segunda-feira, 5 de abril de 2021

Maldita Inquisição


A Mesa de Lisboa do Santo Ofício condenou em 15 de Fevereiro de 1820 uma mulher de Leiria a reconhecer e pedir perdão por escrito pelas suas faltas de fé que tinha transmitido em confissão ao sacerdote o qual, como tantas vezes aconteceu, a denunciou à Inquisição. Terá sido esta a última sentença ditada pela Inquisição, em Portugal. Por sua vez, a última condenação por judaísmo tinha acontecido em Abril de 1805. Nesse mesmo ano um padre foi condenado por ateísmo. Em 1773 ocorreu em Goa o que foi provavelmente o último auto da fé da Inquisição portuguesa em que dois homens e uma mulher foram condenados à morte por gentilidade.

A 31 de Março de 1821, passaram agora duzentos anos, na sequência da revolução liberal as Cortes Constituintes aprovaram o decreto que extinguia finalmente a Inquisição, tendo Manuel Fernandes Tomás considerado que a razão para a extinção se devia a «ser incompatível com um país de homens livres». Com alguma ironia histórica a proposta para a extinção deveu-se ao deputado Francisco Simões Margiocchi que em 1797, enquanto estudante de Coimbra, havia sido denunciado ao Santo Ofício pelo intendente Pina Manique, por partilhar escritos contra a Inquisição.

A Inquisição tinha-se estabelecido em Portugal 285 anos antes, em 1536, pela mão do rei D. João III, promulgada pelo Papa Paulo III depois de tentativas falhadas nesse sentido durante algumas dezenas de anos. A Inquisição tinha sido fundada em Espanha em 1478, país de onde os judeus começaram por ser expulsos, tendo muitos deles vindo para Portugal. A vontade do rei D. Manuel de desposar a Infanta D. Isabel filha dos Reis Católicos levou-o a pedir a instituição da Inquisição em Portugal, embora tal só tenha vindo a suceder durante o reinado do sucessor. Mas foi ainda durante o reinado de D. Manuel que a primeira perseguição aos judeus começou a sério em Portugal quando em Abril de 1506 foram massacrados em Lisboa centenas de judeus convertidos na chamada «matança da Páscoa». O ambiente estava criado e nem a reacção de D. Manuel ordenando a execução dos três frades que tinham dado início à violência popular acalmou os ímpetos anti-judaicos.


A verdade é que os efeitos do novo Tribunal do Santo Ofício que agregava interesses da coroa e religiosos fizeram-se sentir logo muito rapidamente depois da sua criação. O primeiro auto da fé da história da Inquisição portuguesa ocorreu logo em 1540 em Lisboa, sendo executados dois homens. Em 1537 a Universidade foi definitivamente transferida para Coimbra e quando em 1541foi criado o tribunal da Inquisição em Coimbra, o reitor da Universidade, o frade dominicano Bernardo da Cruz, foi nomeado presidente da mesa, no que constituiu o início de uma longa e profunda colaboração entre as duas entidades.

Além das mesas distribuídas pelo território, em Évora (a primeira), Lisboa, Coimbra, Lamego e Porto, a Inquisição passou a ter na década de 60 do século XVI, sob a direcção do cardeal Infante D. Henrique irmão de D. João III, uma intrincada rede por todo o país, constituída pelos «familiares» leigos do Santo Ofício que gozavam de vários privilégios pela sua actividade e ainda os clérigos designados por comissários que representavam localmente o tribunal.

Durante os 285 anos da sua existência a Inquisição portuguesa sentenciou um total de mais de 45.300 processos, dos quais 10.388 em Coimbra. Das quase 30.000 pessoas condenadas, terão sido queimadas vivas cerca de 1.175.

As mentiras e falsas acusações provocadas por invejas e inimizades pessoais encontraram terreno fértil com a Inquisição em que a defesa dos acusados era praticamente impossível. O caso de Damião de Góis será paradigmático. Figura maior do renascimento português, conviveu de perto com Erasmo, foi embaixador de D. João III e escreveu a crónica de D. Manuel I. Pois, mesmo assim, foi vítima de denúncia e acabou preso para toda a vida, abandonado em condições miseráveis que lhe afectaram gravemente a saúde e lhe ditaram a morte. Saliento este caso, porque é demonstrativo de como mesmo a cultura e a inteligência de pouco valiam perante acusações falsas e caluniosas, misturando invejas, inimizades, interesses políticos e outros.

