segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Coimbra no seu melhor, também na Cultura


A Canção de Coimbra, nas suas diversas formas, é um património cultural diferenciador e mesmo identificador da nossa Cidade. De entre os seus cultores ao longo dos anos contam-se alguns dos maiores expoentes da música portuguesa, quer entre os cantores, quer instrumentistas. Algumas das canções e das composições instrumentais tornaram-se famosas no mundo inteiro e os seus acordes iniciais remetem instantaneamente para Coimbra.
Há cerca de um ano deixou-nos aquele que é considerado um dos expoentes na arte de tocar guitarra à maneira de Coimbra, no que se tornou uma referência pela forma inconfundível como o fazia, diferente de todos os outros guitarristas, anteriores e contemporâneos. Francisco Martins aprendeu ainda criança a tocar Guitarra com António Portugal e a sua sensibilidade própria e a dedicação ao instrumento levaram-no a ser um executante excepcional. Mas Francisco Martins tinha ainda uma outra qualidade inata que o distingue de todos os outros cultores da canção de Coimbra. Era um compositor genial com a capacidade de produzir belas melodias. Especialistas como Armando Luís de Carvalho Homem elogiam a beleza das suas composições e a sua arte suprema como executante na Guitarra.
Os artistas que o acompanharam à viola ao longo da sua vida recordam com saudade e carinho a experiência que foi tocarem com ele. Em especial, é particularmente comovente ouvir Rui Pato, que o acompanhou desde os dezasseis anos, descrever a emoção que era tocar com Francisco Martins, ele que é igualmente um artista notável a tocar o seu instrumento, a guitarra clássica, tendo por isso mesmo sido escolhido por José Afonso para o acompanhar nos seus discos imortais. 

Além dos espectáculos ao vivo, Rui Pato acompanhou Francisco Martins nos seus álbuns a solo “Canção da Primavera” em 1986 contendo, entre outros temas, a “Canção da Primavera”, “Despedida” e “Momento Breve” e “Primavera 2” em 1996 que inclui “a “Dança Estival”, a “Canção da Primavera nº 2”, as “Variações em Fá Maior” e a “Despedida”, entre outros. No seu último álbum a solo “Convívios Musicais” em 2004, Francisco Martins foi acompanhado à viola por Aníbal Moreira, experiência que este descreve como um dos pontos mais altos da sua vida artística. Antes destes, Francisco Martins havia editado o disco “Flores para Coimbra” em 1969, onde era patente a sua capacidade de fazer acompanhamentos e já se fazia notar a sua originalidade e inspiração como compositor nas obras “E alegre se fez Triste” e “Trova da planície”, com letras de Manuel Alegre e Orlando de Carvalho, respectivamente.

Francisco Martins viveu a sua vida da forma discreta que escolheu, alternando a sua actividade artística musical com o exercício da profissão, tendo sido um Médico de reconhecido profissionalismo e saber como Chefe do Serviço de Neurorradiologia nos Hospitais da Universidade de Coimbra.
Senhor de um humor próprio e uma simpatia inexcedível, deixou uma profunda saudade em todos os que tiveram a sorte de o conhecer ou ser seus amigos e o autor destas linhas teve o privilégio de ouvir os seus comentários ao escrito nalgumas destas crónicas e em particular, como ele dizia sorrindo “ao que lá não estando, está”. Mas sendo um artista genial, deixou-nos as obras que compôs e gravou, que fazem com que ele nos acompanhe em permanência, sortilégio exclusivo dos artistas.
Cultivar a sua memória e divulgar a obra que nos deixou é um dever que sentimos ser da Cidade que foi sua de alma e coração.
É, pois, inteiramente justo e adequado o PRÉMIO FRANCISCO MARTINS que a Orquestra Clássica do Centro, com o apoio da Câmara Municipal e da Livraria Almedina, acaba de instituir para premiar anualmente autores de obras musicais, promovendo novos valores e, simultaneamente, perpetuar a obra e o nome de Francisco Martins. Sendo reconhecido pelos seus pares como um dos maiores executantes de Guitarra de Coimbra e fundamentalmente um dos compositores mais notáveis da Música de Coimbra, este será o primeiro passo para o reconhecimento que a nossa Cidade notoriamente lhe deve como um dos seus artistas maiores.

