Em boa hora o Eng.
Henrique Neto decidiu dedicar algumas das suas excelentes crónicas desta mesma
página do Diário de Coimbra à análise da racionalidade em decisões
governamentais e de como a ideologia influencia essas decisões de forma tantas
vezes negativa. Com a inteligência que se lhe reconhece e a experiência de vida
pessoal e profissional em que conseguiu grandes sucessos reconhecidos, Henrique
Neto apresentou vários exemplos que demonstram a justeza da sua análise.
Com a devida vénia
perante tão ilustre companheiro de página e colega de formação, permito-me
fazer aqui algumas considerações que, a meu ver, mostram a quase
impossibilidade actual de racionalidade na acção política e que espero possam
ajudar a trazer mais alguma luz sobre este assunto.
Em primeiro lugar,
o que leva os eleitores a entregar o seu voto a esta ou àquela formação
política, entregando-lhe a sua confiança para gerir os destinos o país? Desde
há muito tempo que cheguei à conclusão de que os eleitores votam baseados em
sentimentos e não por critérios puramente racionais. Esse sentimento é induzido
pela interpretação da realidade que lhes é apresentada pelos próprios agentes
da política, mas também pelos numerosos comentadores televisivos, interessados
directa ou indirectamente naquilo que falam.
Essa percepção é resultado de uma
manipulação generalizada, muito difícil de desmontar, até porque os
destinatários preferem ouvir as boas às más notícias; por isso vão ganhando
afecto sobre quem lhes apresenta efabulações simpáticas, desgostando de quem,
não mentindo, lhes mostra apenas dificuldades e exigências, construindo
sentimentos que se vão reflectir mais tarde nas suas opções eleitorais. Não
preciso de concretizar, para que quem me leia saiba exactamente do que e de
quem me estou a referir, em todo o espectro político-partidário.
Por estarem
conscientes da importância do sentimento nas decisões eleitorais dos cidadãos,
os partidos constroem narrativas que apresentam ao eleitorado as quais, embora
partindo de bases ideológicas próprias, são mais das vezes cobertas com efabulações
como o creme que cobre os doces para atrair clientes. Essas narrativas são por
vezes estruturadas sobre teorias económicas apresentadas como científicas
quando, na verdade, só são verdadeiras perante determinadas situações concretas,
os tais pressupostos dos “estudos económicos”, bastando uma pequena variação de
um deles para toda a estrutura construída por cima ruir como um baralho de
cartas. Mas os políticos parecem ter necessidade de oferecer soluções
milagrosas, baseadas no que dizem ser “ciência política”, que prometem mundos e
fundos para o futuro, enquanto de caminho demonizam os adversários, sempre
apresentados como maus da fita. As narrativas assim construídas têm a vantagem
de esconder as verdadeiras opções ideológicas, mesmo aquelas cujo valor foi já
tantas vezes desmontado pela História, enquanto ajudam ainda a fazer esquecer as
próprias responsabilidades passadas nos tristes resultados presentes. É muitas
vezes visível que os próprios políticos ficam muitas vezes reféns das suas
próprias narrativas quando chegam ao poder, inventando malabarismos para
adaptar a realidade àquilo que defenderam, deixando os eleitores perplexos e
mesmo perdidos perante as incongruências e manifestações de hipocrisia, donde a
frase mais ouvida: “são todos iguais”.
E onde pára a
racionalidade de decisões no meio deste ambiente político? Quer do lado dos
decisores políticos presos nas suas narrativas, quer do lado dos eleitores
ávidos de boas notícias, fica muito pouco espaço para a racionalidade. É de
facto preciso ser dotado de uma grande solidez de personalidade, deter uma
larga base de conhecimentos em várias áreas, que não apenas de marketing
político, para se conseguir manter uma coerência política que origine decisões
minimamente sensatas e racionais para um observador externo. E só estas
permitirão inverter o caminho descendente da nossa economia perante as mais
desenvolvidas da Europa que se verifica desde o início deste século e que
continua, facto generalizadamente escondido dos portugueses, e que é resultado
da pura irracionalidade de muitas das decisões de quem nos tem governado.