segunda-feira, 9 de maio de 2022

AMOR-PRÓPRIO DE COIMBRA

 


Dois acontecimentos estão a marcar os dias que passam na nossa Cidade: a Académica OAF caiu para a terceira divisão, independentemente da designação que lhe dêem e a candidatura de Coimbra a capital europeia da Cultura em 2027 não passou à fase seguinte.

Se qualquer uma das situações tem a capacidade de, só por si, deitar abaixo o nosso amor-próprio colectivo, a simultaneidade da sua ocorrência é algo de perturbador e acabrunhante, não sendo possível esconder nem tão pouco esquecer esta realidade que nos bateu à porta.

Numa época que iniciou com a vontade expressa de voltar à primeira divisão, a Académica está, a duas rondas do fim, em último lugar a 13 pontos do penúltimo. Até agora teve 3 vitórias, 7 empates e 22 derrotas. Pior seria sempre possível, mas era difícil. E é assim que, pela primeira vez da sua história de 134 anos, a Briosa cai para a terceira divisão, escassos dez anos depois de ter vencido a Taça de Portugal. A situação dramática do clube a nível desportivo é certamente resultado de problemas até agora insolúveis a nível de gestão, em particular no aspecto financeiro. Aliás, sinal disso mesmo é a não apresentação de listas para as eleições dos órgãos do clube na primeira data anunciada para o efeito, obrigando os actuais dirigentes a continuar em funções. Dois aspectos retenho neste momento. Em primeiro lugar, o presidente Pedro Roxo terá afirmado que «a história do clube irá fazer a Académica reerguer». Nada de mais errado! O que fará reerguer a Académica não é a sua história que é passado, embora de orgulho, e sim soluções organizativas e trabalho, muito trabalho humilde. E, já agora, capacidade de unir as diversas entidades representativas de Coimbra em torno de um projecto. Depois, não é só a Direcção que é responsável pela actual situação lamentável. São todos os órgãos do Clube que trouxeram a Académica até aqui e é essencial que a Cidade sinta unidade no interior do Clube, ou nunca disponibilizará os necessários apoios para virar a situação.


Sucede que na Académica ninguém veio acusar os árbitros pelos maus resultados desportivos obtidos, o que é de saudar, até pela excepção que constitui no conturbado mundo do futebol profissional em Portugal. E será talvez por esta circunstância que a reacção da comissão responsável pela candidatura de Coimbra a capital europeia da Cultura 2027 se torna mais notória e mesmo chocante ao optar por uma «futebolização» da Cultura ao nível mais baixo

De facto, após o conhecimento público do relatório do Júri que avaliou as candidaturas das diversas cidades candidatas, aquela comissão veio acusar o júri de alegadamente não ser imparcial tendo à partida uma posição contra Coimbra e mesmo de não ter lido o livro que corporizava a candidatura da nossa Cidade. Soube-se agora que a comissão organizadora enviou mesmo uma comunicação à organização europeia responsável pela escolha queixando-se disso mesmo tendo, como é evidente, recebido resposta adequada e a acabar com a questão. Os elementos da comissão organizadora não se apercebem de que, ao introduzirem um factor de batota na escolha estão, para além de demonstrar mau-perder, não só a descredibilizar um processo tão importante como escolher a capital europeia portuguesa da cultura em 2027, mas também a lançar um anátema sobre as candidaturas das cidades que passaram à fase seguinte?


E os cidadãos perguntam-se como se tornou possível que a Cultura em Coimbra, ao mais alto nível, tenha optado por seguir os passos do futebol naquilo que tem de pior, demagógico e auto-desresponsabilizante, que é acusar os árbitros pelos maus resultados? Tenho encontrado numerosas pessoas, mesmo algumas que apoiaram em geral o caminho seguido pelo «grupo de trabalho», que ficaram chocadas com a reacção dos seus responsáveis, embora por diversas razões calem em público esse profundo desagrado a que alguns chamam mesmo vergonha.