E, caro leitor, é enorme a satisfação do autor destas linhas por mais uma vez poder colocar no título da crónica semanal, “Coimbra no seu Melhor” e partilhar esse gosto com os leitores.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Coimbra no seu melhor


A avalanche de notícias das últimas semanas não é propícia a que outras novidades importantes, mas fora do foco principal da atenção generalizada, tenham a atenção que merecem. Ainda que num determinado dia surjam com algum destaque na imprensa, são rapidamente esquecidas, levadas pelo imediatismo de que vive a comunicação social.
Há cerca de uma semana, Portugal foi admitido na Aliança M8, que é o mais importante grupo de reflexão na área da saúde a nível mundial, tendo passado a ser o 14º país e o 5º da Europa a fazer parte dele. A candidatura, que começou a ser preparada há um ano, foi aprovada por unanimidade enquanto decorria a Assembleia Geral da Cimeira Mundial da Saúde, que é a conferência anual da Aliança M8 e que teve lugar em Berlim. Deve-se salientar que a candidatura portuguesa contou com o patrocínio do Brasil e da Academia Portuguesa de Medicina e ainda com o apoio do Charité, hospital universitário e universidade de Berlim, bem como do Ministério da Saúde.
A Aliança M8 constitui uma rede de excelência de Centros Médicos de Saúde Académicos, Universidades e Academias Nacionais, a partir da qual se organiza anualmente a Cimeira Mundial da Saúde, onde se analisam e discutem os cuidados de saúde. É seu objectivo “promover a a investigação transnacional, bem como a inovação na abordagem da prestação de cuidados, almejando o desenvolvimento de sistemas de saúde eficazes na prevenção da doença”. Além de Portugal que passou agora a integrar a Aliança M8, fazem parte mais quatro países europeus, a França, a Inglaterra, a Suiça e a Alemanha. Das instituições incluídas salientam-se, por exemplo, o Imperial College do Reino Unido, a Sorbonne de França, a Universidade de São Paulo do Brasil, ou a Bloomberg Escola de Saúde Pública John Hopkins dos EUA
Trata-se do início da participação de Portugal no mais importante fórum mundial da saúde, mas o seu significado é ainda mais importante para Coimbra. De facto, Portugal é aqui representado pelo consórcio formado pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e pela Universidade de Coimbra.
É reconhecida desde há muito tempo a relevância da Saúde em Coimbra, quer pela amplitude da oferta de serviços, quer pela qualidade e nalgumas áreas mesmo pela excelência reconhecida a nível nacional e internacional. O estabelecimento do consórcio entre o CHUC e a Universidade de Coimbra é apenas a formalização de uma ligação que existe desde sempre, já que boa parte do ensino da Medicina em Coimbra se faz no próprio CHUC. Foi, no entanto, importante para juntar esforços através dos representantes máximos das duas instituições, mas também por anexar os próprios ministérios da Saúde e da Educação, simbolizando uma união de esforços concertada no objectivo da entrada de Portugal na Aliança M8.
Desta vez, Coimbra conseguiu ser farol e agregar o país à sua volta, impondo-se não por razões simbólicas ou de qualquer outro tipo, mas pela sua excelência e capacidade de organização. E não se pense que foi muito fácil. Basta referir que, tanto o Hospital de S. João do Porto, como o Hospital de S. Maria de Lisboa estavam interessados em ser o representante português na Aliança M8, tendo exercido influências, às vezes até exageradas, para que Coimbra mais uma vez ficasse para trás.

Seria injusto, perante este sucesso, não referir o nome do principal responsável para que acontecesse. O presidente do Conselho de Administração do CHUC Dr. Martins Nunes foi capaz de definir um objectivo muito difícil, que muitos considerariam mesmo inacessível, estabelecer uma estratégia, construir a necessária rede de aliados nacionais e proponentes internacionais, perceber donde vinham as dificuldades laterais para as anular e lutar para levar a Instituição que dirige a ocupar um lugar entre as melhores e mais influentes Escolas de Medicina do mundo. Não é algo que seja vulgar em Portugal, mas em Coimbra é um sucesso a salientar e que merece todo o respeito e admiração da nossa comunidade. Parabéns pelo trabalho bem feito, Dr. Martins Nunes.
Mas a importância desta entrada na Aliança M8 é feita em representação de Portugal. Permite o acesso directo ao que de melhor se faz na Medicina e na sua investigação no mundo, enquanto abre uma porta à Medicina portuguesa e aos nossos investigadores.