Penso ser pacífico supor que uma duração de quase três séculos de um ambiente social corroído pelo medo, pela traição e pela delação não sucedeu sem que tal tivesse consequências profundas e persistentes na nossa sociedade e mesmo numa certa maneira de estar e ser dos portugueses. Suspeito mesmo que ainda hoje se poderão detectar entre nós traços de alguma submissão acompanhada de inveja e matreirice que ajudam a que não nos afirmemos como podíamos e devíamos no mundo. Tal como é perfeitamente visível que, mesmo em ambientes com alguma religiosidade, é raro que algum anti-clericalismo deixe de estar presente.

Lembrar o que foi a Inquisição entre nós é importante, não só para conhecermos a História de Portugal, mas também para melhor entendermos o que somos hoje. Recomendo vivamente a leitura da «História da Inquisição Portuguesa» da autoria de José Pedro Paiva (Universidade de Coimbra) e Giuseppe Marcocci onde colhi algumas preciosas, e provadamente correctas, informações sobre a acção do Santo Ofício no nosso país.
 
Publicado originalmente no Diário de Coimbra, em 5 de Abril de 2021
Imagens recolhidas na internet

 

segunda-feira, 29 de março de 2021

Masculinismo/feminismo

 


Se há uma mudança substancial que se está neste preciso momento a verificar na sociedade portuguesa, e que hoje já é possível mensurar, é o papel das mulheres. Todos sabemos que essa mudança se iniciou com uma primeira consciencialização da sua situação por parte das mulheres no início do Séc. XX tendo o feminismo tido um papel importante na mudança. Nos anos 60 deu-se um passo essencial com a vulgarização da utilização de novos e eficazes métodos contraceptivos, nomeadamente a pílula, que permitiu às mulheres definirem a sua maternidade, escolhendo ter ou não filhos e quando. Abriu-se assim às mulheres o mundo laboral em quase igualdade com os homens, sendo que esse «quase» tem sido objecto de tentativas de anulação através de leis de protecção às mulheres na maternidade. E, com o objectivo de assegurar a igualdade plena, nos nossos dias a legislação laboral já proíbe que haja pagamento diferenciado a homens e mulheres, para o mesmo trabalho.

Fruto dessa evolução, a situação é hoje completamente diferente de há escassas dezenas de anos. Às profissões em que tradicionalmente havia mais mulheres do que homens, como no ensino ou na enfermagem, juntam-se agora outras profissões de grande relevância social: médicas-56%, magistradas-62% e advogadas-55%. Dado que das universidades saem mais mulheres diplomadas (58%) do que homens, é perfeitamente lógico que dentro de pouco tempo os cargos de chefia nos sectores público e privado sejam maioritariamente ocupados por mulheres. Aliás, se formos ver os ganhos médios mensais de homens e mulheres no sector público, verificamos que o das mulheres é de €1.184 e o dos homens de €1.057. Isto significa claramente que as mulheres que trabalham no Estado têm mais formação do que os homens, que ocuparão cargos de menor qualificação e mais braçais. Só por curiosidade, e para comparação, em termos gerais os homens têm em Portugal um ganho médio de €1.039 e as mulheres de €888,60.


Estas mudanças não se deram, nem estão a dar, sem choques na sociedade, em particular com muitos homens ainda culturalmente dominados por um machismo retrógrado ou mesmo por um marialvismo incutido na educação durante séculos que se pode bem sintetizar num conselho que as próprias mães davam aos filhos homens na sua juventude: «namora-as a todas, mas não cases com nenhuma».

Regressando às estatísticas, não posso deixar de referir alguns dados que nos devem fazer pensar e chamar para os caminhos que ainda falta percorrer: a taxa de alcoolismo é maior entre homens, a taxa de suicídio é maior entre homens, há mais sem-abrigo homens que mulheres, a taxa de abandono escolar precoce foi, em Portugal, em 2020, mais do dobro entre rapazes do que entre raparigas. Será difícil não concluir que, pelo menos em parte, as alterações sociais têm muita dificuldade em ser compreendidas ou integradas por parte do lado masculino da sociedade.