Como já escrevi neste espaço anteriormente, a candidatura de Coimbra não começou bem e não era minha intenção voltar ao assunto, mas senti ser necessário dar voz ao descontentamento que corre na Cidade e, quem não deve, não teme. Infelizmente, como para dar razão à voz do povo, a candidatura acabou mal, já que "o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita". Foi o que aconteceu, muito para lá da não inclusão no lote das candidaturas que passaram à fase seguinte, a quem Coimbra deveria, desportivamente, felicitar e desejar as maiores felicidades. E aprender para o futuro, já que águas passadas não movem moinhos.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 9 de Maio de 2022

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 2 de maio de 2022

A tragédia de viver em guerra

 


Até ao passado dia 24 de Fevereiro a vida decorria na Ucrânia como em qualquer outro país, em normalidade pacífica, tal como todos nós felizmente a conhecemos. Os problemas da população ucraniana tinham a ver com o crescimento económico, mas também sobre como pagar mensalmente as contas da casa, como ter emprego, como levar as crianças à escola ou como ir ao hospital tratar das doenças, pagar as multas do carro, etc. As pessoas morriam por doença ou por velhice e amavam-se e casavam ou divorciavam-se, se fosse caso disso, e emigravam livremente para outros países, claro que países europeus com melhores condições económicas como é o caso do nosso país, onde recebemos muitos ucranianos nos últimos anos. O modo de vida dos ucranianos era basicamente muito semelhante ao nosso, em toda a Europa ocidental, havendo até eleições em que os extremistas, que os há lá como em todo o lado, obtinham resultados perfeitamente irrelevantes. O desejo da Ucrânia, como país, era também vir a pertencer à União Europeia.

Até ao passado dia 24 de Fevereiro.

Nesse dia o inferno entrou pelas portas dos ucranianos adentro. A invasão russa determinada por Putin destruiu de forma quase instantânea essa vida normal. Já escrevi noutras crónicas sobre os motivos desta guerra iniciada pelo presidente russo e sua clique político-militar e sobre as consequências que já está a provocar em todo o mundo, quer militar, quer política e economicamente, de que todos já estamos a sofrer e que, na realidade, evoluem diariamente. Hoje tento apenas chamar a atenção para o que uma guerra provoca num povo que até aí vivia normalmente, em paz.


Todos vemos na televisão as casas destruídas, prédios esventrados, incluindo escolas, maternidades e hospitais e bairros inteiros transformados em pó. Mais cedo ou mais tarde tudo isso vai acabar por ser recuperado, embora com sacrifício. Mas as vidas das pessoas que lá viviam, que lá tinham as suas famílias, essas estão destruídas para sempre. Muitas delas, literalmente, porque os mortos civis são aos milhares, um pouco por todo o país. Muitas delas mortas dentro das suas casas bombardeadas e outras assassinadas nas ruas quando tentavam fugir da guerra com as famílias nos seus carros ou mesmo quando pacificamente circulavam de bicicleta. Já morreram centenas de crianças nesta invasão sem qualquer respeito por direitos humanos e convenções internacionais, como não há memória de outra tão bárbara na Europa. A mortandade é tão grande que, para além dos assassinos russos tentando esconder a sua barbárie, também sobreviventes ucranianos tiveram que enterrar os seus conterrâneos em valas comuns por falta de condições para enterros decentes.


Mas as vidas dos sobreviventes também dificilmente serão as mesmas. Muitas mulheres e raparigas jovens foram violadas por soldados russos, por vezes de forma colectiva, fazendo recordar o que se passou em Berlim em 1945 aquando da chegada do exército vermelho. Poderão não o dizer mas nunca mais esquecerão estes dias trágicos. Muitos dos que sobreviveram até hoje fizeram-no escondendo-se em abrigos e nas caves de edifícios. Semanas a fio na escuridão sem protecção para o frio, sem electricidade nem água canalizada, com a pouca comida aquecida em fogueiras como na idade da pedra.

Tudo isto para além dos mais de cinco milhões de refugiados situação que a Europa não via desde a Segunda Grande Guerra e ainda dos milhões que tiveram que deixar as suas casas, embora sem saírem do país.

A guerra muda tudo e deixa marcas para sempre. E as maiores são nas pessoas que sobrevivem. As memórias dolorosas não desaparecem, tal como as próprias relações entre os povos dantes irmãos serão gravemente afectadas, ainda que os responsáveis pelas guerras sejam os dirigentes políticos do momento e não os simples cidadãos cujo maior desejo é viver em paz.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 2 de Maio de 2022

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 25 de abril de 2022

VIVEMOS EM DEMOCRACIA. Graças ao 25 de Abril


 Festejam-se hoje 48 anos sobre o 25 de Abril que trouxe a Portugal a Liberdade e o início do regime democrático em que vivemos desde então.