Poder escrever com toda a justiça o que vai no título desta crónica, “Coimbra no seu melhor”, é uma satisfação enorme. Retirar uma notícia com uma enorme relevância para a nossa comunidade da enxurrada das notícias que vêm e vão sem deixar rasto e dar-lhe atenção pública é uma obrigação de cidadania.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 19 Outubro 2015

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O gosto e o desgosto do Capitalismo

Há algumas semanas li uma interessante entrevista a uma jovem que se rebelava publicamente contra o “estado de coisas”. Perguntada sobre como se definia politicamente respondeu de pronto que era anti-capitalista; questionada sobre se era comunista, respondeu que não.
Vivemos hoje numa sociedade em que a organização económica em quase todo o mundo deriva do capitalismo ou, se se preferir outra designação, economia de mercado. As excepções são uns restos do antigo modelo comunista, como Cuba ou a Coreia do Norte, havendo ainda a China governada pelo partido Comunista, mas com uma organização económica complexa que mistura puro capitalismo de Estado, com livre iniciativa privada, embora rigorosamente vigiada.

O colapso da União Soviética ocorreu em 1989, há portanto 26 anos, o que significa, na realidade, que os jovens de hoje não possuem qualquer memória pessoal sobre aquela realidade, desconhecendo em absoluto as origens das posições ideológicas anti-capitalistas clássicas, sejam as dos partidos comunistas clássicos, ou das dos numerosos esquerdismos maoismos, trotzkismos, etc, sejam as de extrema direita. 
No que diz respeito a Portugal, o 25 de Novembro de 1975 está ainda mais longe, pelo que a sua memória histórica aparece ainda mais diluída, com a ajuda do branqueamento levado a cabo pelos próprios interessados que vão mantendo intactos os seus referenciais ideológicos historicamente derrotados em 1989.
O capitalismo não é uma ideologia política, constituindo antes uma forma de organização económica baseada na liberdade pessoal e na livre iniciativa, sendo aquela que historicamente teve mais sucesso. Tem facetas boas e tem facetas más. Para não irmos mais longe, o caso da vigarice organizada pela Volkswagen à escala global, é o exemplo acabado de como a ganância e a necessidade de os administradores apresentarem resultados positivos e crescimento constante aos accionistas (os donos das empresas) podem levar a enganar consumidores e autoridades fiscais do mundo inteiro. 
A desproporção de poder do capital das empresas perante os outros “stakeholders” leva facilmente a estes abusos, pelo que a regulação e a capacidade de actuação e independência de autoridades fiscais e entidades judiciais é essencial para restabelecer o necessário equilíbrio.
Mas a indústria automóvel é igualmente uma das demonstrações mais categóricas das capacidades positivas do capitalismo. Os automóveis evoluíram desde o seu surgimento, sendo hoje tecnologicamente avançados, oferecendo uma economia de combustível e uma segurança inimagináveis até há poucos anos. Tal foi possível, pela competição entre os diversos fabricantes do mundo inteiro, que foram sucessivamente absorvendo as inovações tecnológicas que cada um ia conseguindo. A comparação com automóveis dos países comunistas até aos anos noventa do século passado dava azo às mais diversas anedotas, porque nos lembramos dos Trabant, Wartburg, Volgas e coisas semelhantes que também tinham 4 rodas, mas mais nada que se comparasse ao que o capitalismo consegue produzir.

O anti-capitalismo cresce entre a juventude de hoje, sem que tal signifique uma posição política ditada por uma ideologia sustentada, designadamente naquelas que vão até Marx ou Engels e que não dizem nada aos jovens de hoje que vivem mergulhados na informação trazida pela internet através dos tablets, computadores e telemóveis. Tudo isto, ironicamente, produtos cuja existência e utilidade só foram tornados possíveis pelo capitalismo e que, além do mais, promovem de forma extrema a liberdade individual. 

Mas todos esses aparelhos funcionam com software, tão ou mais importante que os próprios equipamentos. E os produtores de software ganham fortunas colossais a nível global mas, praticamente, não têm mão-de-obra, o que contribui largamente para a má imagem actual do capitalismo, de que toda a gente aproveita, mas que tanta gente detesta.

Publicado originalmente no Diário de Coimbra de 12 de Outubro de 2012.