E é por isso que chamo «masculinismo» à nova atitude dos homens perante as alterações profundas da sociedade, nomeadamente nas relações entre homens e mulheres. Relação essa que deve ser de igualdade de oportunidades e de deveres, em respeito pelas circunstâncias comuns mas também pelas particularidades que estabelecem as diferenças. Daí que o masculinismo e o feminismo devam caminhar lado a lado e não em sentidos opostos. Como já escrevi anteriormente, homens e mulheres são as duas faces de uma mesma moeda. São o resultado de milhões de anos de desenvolvimento natural e têm diferenças essenciais e inultrapassáveis a nível genético, isto é, no mais íntimo do ser, que se manifestam nos mais diversos aspectos do corpo e mesmo do comportamento, que se conjugam numa complementaridade natural mas complexa. Aspectos sociais que são vulgarmente apontados como importantes não passam disso mesmo: aspectos exteriores herdados de modas e hábitos sem qualquer importância fundamental. Por exemplo, ouço muito dizer que as mulheres progrediram quando puderam passar a usar calças em vez de saias e é verdade, já que é um vestuário que permite maior liberdade de movimentos. Já quando ouço dizer que os homens também progrediriam se usassem saias lembro que nada proíbe que o façam e que há locais onde os homens as usam tradicionalmente, por exemplo na Escócia só que, na realidade, tal uso é mais uma manifestação de virilidade ostensiva, quando não mesmo algo violenta, do que outra coisa. Virilidade que, evidentemente, faz parte da sexualidade masculina e que pode e deve ser salutar e não animalesca porque, lá está, a humanidade é resultado de milhões de anos de evolução, distinguindo-se também aqui do resto do reino animal.


Na realidade os novos papéis da mulher a ser considerada, respeitada e amada pelo homem como completa e inteira, no corpo e personalidade, implicam toda uma nova e diferente construção do relacionamento masculino /feminino numa base de partilha e respeito mútuos. Os homens deverão, contudo, ser defendidos de se cair num extremo que baila já em alguns meios feministas, no qual os homens perderiam a paternidade passando a ser apenas produtores e fornecedores de gâmetas a recolher/comprar num qualquer banco de sémen. Assim se substituiria o amor pelo comércio. Masculinismo, precisa-se mesmo, também.
 
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 29 de Março de 2021
Fotos recolhidas na internet

MAL GERAL

 Como povo costuma dizer, «então é assim»:

O presidente da República promulga uma lei aprovada na AR por todos os partidos excepto o PS, que estipula apoios COVID que foram prometidos pelo PS mas não incluídos no Orçamento de Estado. Todos mal na fotografia. Todos, com PR e PM à cabeça.




domingo, 28 de março de 2021

CARGA FISCAL RECORD

 A notícia diz que é ao contrário do esperado pelo governo. Mas  é a triste realidade que temos.

 

 
 
 
 

 

segunda-feira, 22 de março de 2021

O vasto mundo das grandes pintoras portuguesas


Há uma semana celebrou-se o dia internacional da Mulher. Marca histórica da afirmação das mulheres cujas obras, durante séculos, e em particular no domínio artístico, foram desconsideradas de uma forma inadmissível havendo, por exemplo, muitas mulheres compositoras e pintoras que ainda hoje são pouco conhecidas da população em geral. Mais do que andar para aí a obrigar a alterar linguagens, parece-me muito mais importante relevar a obra de mulheres que marcaram a sociedade e a tornaram melhor, pela sua Arte. Ao longo dos anos tenho abordado nestas linhas a vida e obra de algumas grandes artistas que se dedicaram à pintura de uma forma excepcional. Recordo, nomeadamente, as crónicas dedicadas a duas artistas excepcionais no domínio da pintura: Josefa de Óbidos e Artemisia Gentileschi, a primeira nascida em Espanha, tendo vivido quase toda a sua vida em Portugal e a última italiana, ambas do  Sec. XVII.

De entre as mulheres portuguesas pintoras do nosso tempo, algumas há que se tornaram figuras incontornáveis da Cultura portuguesa. Cito apenas algumas dessas grandes pintoras, todas elas personagens fascinantes, sabendo que de fora desta lista ficarão injustamente muitas outras.

Maluda, nascida na antiga Índia portuguesa e que nos deixou com o final do Sec. XX, abordou nas suas pinturas retratos, paisagens urbanas e elementos arquitectónicos, de que as suas janelas são justamente famosas. O trabalho artístico de Maluda é grandemente admirado, havendo reproduções das suas «janelas» pelo mundo inteiro, e foi também reconhecido pelo Estado português, que lhe atribuiu a Ordem do Infante Henrique.

Sarah Affonso foi aluna de Columbano na Escola de Belas Artes de Lisboa e, na década de 1920, esteve por duas vezes em Paris onde expôs, tendo regressado a Lisboa integrando-se com êxito no movimento modernista, de que foi figura de proa. Em 1934 casou com Almada Negreiros e, se nos primeiros anos de casamento produziu alguma da sua obra mais importante, a partir de certa altura praticamente abandonou a pintura. Em 1981 recebeu a Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.


