Eis o número de vezes que os países europeus não cumpriram o défice de 3%.
Pelos visto a Grécia nunca cumpriu. Nós não andamos muito longe. Retrato miserável da despesa exagerada dos governos.
jpaulocraveiro@ gmail.com "Por decisão do autor, o presente blogue não segue o novo Acordo Ortográfico"
domingo, 15 de janeiro de 2017
segunda-feira, 9 de janeiro de 2017
Até sempre, Zé
Podem fazer-se
muitos ensaios científicos sobre o relacionamento entre as pessoas, que nunca
encontrarão o fundamento e a razão da Amizade. Sentimento que nasce de
companheirismo em boas horas e outras mais difíceis, de muitas horas de
conversa e de discussão e de algo mais profundo que tem a ver com alguma
empatia entre personalidades que, vistas de fora, até poderão parecer
completamente diferentes ou mesmo opostas. Diferentemente da pulsão erótica, a
amizade não pretende concretizar qualquer desejo e, por outro lado, ainda muito
menos obter algo do outro. Parte do gosto de estar com, de partilhar sem
compromissos nem necessidade de salvaguardar seguranças. Quando se constrói uma
amizade assim é para sempre e mantém-se apesar da distância, não necessitando
de juramentos. Nos reencontros, ainda que separados por anos, é como se a
conversa continuasse e não tivesse havido interrupção.
Há poucos dias
deixou-nos um grande Amigo, o Dr. José Manuel de Miranda Plácido dos Santos.
Personagem inconfundível, de grande brilho intelectual, marcou todos aqueles
que com ele contactaram ao longo da vida, e não foram poucos, dada a sua
capacidade de estabelecer relações. Senhor de uma grande personalidade, desde
muito novo que se habituou a ser independente, o que lhe conferiu um grande
grau de exigência, desde logo para com a sociedade de que detestava hipocrisias
que não admitia mesmo aquelas que todos nós nos habituámos a tolerar de certa
forma, mas fundamentalmente para consigo próprio.
A sua faceta
epicurista surgia quando à mesa com os amigos, suscitando longas conversas, em
que a boa disposição nunca andava longe, ainda que os temas fossem, como aliás
era muito frequente, de profunda densidade social, política ou mesmo filosófica.
Quando de alguma forma ajudava alguém a superar uma dificuldade, ao
agradecimento costumava responder com um sorriso aberto e a sua célebre frase
“os longos anos e a experiência dão-me a certeza de servir bem os meus
clientes”. E era assim, com a maior das simplicidades, que seguia adiante. Com esta
sua maneira de ser, não é de admirar o elevado número de amigos que conquistou
ao longo da vida, sem nunca distinguir classes sociais ou fortuna.
Poucos anos depois
de se licenciar em Direito, foi viver com a família para o Algarve, onde
construiu uma notável carreira de advocacia. A sua casa em Estômbar era um
poiso para todos os seus amigos de Coimbra, tendo a porta sempre aberta para os
receber com o seu carinho inexcedível.
Quis o destino que,
poucas semanas depois de celebrar os sessenta anos, fosse infectado por uma
mortífera bactéria ultraresistente ao fazer uns simples exames hospitalares na
terra que o viu nascer, Coimbra, e que rapidamente o levou da companhia dos
seus. Diz-se frequentemente que os melhores são os primeiros a partir e neste
caso é a perfeita verdade.
Infelizmente, as
circunstâncias da vida não me permitiram comparecer à sua festa dos sessenta
anos, nem às suas cerimónias fúnebres, mas não ficaria de bem com a minha
consciência se não deixasse aqui estas simples palavras. Coimbra perdeu certamente
um dos seus melhores filhos e, se é verdade que a amizade não se agradece, aqui
fica ao Zé Plácido o agradecimento por ter sido quem foi. Até sempre, Zé.
segunda-feira, 2 de janeiro de 2017
2017: Corridas em vias paralelas
Entrámos num ano
que já todos sabemos de antemão ir ser cheio de dificuldades, dramas e mesmo
confusões um pouco por todo o mundo. Depois de um ano em que por todo o lado se
tentou abafar ou apenas esconder a realidade dos cidadãos, os resultados dos
erros e mentiras vão surgir à luz do dia e, em muitos casos, não deverão ser
bonitos de se ver. Como se houvesse uma parte do mundo que tenta viver dentro
de um conforto habitual, enquanto outra parte resolveu acelerar e partir para
outra realidade que não tem nada a ver com aquela e que corre noutra faixa.