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Pequena reflexão, no dia que lhe é dedicado

Sábado de manhã a escrever a crónica semanal em dia de reflexão. As eleições são amanhã e esta crónica será publicada na segunda-feira, já depois de conhecidos os resultados eleitorais e terem acontecido as consequências políticas mais importantes, para além dos festejos dos vencedores. Como habitualmente, folha branca e caneta ao lado do computador, para alinhar tópicos a desenvolver. Um assunto se impõe: eleições.
As eleições deste fim-de-semana vão ficar para a História. Eventualmente pelos resultados, mas desde logo pelo seu circunstancialismo verdadeiramente excepcional.
Imagine quem me está a ler que, na parede de fundo da sua sala de jantar, tem o quadro Guernica de Picasso. Sim, eu sei que só pelas suas dimensões tal seria difícil, eu próprio já me emocionei algumas vezes perante a pintura, pelo que a conheço bem. Mas deixe esse aspecto de lado e imagine que todos os dias almoça e janta com as crianças e restante família tendo a Guernica como fundo. Significaria isso que mesmo durante esses períodos de leve convívio e confraternização agradável e bem-disposta, não deixaria de ter como pano de fundo a guerra, a destruição, o ódio, a desgraça da barbárie, o sofrimento atroz e os gritos de socorro eternizados genialmente por Picasso. O que, deve dizer-se, não é propriamente boa companhia para os momentos de lazer e convivência, pelo que quem almoçasse numa tal sala só tinha duas hipóteses: ou nunca mais lá almoçava, ou de alguma maneira esquecia que o quadro estava ali, transformando-o mentalmente numa simples peça de decoração sem significado intrínseco.
Ora bem, o que se passou nestas eleições foi uma situação semelhante, que obrigou de alguma forma os portugueses a almoçar numa sala com a Guernica ao fundo, fazendo os possíveis e impossíveis por não dar por ela.
Portugal é o país em que o principal responsável durante dezenas de anos por um dos maiores bancos está detido com suspeitas de fraudes e sei lá que mais crimes económicos. Ricardo Salgado foi durante anos a face do banco e do grupo económico a que presidia, por escolha da restante família. Mas foi muito mais do que isso. Socialmente era o expoente de uma determinada elite que fugia às capas das revistas ditas sociais; ao contrário dos arrivistas que se pelam por lá aparecer, aquela família pagava o que fosse preciso para se manter fora das fotografias. E tinha-se a noção de que pairava acima das restantes pessoas, quer pela atitude, quer pelo poder que se adivinhava só pela sua presença. Poder real, dado que o seu banco era claramente aquele que mais claramente se relacionava com a economia e as médias e pequenas empresas mas, e sobretudo, pela participação do grupo nos maiores negócios do país, naqueles em que o Estado tinha uma palavra decisiva. Falo, como é bom de ver, nas telecomunicações e nas diversas parcerias publico privadas que transformaram as obras públicas em simples justificação para negócios financeiros. Tudo ruiu fragosamente perante o descalabro de contas que se tornaram impossíveis de esconder e o homem que era o maior responsável por aquele império está detido, aguardando pela conclusão de processos que se adivinham numerosos e pesados, não só em Portugal, mas também em pelo menos meia dúzia de países com a Suiça à cabeça.

Mas esta não é a única detenção de pessoas importantes que a Justiça manteve durante os meses que antecederam estas eleições. Vários políticos de topo se viram a braços com processos judiciais relacionados com actividades ilícitas como corrupção e troca de favores durante o exercício de elevadas funções como governantes ou agentes superiores do Estado, pelo que passaram esta campanha detidos. À cabeça está, como é evidente, o anterior primeiro-ministro de Portugal, não cabendo aqui comentar ou analisar da justeza ou não da actuação da Justiça neste caso, bastando apenas para o caso dar nota de que a situação existe e é ineludível.
Tal como podemos fazer por ignorar o quadro de Guernica na sala de jantar, a realidade de fundo destas eleições foi esta. Para além das questões evidentes da vinda e saída da troika, da austeridade e sacrifícios dos portugueses, das contas do Estado, da evolução económica, da emigração, do desemprego, das exportações etc. etc. havia algo de que não se falava, mas que estava sempre presente.
Portugal é um país com muitos séculos de História. É mesmo o pais europeu que tem as suas fronteiras estabilizadas há mais tempo. Os portugueses já passaram por muito ao longo de todos estes séculos e adquiriram um saber e um sentir colectivos que ultrapassam em muito questões pontuais, por mais relevantes que elas pareçam quando surgem.

