser evidente. E a importância das instituições do SNS em Coimbra é tão grande para a cidade que se espera que Autarquia, Universidade e ULS deem as mãos no interesse de Coimbra, também no que toca da defesa do Ensino Clínico superior.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 20 de Janeiro de 2025