As mudanças
trazidas pela eleição de Donald Trump nos EUA vão ser catalisador para muitas
alterações no xadrez mundial e que ninguém pense que só terão implicações
internas. O eixo que já se vê em formação entre a Rússia e a América irá ter
grandes implicações económicas e, sobretudo, políticas. A auto-defesa dos dois
gigantes vai colocar um travão na globalização, o que de imediato provocará
reacção da actual grande fornecedora mundial de bens de consumo que é a China.
O exercício de António Guterres do cargo de Secretário Geral das Nações Unidas
vai ser muito mais difícil do que se poderia supor e só podemos esperar que ele
tenha mudado muito nos últimos quinze anos depois da fuga do “pântano”, para
que esse exercício seja um êxito, como todos desejamos.
Na Europa, as
eleições francesas já em Abril/Maio e as alemãs no Outono, trazem os
responsáveis europeus em fuga constante da realidade, esperando não agitar
muito as águas para evitar resultados catastróficos para a União. A presidência
de François Hollande, a todos os títulos lamentável, colocou Marine Le Pen
ainda mais perto de ser presidente da França do que nas últimas eleições, obrigando
a exercícios de malabarismo por todas as outras forças políticas. Por toda a
Europa se reza aos santinhos para que Angela Merkel vença as eleições alemãs,
mesmo por muitos cuja principal diversão nos últimos anos foi insultá-la e
desfazer na sua política. O que se passou nos patéticos referendos na
Grã-Bretanha e na Itália não é de molde a sossegar ninguém, não se percebendo
como o governo inglês e a Comissão Europeia continuam a assobiar para o lado,
fingindo não ver o enorme monstro que ali está a olhar para eles.
Em Portugal, parece
haver igualmente duas realidades que correm lado a lado. Para satisfação dos
burocratas da União Europeia, o país apresenta um número de défice de 2016 que
lhes evita terem que tomar decisões sempre difíceis, principalmente numa altura
em que aquilo de que querem menos ouvir falar é em mais sarilhos.
Que o número
seja atingido com o desaparecimento do investimento público que é, em função do
PIB, só o mais baixo dos últimos 60 anos e que os serviços públicos como a
saúde e a educação penem com dificuldades financeiras inauditas, isso não é
obviamente o problema deles. Já o crescimento da dívida a um ritmo de 40
milhões de euros por dia em todos os dias de 2016 deveria preocupá-los, mas lá
está, desde que o défice se cumpra, “no problem”. E para manter as taxas de
juro num valor aceitável, o Banco Central Europeu lá vai dando diariamente o
seu copinho de metadona aos viciados em dívida através da compra maciça de
dívida pública, enganando a realidade, evitando reformas e assim comprando
problemas ainda maiores no futuro, com os “malvados mercados” sempre à
espreita.
Como o discurso do
maior partido da Assembleia da República, circunstância que o facto de estar na
oposição não anula, é altamente inconveniente porque não tem alinhado com esta
realidade correndo na sua própria pista, abriu a caça à sua liderança. Como
argumentos, nada melhor que acenar com sondagens em que hoje em dia ninguém
acredita e salientar dificuldades na preparação das autárquicas que serão só no
próximo Outono. Quando surge um pouco mais de política nos discursos, lá surge
o estafado argumento de que o PSD já não é verdadeiramente social-democrata e
que agora está muito liberal. Parece que voltámos aos tempos da caça a Sá
Carneiro, desde os tempos do grupo de Sá Borges em 75 até aos inefáveis “Inadiáveis”
de Abril de 79 que, curiosamente, viram a AD ter maioria absoluta em Dezembro
do mesmo ano, todos eles sempre a bater nessa mesma tecla.