O facto de os portugueses, embora bem conscientes do circunstancialismo excepcional destas eleições, terem mantido a serenidade, demonstrando um civismo exemplar e uma cultura democrática superior durante estas eleições e todo o longo período de campanha que as antecedeu é o mais importante que fica, muito para além da sua vontade política expressa nos votos no dia de amanhã.
Nota: foto de votantes inserida posteriormente neste texto.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Poluidor, em qualquer estrada

Em 1965 foi publicado nos EUA um livro da autoria de Ralph Nader, com o título “Unsafe at any speed” – “Inseguro a qualquer velocidade”. Embora tivesse ficado para a história como tendo sido a causa do fim da produção de um modelo concreto, o “Corvair”, o livro punha em causa muitas opções da indústria automóvel de então, em particular a resistência em adoptar sistemas de segurança para os passageiros como os cintos de segurança, bem como a continuação de utilização de sistemas tecnológicos inseguros, como as suspensões, a direcção e travões, para além de designs exteriores perigosos para os peões em caso de atropelamento. Foi um grito de alerta, muito mal recebido pela industria automóvel, mas o certo é que depois disso houve uma evolução drástica nessa indústria, bem como na acção de associações de consumidores e na exigência dos próprios automobilistas. Hoje em dia, os automóveis só por terem uma carroçaria e quatro rodas se parecem com os daquele tempo. A própria indústria automóvel puxou pela investigação e desenvolvimento de sistemas activos e passivos que tornam os automóveis de hoje incomparavelmente mais seguros para todos os utentes da via pública.
Por sua vez, os choques de petróleo da década de setenta e a consciência ecológica crescente levaram a um aprofundamento do conhecimento do funcionamento dos motores de combustão para a melhoria da sua eficiência, com vista a diminuir o consumo de combustível e a emissão de gases de escape, principalmente dióxido de carbono.
Da indústria automóvel do mundo inteiro, houve um país que se destacou nas últimas dezenas de anos pela qualidade dos seus produtos, que é a Alemanha. Os automóveis alemães, em particular das três marcas premium, a Mercedes, a BMW e a Audi, alcançaram um patamar de prestígio pela robustez das suas mecânicas, qualidade geral de construção que se traduz numa grande fiabilidade, pioneirismo na introdução de sistemas activos de segurança e mesmo design exterior que os tornaram no modelo a seguir pela indústria automóvel de todo o mundo e objectos de desejo dos consumidores.
Em particular, o desenvolvimento tecnológico dos motores diesel fabricados na Alemanha, acabou com a imagem barulhenta, pouco potente, suja e poluente que tinham há alguns anos. Hoje em dia, é mesmo o desenvolvimento tecnológico dos motores diesel, que se sobrepõem mesmo aos motores a gasolina em termos de potência e velocidade, que faz frente a um surgimento mais em força dos motores eléctricos. A eficiência dos motores a gasóleo tem subido enormemente, sendo evidente que ainda podem tirar muito mais força motriz da energia do combustível que gastam, pelo que o seu futuro é ainda promissor.
No entanto, um acontecimento veio nos últimos dias abanar a indústria automóvel de uma forma só comparável ao sucedido na década de sessenta com o livro de Nader. A Volkswagen, que é actualmente o maior fabricante automóvel do mundo, está no centro de um furacão com consequências ainda difíceis de calcular. Depois de ter sido alvo de uma denúncia, por parte da agência de protecção ambiental americana (EPA), de que milhões dos seus automóveis possuíam um dispositivo que permitia enganar as medições da emissão de gases de escape, a Volkswagen reconheceu o facto, boa parte da sua administração demitiu-se, o seu valor bolsista caiu em mais de trinta por centro, arrastando muitos investidores na queda e as multas que vai pagar são gigantescas.
A protecção ambiental leva a que os impostos sobre os automóveis tenham uma forte componente ambiental. Em Portugal, por exemplo, quer o imposto único de circulação (IUC), quer o imposto sobre os veículos automóveis (ISV) têm essa componente, calculada a partir das emissões declaradas de CO2. Se os construtores automóveis declaram um valor e depois quando circulam na estrada poluem trinta ou quarenta por cento mais, há consequências ambientais evidentes, mas também prejuízo fiscal para o Estado, para além de engano deliberado dos consumidores.

