Das últimas eleições saíram dez partidos com representação
parlamentar, um número até hoje nunca visto. Como novidades entraram o Livre, a
Iniciativa Liberal e o Chega, cada um com um representante. O PAN surpreendeu
ao obter 4 lugares, apenas menos um que o CDS que viu a sua representação
diminuída em treze lugares. Já o PSD perdeu dez lugares, ficando com 79
deputados. O BE manteve os seus 19 lugares, tendo a CDU perdido cinco lugares e
ficando com 12 deputados. O PS, ao ser vencedor das eleições, obteve mais vinte
e dois lugares ficando o seu grupo parlamentar com 108 deputados. Sobre quem
ganhou e perdeu, estes são os números.
Contudo, os números têm ainda outros significados, para além
da conversa habitual para enganar crédulos que é afirmar que o eleitorado quis
isto ou aquilo. Um significado profundo é o da abstenção que subiu a um valor
nunca antes visto, acima de metade do eleitorado: 51,43%. Pese embora se pressinta
um empolamento artificial dos cadernos eleitorais, é certo que há uma grande
parte de eleitores que não participam nesse momento crucial da vida
democrática, que são as eleições.
Como resultado das eleições, tudo mudou. O partido
Socialista é, desta vez, o maior partido e o PSD o segundo, numa alteração
radical da situação. Embora não tenha tido a almejada maioria absoluta, desta
vez o PS sente que está à vontade para governar, não necessitando de firmar
acordos escritos com os partidos que o apoiaram durante a anterior legislativa.
Basta-lhe lembrar, como o fez com completa clareza o ministro Santos Silva no
encerramento do debate do programa do Governo, e cito: "Só é possível retirar as condições básicas
de governação ao Governo do PS através da constituição de uma coligação negativa e contranatura entre o
centro-direita e direita e
todas as forças à esquerda do PS - e todos sabemos, na maioria parlamentar, que
isso seria uma traição ao nosso eleitorado".
Isto é, o PS sente-se finalmente na confortável situação de
ser o fiel da balança da democracia portuguesa que desde sempre almejou. Se na
anterior legislatura os acordos foram com a esquerda apenas para evitar o
governo da direita, nesta nova situação o PS considera-se o centro, o que lhe
permite ir acordando à esquerda ou à direita. Entretanto vai fazendo juras de
amor com a esquerda que lhe proporcionou a vantagem da paz nas ruas e nos
sindicatos nos últimos quatro anos, pelo que serão de prever negociações, mas
desta vez privadas.
O que nos traz à situação da direita, principalmente do PSD,
já que o CDS está com outros problemas que têm mais a ver com a sobrevivência a
curto prazo.
A questão do défice, que foi motivo de discussão e de
querela ideológica durante todo o século XX, foi finalmente ultrapassada por
força da pertença à União Europeia e ao Euro. À sua maneira, claro, o PS aderiu
às “boas contas” e mesmo o resto da esquerda fala agora apenas em evitar
grandes excedentes orçamentais que coloquem o investimento em causa, como o
disse o BE no Parlamento. Isto é, deixou de ser uma bandeira típica da direita
para ser hoje um consenso. Se houve alguma vantagem trazida pela “Geringonça”,
esta não será certamente a menor.
O PSD está, assim, perante uma situação completamente nova,
tendo que se assumir como alternativa ao PS, eliminando todo e qualquer
sentimento de que lhe possa servir de “muleta” como fizeram o BE e o PCP
durante 4 anos inteiros. Não poderá nunca deixar que se instale a ideia de que
o PS é o centro do regime e terá que encontrar os temas que lhe permitam
afirmar-se como a alternativa ao PS, sem o que se verá reduzido à irrelevância.
Até porque o sistema mexicano de um grande partido ao centro produz a
normalidade de que hoje tanto se fala como necessária, mas normalidade essa que
foge à mudança, não produz crescimento que se veja e só ajudará a esse lento
deslizar que já está a levar Portugal para o lugar de “lanterna vermelha” da
Europa.
Desenho reproduzido do jornal Público
Desenho reproduzido do jornal Público
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 4 de Novembro de 2019