Data de simbolismo especial porque são passados 48 anos sobre o fim de um regime político que tinha tido início precisamente 48 anos antes, na sequência da revolução militar que se iniciou em Braga em Maio de 1926. Os militares comandados pelo Gen. Gomes da Costa tomaram o poder notoriamente sem saber bem o que fazer com ele, saberiam apenas que queriam acabar com a República, que ficou conhecida como a Primeira. E acabaram por entregar esse poder a Oliveira Salazar que tomou posse como Presidente do Conselho de Ministros em 5 de Julho de 1932 dando início a um regime ditatorial montado de acordo com a sua vontade a que chamou «Estado Novo». Só abandonaria o cargo em 1968 após uma queda que o incapacitou, sendo substituído por Marcello Caetano que deu continuidade ao regime, com algumas alterações, mais de nome que de substância. Continuou a haver censura, partido único, polícia política e tribunais plenários, para além de legislação social anacrónica como a inferiorização das mulheres, constituindo uma excrescência política apenas acompanhada por Espanha numa Europa ocidental saída da Segunda Guerra Mundial com regimes democráticos liberais generalizados.

E, fundamentalmente, Portugal estava em guerra com forças independentistas em África desde 1961, com teatros de operações na Guiné, em Angola e em Moçambique. Após tantos anos em guerra, numa guerra solitária uma vez que todos os países europeus com impérios haviam já procedido à descolonização, centenas de milhares de jovens portugueses tinham já passado pelas fileiras, com milhares de mortos e feridos com gravidade, para além dos problemas psiquiátricos provocados pelo stress traumático.


Observando a partir dos dias de hoje, é evidente que o regime que se auto-intitulava de «Estado Novo» estava moribundo. Em 25 de Abril de 1974 militares dos três ramos das Forças Armadas que constituíram o «Movimento das Forças Armadas» deram-lhe o golpe fatal, sem que praticamente tenha reagido. Revolução dos cravos, ou revolução sem sangue, assim ficou conhecida. Apenas um ano depois do 25 de Abril de 74 os portugueses maiores de idade, todos os portugueses pela primeira vez, exerceram o direito democrático de votar escolhendo quem pretendiam que os representasse na Assembleia Constituinte de que sairia a nova Constituição promulgada em 1976, estabelecendo as bases do regime democrático cuja fundação hoje celebramos. Claro que se seguiu um período conturbado de definição de caminhos a seguir mas também de aprendizagem de vida democrática, que terminou em Novembro de 1975, após o que se entrou na normalidade democrática.


O tempo foi levando o que era acessório, decantando o essencial. Foi assim que muitos dos heróis daqueles dias fundacionais foram mostrando as suas fragilidades, fossem generais, almirantes ou simples civis. O tempo acabou por mostrar quem foi verdadeiramente herói e sempre o foi pela vida, de forma humilde, mas sem nunca se desviar do seu caminho da verdade e da justiça. E, ao fim de todos estes anos, uma figura simples emerge como o verdadeiro símbolo desse espírito de libertação da tirania, sem pedir absolutamente nada em troca para si, sempre com verdadeiro respeito pelo povo de que provinha e de que nunca se separou. O Capitão Salgueiro Maia foi de facto a figura maior daquele dia, quer na forma serena mas decidida com que enfrentou as dificuldades no Terreiro do Paço e na Av. Ribeira das Naus, mas também no Carmo. Os portugueses ficaram a dever-lhe muito, muito mais do que se imaginava e, sem ele, os Generais e Comandantes da Junta de Salvação Nacional não teriam certamente podido surgir à noite na RTP como o fizeram.

Mas há outra figura nacional ligada ao 25 de Abril, merecedora de todo o nosso respeito e admiração, que também manteve sempre uma atitude humilde, sendo uma das figuras maiores da nossa Cultura, José Afonso, de quem aqui deixo a primeira estrofe, cheia de significado, do tema que acabou por ser senha do 25 de Abril:

Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

 

Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 25 de Abril de 2022

Imagens recolhidas na internet

segunda-feira, 18 de abril de 2022

UMA NOTA DE RODAPÉ DA HISTÓRIA

 