Existe ainda outro prejuízo impossível de calcular a curto prazo. A Volkswagen é alemã e detentora de várias outras marcas como a Skoda, a Seat e a Audi, estando esta última claramente entre as melhores marcas do mundo, para além da própria Porsche pertencer ao mesmo grupo. A confiança, particularmente na indústria automóvel, constrói-se de forma árdua e contínua ao longo de muitos anos, pelo rigor e exigência de qualidade acima de toda a suspeita. A perda dessa confiança é instantânea. E quando uma indústria é quase a imagem de marca de um país no mundo inteiro, a perda é ainda maior. E é essa a maior questão trazida pela fraude gigantesca da Volkswagen.
Foto de http://www.economist.com/.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 28 de Setembro de 2015

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

PRECESSÃO DOS EQUINÓCIOS




O equinócio do Outono chega na quarta-feira às nove e meia da manhã. Num dos dois dias do ano em que a duração do dia é igual à da noite, a eclíptica passa para o lado de “baixo” do equador celeste, sinalizando o início do Outono no nosso hemisfério Norte.
Ao contrário do que nos ensinaram das escolas, a Terra não tem só dois movimentos, o de rotação em torno de si mesma e o de translação em volta do Sol. Dos mais de dez movimentos que faz para além daqueles dois um deles, que já é conhecido há alguns séculos, chama-se precessão. Tal como um pião que roda em torno do seu eixo, mas de forma inclinada, também a Terra roda em torno do seu eixo, estando este inclinado cerca de 23,5º em relação à perpendicular da eclíptica que corresponde à órbita em torno do Sol. 

Por isso, os pólos da Terra vão descrevendo um círculo em torno da perpendicular da eclíptica, que se repete a cada 26.000 anos, significando isso que não apontam sempre para o mesmo local da esfera celeste. É assim que, se actualmente a estrela que vemos mais próxima do pólo Norte é aquela a que chamamos Polar, daqui a uns 13.000 anos será a estrela Vega que estará nesse local, para daqui a 26.000 anos ser de novo a Polar, após o fecho do círculo.
Desde muito cedo que os homens se habituaram a olhar para o firmamento, retirando informações da regularidade dos movimentos dos diversos astros que viam, o que lhes permitia prever eventos astronómicos. Daí às tentativas de prever o seu próprio futuro através dos astros foi um passo, tendo-se assim desenvolvido a astrologia, que ainda hoje tem muitos seguidores, como se vê nas televisões e jornais. Só que, a realidade é muito mais complexa do que a simples observação dos astros no firmamento. Além de a esfera celeste ser muito enganadora, dado que os astros estão todos a distâncias muito diferentes de nós, embora pareçam colados numa esfera, na realidade eles não estão sempre no mesmo sítio consequência, entre outras causas, da precessão dos equinócios. Por isso, aquelas cartas astrológicas muito bonitas e complexas que se fazem para prever a vida das pessoas falham por completo para além claro, de todos nós termos a liberdade de escolher os nossos caminhos independentemente do que alguns pensam “estar escrito nas estrelas”. Quando olhamos para a História, podemos ter a tentação de pensar que há uma lógica interna, um fio condutor qualquer pré-determinado que a explica. Na realidade, a complexidade das relações sociais e económicas é tão grande, que muitos dos eventos que mudaram o caminho da História poderiam não ter acontecido ou poderiam ter funcionado ao contrário, apenas com uma pequena variação de factores completamente imponderável.
Com a evolução do conhecimento científico, a astrologia cedeu o seu papel à astronomia, estando hoje remetida para o lugar das curiosidades e da exploração dos mais crédulos.
Mas a humanidade parece gostar e até precisar muito de “forças”, “magnetismos” e “atracções” mais ou menos ocultas para explicar o que lhe vai acontecendo. Nas últimas dezenas de anos novas cartas astrológicas parecem ter vindo substituir as antigas, com o objectivo de prever e, se possível, construir o futuro. Acompanhando a crescente invasão de toda a actividade humana pelas finanças, os economistas, particularmente os que se dedicam à econometria, têm vindo a desenvolver modelos matemáticos cada vez mais complexos e inacessíveis ao vulgar cidadão, onde introduzem uma imensidade de dados históricos, assim calculando multiplicadores que, como por magia, se aplicados ao presente permitiriam conhecer o futuro. Esquecendo-se daquela velha história que ensina que o bater de asas de uma borboleta no Japão pode provocar um furacão no Atlântico, pretendem reduzir a complexidade das relações humanas a uma simples relação directa de causa-efeito, sem perceberem que tomam o lugar das leitoras de cartas Tarot. E, ainda por cima, com frequência erram gravemente no cálculo dos multiplicadores, como já aconteceu com o próprio FMI.
Certamente que o conhecimento do passado, também nas chamadas ciências económicas, é extremamente importante para tomar boas decisões, até para evitar erros passados. Mas daí a pensar que se pode prever o futuro com fórmulas matemáticas que ainda por cima escondem pressupostos escolhidos à vontade do freguês, vai o passo que faz a diferença entre a ciência e a... chamemos-lhe fantasia, que até tem o condão de deixar mal quem nela cai na asneira de confiar cegamente.
Publicado originalmente no Diário de Coimbra em 21 de Setembro de 2015