O ano de 2017 não
vai ser fácil para ninguém, por mais sorrisos que se mostrem em público. Só
podemos fazer votos para que Trump e Putin não façam demasiados disparates, que
a União Europeia sobreviva aos resultados eleitorais em França e na Alemanha e
que, entre nós, se consiga fugir a um destino que parece traçado e por que
tantos anseiam, já que os seus esforços para que tal suceda são enormes e
permanentes.
segunda-feira, 26 de dezembro de 2016
Natal em Aleppo
Depois de Varsóvia,
Estalinegrado, Dresden, Sarajev e Srebrenica, para referir
apenas algumas,
Aleppo é apenas a última cidade martirizada em que os habitantes, aqueles que
sobreviveram, se transformaram em refugiados cujas únicas memórias são as casas
desfeitas, e os familiares homens, mulheres e crianças despedaçados pela
guerra.
Já poucos se
lembrarão, mas a guerra na Síria começou com manifestações pacíficas em 2011
juntando Sunitas, Shiitas, Cristãos e Curdos contra o despotismo do Presidente
Bashar al-Assad. Este acusou-os a todos de serem terroristas e respondeu com
enorme violência usando de todas as armas, incluindo químicas, contra o seu
povo no que teve o apoio do Irão desde o início.
A partir de certa
altura, a radicalização do conflito levou a que entrassem tantos intervenientes
que é hoje quase impossível conhecer exactamente todas as forças no terreno e
quem está com quem em determinado momento.
O “exército livre da Síria”, única
força que apenas combaterá pela libertação da Síria da tirania de al-Assad é
apenas uma das forças, além do Hezbollah, da ex-Jabhat al Nusra, de facções da
Al-Qaida e, finalmente, do ISIS que, claro, quer estabelecer o “Califado”, para
além das forças armadas do regime. A intervenção de países estrangeiros,
directa ou indirecta, é um facto e tem importância decisiva no desenrolar da
guerra: o Irão, a Turquia, a Arábia Saudita e a Rússia envolveram-se de uma
forma ou de outra na Síria. Outros países têm tido intervenção militar no
território da Síria como a França os EUA ou a Bélgica, mas visando directamente
o ISIS e não tendo propriamente uma intervenção na guerra civil. O número de
mortos desta guerra civil ultrapassará os 400.000, havendo milhões de
refugiados nos países vizinhos.
A cidade de Aleppo
era, até há não muito tempo, a maior cidade da Síria. Tendo estado integrada na
zona ocupada pelo “exército livre da Síria” o regime, ultimamente apoiado pela
aviação russa, decidiu terminar com essa situação, custasse o que custasse, o
que está praticamente conseguido. A cidade está hoje praticamente destruída e
os últimos habitantes tentam fugir às atrocidades que têm sido cometidas pelos
soldados de Bashar, incluindo sobre mulheres e crianças, segundo os relatórios
das Nações Unidas. Nos últimos dias, cerca de 25.000 pessoas terão sido
evacuadas da zona oriental de Aleppo, temendo-se pela sorte das mais de 50.000
que ainda permanecem no interior da cidade cercada pelas forças do regime.
Entre os que
conseguiram sair e atingir a segurança da Turquia conta-se uma menina de sete
anos de idade chamada Bana Alabed que foi colocando na sua conta do Twitter
fotografias do que via nas ruas de Aleppo desde o passado mês de Setembro,
tendo conseguido uma enorme influência ao atingir o número de 352,000
seguidores.
As crianças serão
certamente quem mais sofrerá pela vida fora como testemunhas que foram dos mais
indizíveis horrores que a guerra pode provocar. Mais de 1.000 mulheres sírias
deram à luz nos campos de refugiados gregos no ano de 2016, não tendo as
crianças nascidas um país próprio, nem casa para morar, nem basicamente para
onde ir, num mundo que cada vez se mostra menos receptivo para com os
refugiados.
Segundo Mateus, há
pouco mais de 2.000 anos, numa zona bem próxima daquela em que hoje se
verificam estes acontecimentos, os pais de um menino recém-nascido chamado
Jesus decidiram não voltar para a sua casa em Nazaré e empreender uma viagem
para o Egipto.
Tornaram-se refugiados fugindo à tirania e maldade de um rei
chamado Herodes que, com medo de vir a perder o trono para uma criança desconhecida
mas que alguns prediziam que viria a tornar-se rei, decidiu mandar matar todos
os recém-nascidos da região.