Maria Helena Vieira da Silva foi, muito justamente, considerada uma das maiores pintoras do sec. XX, a nível mundial. Nascida em Lisboa em 1908, estudou na Academia de Belas Artes de Lisboa tendo, a partir dos anos 20, partido para Paris onde continuou os seus estudos artísticos integrando-se nos meios modernistas da capital francesa onde passou a viver permanentemente após o seu casamento com o pintor húngaro Árpád Szenes. Após o final da II Grande Guerra, regressaram a Paris, de onde tinham saído com o advento do Nazismo, onde desenvolveram as suas actividades artísticas. Vieira da Silva teve uma carreira artística notabilíssima reconhecida, em França onde se tornou Dama da Ordem Nacional da Legião de Honra em 1979, e depois do 25 de Abril em Portugal, tendo-lhe sido atribuídas as condecorações da Grã-Cruz da  Ordem Militar de Sant'Iago da Espada e a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.Tendo falecido em 1992, em Lisboa merece ser visitado o Museu da Fundação Árpád Szenes-Vieira da Silva às Amoreiras.

Graça Morais é uma pintora nascida em 1948 em Trás-os-Montes, tendo estudado pintura na Escola Superior de Belas Artes do Porto. Entre 1976 e 78 viveu em Paris, como bolseira da   Fundação Calouste Gulbenkian. A sua produção artística tem sido muito intensa e de uma qualidade reconhecida em Portugal e no estrangeiro – Brasil, Estados Unidos, Espanha. França, China/Macau, entre outros países, tendo participado em inúmeras mostras e exposições colectivas e individuais. Em 1997 foi editado o livro «Graça Morais», com textos de  Vasco Graça Moura e Sílvia Chico. Foi distinguida com o grau Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

Paula Rego dispensa apresentações sendo, desde há bastantes anos, considerada como uma das maiores pintoras da actualidade. Nascida em Lisboa em 1935, em 1952 partiu para Londres, onde estudou na Slade School of Fine Art escola onde, na década de 80, passou a ser professora convidada. A sua entrada para as colecções do Tate Museum marcou decisivamente o seu lugar na pintura, tornando as suas obras que nunca deixam de provocar emoções fortes em quem as vê, famosas e consideradas em todo o mundo. Paula Rego viu a ser obra ser homenageada um pouco por todo o lado, salientando-se a Grã-Cruz da Ordem de Sant'Iago da Espada e a nomeação «Dame Commander of the Order of the British Empire»  pela sua contribuição para as Artes pela Rainha Isabel II. Em Cascais foi construída a Casa das História para albergar parte da sua obra e ali poder ser apreciada por todos.

Muitas outras pintoras portuguesas merecem lugar de destaque, devendo-se nomear Joana do Salitre no sec. XVIII, Josefa Greno no sec. XIX, Mily Possoz, Ilda David ou Ana Vidigal na actualidade.


Há, no entanto, outra grande pintora portuguesa que não posso deixar de aqui salientar. Aurélia de Sousa estudou na Academia de Belas Artes do Porto, tendo participado em numerosas exposições. Estudou seguidamente em Paris e desenvolveu um estilo próprio, naturalista e realista, mas com influências impressionistas que a colocam entre os melhores artistas da pintura portugueses do seu tempo. Faleceu em 1922 apenas com 55 anos de idade. O seu auto-retrato com capa vermelha, em exposição no Museu Nacional Soares dos Reis, é razão mais do que suficiente para uma viagem ao Porto

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 22 de Março de 2021 

Fotos retiradas da Internet

quinta-feira, 18 de março de 2021

PATENTES DE VACINAS

 

 As vacinas para o COVID-19 foram desenvolvidas muito mais rapidamente do que é normal.

Ao contrário do que também é normal, as empresas farmacêuticas  receberam contribuições financeiras muito elevadas de governos e organizações não lucrativas.

Exemplos tirados da imprensa (Jornal de Notícias):

No total, os governos contribuíram com 7 mil milhões de euros, as organizações não lucrativas dispenderam 1,6 mil milhões de euros e as farmacêuticas gastaram 2,8 mil milhões de euros, segundo a empresa de análise de dados científicos Airfinity, citada pela BBC.

Por exemplo, a vacina da Pfizer/BioNTech, que já começou a ser administrada no Reino Unido, de um total de 443 milhões de euros, recebeu 218 milhões de governos e 109 milhões de investidores privados.

A Moderna, que investiu 647 milhões de euros, recebeu 654 milhões em apoios públicos.

E a vacina da Oxford/AstraZeneca, de um total de 1,8 mil milhões de euros, recebeu 1,2 mil milhões de governos e 545 milhões de organizações não lucrativas.

 As patentes têm que existir, caso contrário na próxima pandemia não haverá corrida à produção de vacinas. Mas, neste caso, têm que ter os financiamentos públicos em causa.