Uma constante?

Em Inglaterra, o Governo conseguiu ultrapassar a crise e voltar ao crescimento; as sondagens davam empate técnico: venceu folgado o partido no Governo. 
Na Grécia, o Governo chegou a acordo com a troika e preparou um novo resgate que evita a saída do euro, pelo menos a curto prazo; as sondagens davam empate técnico: o partido no Governo venceu folgado. 
Em Portugal, o Governo cumpriu o memorando assinado com a troika, o FMI foi-se embora e o crescimento regressou; as sondagens dão empate técnico: o partido no Governo........(a completar no dia 4/X).

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

E o Luso aqui tão perto (Crónica de viagem)



Coimbra é o centro geográfico de uma pequena região dotada de numerosos locais apelativos, dotados de características próprias e que, no seu conjunto, constituem uma zona com um valor extraordinário, do ponto de vista turístico. Tudo isto a pouco mais de meia hora de viagem de automóvel, o que facilita as deslocações de ida e regresso, com tempo para usufruir daquilo que nos é oferecido. Locais que mereceriam ser tratados em conjunto do ponto de vista turístico, em conjunto com a própria cidade de Coimbra, dada a sua complementaridade evidente.
A Lousã, com a sua serra e as aldeias dantes abandonadas e que hoje constituem um conjunto cosmopolita. A paisagem impressionante de Penacova com o rio Mondego a correr no fundo da serrania. Montemor-o-Velho e o seu castelo magnífico sobre os belíssimos campos do Mondego. A Figueira da Foz, quer como praia, quer como cidade, sem esquecer as outras praias de Quiaios, Mira e Tocha. A Curia com o parque das termas, o Grande Hotel e o seu parque, para além do único campo de golf verdadeiramente perto de Coimbra. Entre tantos outros de que espero falar em breve, são tudo locais com belezas diferentes e encantos próprios tantas vezes esquecidos dos guias turísticos elaborados em função de regiões turísticas agigantadas que tendem a esquecer o pormenor.

A norte de Coimbra, e bem perto, está ainda a Serra do Buçaco, com a sua mata valiosíssima do ponto de vista ambiental e o magnífico Hotel que, para além dos seus serviços de qualidade excepcional, nos proporciona a sua extraordinária beleza arquitectónica e paisagística. Dos seus jardins que se podem usufruir livremente, é possível partir para passeios pedestres pelas matas, quer para a Cruz Alta no cimo da serra, quer para a vila do Luso, no fundo da serra.
A vila do Luso, que mais parece uma Sintra em miniatura pelas suas belezas naturais e edificações, tem vindo a ser objecto de uma reabilitação urbana cuidada por parte da Câmara da Mealhada, que lhe melhorou substancialmente os espaços públicos, incluindo as fontes de água onde desde sempre qualquer pessoa se pode abastecer livremente da água do Luso que a mala do seu carro conseguir conter em garrafões.
Bem nas proximidades da fonte, está o “Casino do Luso”, edificado no século XIX sobre os balneários das termas. Também este edifício foi restaurado, mostrando-se hoje em toda a magnificência do seu salão com o tecto pintado em 1910 pelo pintor Gabriel Constante.