O drama dos
refugiados é bem antigo. Novos são os Direitos da Criança e mesmo os Direitos
do Homem, tal como as convenções como a de Genebra que deveriam introduzir
regras mínimas de respeito, não só pelos soldados combatentes mas, acima de
tudo, pelos civis que nada têm a ver com as guerras dos poderosos. Direitos que
são muito bonitos no papel e para serem celebrados em dias próprios, mas que
são inúteis se só servirem para tempos de harmonia, logo sendo esquecidos
precisamente quando são mais necessários.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2016
“Não matar o mensageiro”
A História e os
clássicos são um bom instrumento para não nos deixarmos enganar pela chamada
espuma dos acontecimentos e pela apressada interpretação do que por todo o lado
nos é oferecido como sendo a realidade, deixando os realistas como sendo os
maus da fita.
Mais de trezentos
anos antes de Cristo, o exército do rei da Pérsia Dario III foi derrotado por
Alexandre o Grande, na batalha de Issus. Dario havia sido avisado por
Charidemos sobre as possíveis más consequências das suas decisões estratégicas,
dado que este último conhecia bem os exércitos de Alexandre. Dario não gostou
do que ouviu e matou Charidemos que, na realidade, lhe tinha transmitido a
verdade honestamente, tendo-se tornado incómodo por isso mesmo.
No século XIII, o
mongol Gengis Khan conquistou um enorme império, sendo conhecido até aos dias
de hoje por vários aspectos inovadores, como a liberdade religiosa ou um
serviço de correio montado em que os mensageiros oficiais podiam percorrer até
200 quilómetros por dia. Ficou também conhecido pela sua brutalidade,
estimando-se que nas suas guerras tenham morrido dezenas de milhões de pessoas.
E ficou célebre a sua sistemática reacção quando os mensageiros lhe traziam más
notícias, que era a morte imediata dos mesmos.
Hoje em dia e entre
nós a soberania está no povo, pelo que é a ele e às suas instituições que os
mensageiros fazem chegar as notícias de que são portadores. E o curioso é que,
de facto, as reacções são muitas vezes semelhantes às dos antigos reis. Quer no
momento em que se tomam decisões de escolha, quer ainda anteriormente na fase
das “sondagens”, a posição de recusa das más notícias parece-se muito com o que
os antigos ditadores faziam. A diferença estará em que a “morte política” é
agora muitas vezes o destino dos que trazem a verdade desagradável,
principalmente quando o fazem antes da chegada das consequências, como sucedeu
com o velho Charidemos.
Já Platão mostrou na
sua “alegoria da caverna” como as pessoas têm dificuldade de sair da sua zona
de conforto, ainda que não constitua mais do que um mundo irreal e falso,
habituando-se a ele de tal forma que se recusam a aceitar a realidade e o mundo
como ele é verdadeiramente e não o casulo em que se fecham. Nessa caverna,
vivem seres humanos que ali estão desde que nasceram, não conhecendo o mundo
exterior. Podem, no entanto, ver sombras projectadas na parede do fundo de
pessoas que passam no exterior, sombras essas que para eles são a realidade. Se
por acaso um dos habitantes da caverna vier para o exterior, a luz do dia quase
que o cegará, impedindo-o de ver bem a realidade; ao regressar à sua “segurança
habitual” da caverna, a escuridão não deixará ver alguma coisa, porque já
habituado à luz. Pior ainda, os seus antigos companheiros virar-se-ão contra
ele, mensageiro que ele era da realidade exterior em que não acreditavam e de
que tinham medo.
Na nossa realidade
actual deveremos perguntar-nos se, de facto, o ambiente cultural e social
essencialmente criado por uma comunicação social homogénea que aceita
acriticamente a propaganda como se de informação se tratasse, não constitui uma
redoma artificial fofa e agradável na qual a maioria se convence de que é
possível viver eternamente, rejeitando os mensageiros quem a avisam de que não
é assim. Prefere-se viver como se fosse possível não haver nunca necessidade de
sair da caverna para o mundo exterior da realidade, o que, mais cedo ou mais
tarde acaba por levar à destruição dos mitos criados, obrigando a dor e
sacrifícios generalizados. Já aconteceu no passado e voltará a acontecer. E
certamente, poderemos ver de novo aqueles que perseguiram os mensageiros da
realidade acusá-los do sucedido, recusando as suas próprias responsabilidades,
como Platão bem ensinou.
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