Enquanto o PS inicia um terceiro mandato governativo consecutivo, desta vez com maioria absoluta, o PSD afundou-se numa baixíssima representação parlamentar, preparando-se agora para finalmente iniciar uma nova orientação política com uma liderança também nova que, eventualmente, o possa recolocar numa posição de vir a discutir eleitoralmente uma vitória com o PS. Enquanto a política tem horror ao vazio, a Democracia exige que os cidadãos disponham permanentemente de respostas alternativas a quem governa, com capacidade de não só proporem programas diferentes, mas também de apresentarem pessoas que se perceba serem capazes de os concretizar. No panorama partidário português, só um partido surge ainda hoje com essa capacidade, o PSD, embora tenha notoriamente perdido grande parte da sua capacidade de intervenção política, para além da diminuição do peso político eleitoral e consequente enfraquecimento a nível de lugares eleitos, local e nacionalmente.

Será, portanto, a altura certa para se fazer uma análise das razões que levaram à actual situação. Percebe-se que os candidatos à liderança venham a apelar à unidade partidária, colocando uma pedra sobre o passado e assim tentando evitar fracturas eleitorais que lhes possam ser prejudiciais mas a mudança, qualquer mudança seja em que sector da actividade for, não se faz nunca sem uma avaliação do passado que explique o presente para construir um futuro diferente.


E também em política as árvores se conhecem pelos seus frutos. A passagem de Rui Rio pela presidência do PSD teve como resultado duas derrotas eleitorais em eleições legislativas o que traduz, certamente, o juízo que o eleitorado fez da sua acção política. O número de deputados do PSD na Assembleia da República quedou-se, em 2022, em apenas 77 enquanto o PS soma 120 deputados. Mas não só. À direita do espectro político existem hoje a Iniciativa Liberal com 8 deputados e o Chega com 12 deputados, enquanto o CDS não está representado com nenhum deputado. É esta a consequência política muito concreta da acção do PSD nos últimos anos, depois de ter assumido a governação do país entre 2011 e 2015 nas condições ditadas pelo programa de ajustamento financeiro, vulgo troika, a que o governo socialista de José Sócrates sujeitou o país com a sua governação.

Na realidade, Rui Rio fugiu sempre de assumir aquela governação do PSD, ajudando à construção da narrativa socialista de que a «austeridade» tinha sido uma escolha desse governo e não uma obrigação ditada pela situação de pré-bancarrota do país. Durante o seu mandato à frente do PSD defendeu sempre que o PSD seria um partido de centro-esquerda, não percebendo que esse é o espaço natural do PS, ainda que eventualmente vá buscar apoios à extrema-esquerda, quando disso necessita, para de seguida a deixar cair, como hoje se vê. Nem a História do PSD e das suas vitórias com maioria absoluta como aconteceu com a AD de Sá Carneiro e Cavaco Silva lhe fizeram, e aos seus apoiantes, perceber como foram conseguidas. Com Rui Rio, e durante os períodos de governação socialista, o PSD demitiu-se do seu papel de oposição activa escudando-se em afirmações de uma suposta defesa do interesse nacional, para apenas aparecer nas campanhas eleitorais, quando as escolhas estão basicamente definidas. Chegou-se ao ponto de aprovar uma ida do primeiro-Ministro à AR apenas uma vez em cada dois meses em vez de duas por mês, porque o Governo tem que trabalhar, imagine-se. Como se, em Democracia, o papel da oposição não fosse esse mesmo, fazer oposição e afirmar-se como alternativa durante todo o tempo e não apenas nas campanhas eleitorais. Bem podem vir agora argumentar com a passagem de votos da extrema-esquerda para o PS como justificação da maioria absoluta, que isso apenas mostra como o PSD não foi capaz de suscitar apoio eleitoral onde dizia que o ia obter. E do outro lado, contribuiu para a eliminação do CDS na AR, ao não aceitar coligação e deu ainda espaço para que a IL e o Chega tivessem as votações que se conhecem.

Diria que pior seria impossível. Pelo resultado da sua actuação Rui Rio ficará na História do PSD como um dos piores presidentes que teve, se não o pior. Já na História de Portugal nem esse rodapé terá. Quem lhe suceder será, naturalmente, de outra geração, com outras prioridades mais conformes quer com o eleitorado natural do PSD desprezado nos últimos anos, quer com um país que entretanto evoluiu e que necessita de novas respostas para os seus problemas, os de sempre e os novos que estão a surgir.

Publicado originalmente no Diário  de Coimbra em 18 de Abril 2022

Imagens retiradas da internet