 A história deste edifício e do seu sugestivo nome vem de, no início do século XX, ter sido arrendado ao Casino Peninsular da Figueira da Foz, depois de ter sido “Club” e “Grémio”; Alguns anos depois, a Sociedade de Águas do Luso passou a explorar directamente o espaço, mantendo-se, no entanto, a designação até aos dias de hoje.
Se o “Casino” do Luso só por si já merece uma visita, a exposição que neste momento acolhe é um motivo acrescido para a deslocação ao Luso. Estão a passar 205 anos sobre a Batalha do Buçaco e no Casino do Luso está montada uma interessante exposição sobre o conhecimento geográfico daquela região nessa altura da História, bem como de partes do país com particular enfoque nos locais que tiveram algo a ver com a passagem dos exércitos franceses durante as invasões. Nesse tempo, eram os Engenheiros militares que tinham a função de fazer os levantamentos e de os passar para as cartas, não havendo ainda Engenheiros civis, tendo as cartas uma importância crucial para as operações militares, como se sabe. Grande parte das cartas existentes na altura foi levada para o Brasil com D. João VI e o seu séquito, outra parte foi depois levada de Portugal pelos franceses e também pelos ingleses. Do espólio de cartas desse tempo actualmente existente em Portugal, foram impressas cartas com explicações técnicas e históricas, que estão em exposição no Casino do Luso até ao fim deste mês. 

Para quem não se interessar tanto por este assunto, há algo mais a justificar a visita. De facto, estão expostas dezenas de caricaturas com figuras a três dimensões, que reproduzem com bastante rigor os uniformes militares portugueses desde o início da nacionalidade até aos dias de hoje.
Como frequentador usual do Luso, sempre achei estranho que seja raro encontrar por lá conimbricenses que, provavelmente, vão procurar muito mais longe tudo o que aquela vila oferece, incluindo hotelaria para as mais diversas bolsas, termas e SPA. E o Luso está aqui tão perto, caro leitor, que vale mesmo a pena a pequena viagem para lá ir.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Um cidadão inteiro

Lembro-me bem de, há já bastantes anos, o Diário de Coimbra ter publicado uma notícia sobre o desenvolvimento de um forno solar perfeitamente funcional e comercializável por um aluno liceal da nossa Cidade, chamado Pedro Saraiva. Coimbra tinha ali o primeiro contacto com a criatividade e capacidade empreendedora de alguém que se viria a tornar conhecido em todo o país. Devo fazer aqui uma declaração de interesses, dado que, embora muito mais tarde, vim a desenvolver não só uma grande admiração por Pedro Saraiva, mas também uma relação de amizade pessoal.
A carreira académica de Pedro Saraiva foi notável e não podia ser de maior sucesso. Licenciou-se brilhantemente em Engenharia Química na Universidade de Coimbra, podendo aqui prestar testemunho de uma conversa que tive sobre ele, enquanto aluno, com o professor de uma das cadeiras do seu curso e que me disse ter classificado o Pedro Saraiva com um vinte, sendo aliás o único vinte que deu na sua vida de professor universitário. Sendo ele próprio um cientista rigoroso e exigente mas justo, concluiu que aquele aluno sabia pelo menos tanto como ele sobre aquela matéria de química pelo que, em consciência, aquela era a única classificação que lhe poderia atribuir. Pedro Saraiva viajou depois para Boston nos Estados Unidos, para se doutorar com menos de trinta anos de idade no Massachusetts Institute of Technology (MIT) que é, como sabemos, uma das escolas de Ciências e Tecnologia mais prestigiadas do mundo, onde vários prémios Nobel são professores. Regressado à Universidade de Coimbra, onde hoje é Professor Catedrático, desenvolveu uma carreira como cientista e investigador na área da engenharia química, mas também nas áreas da qualidade, da inovação, do empreendedorismo, desenvolvimento de processos e sistemas e ainda de gestão. Entretanto, foi vice-reitor da Universidade, sabendo-se da sua acção profícua na ligação da investigação universitária ao mundo empresarial.
Ele próprio desenvolveu uma actividade empresarial intensa, provando que não se é empreendedor a falar sobre isso, mas a fazer, umas vezes com sucesso total, outra vezes falhando; a que acrescentou ainda uma permanente acção associativa nas áreas do empreendedorismo e vida empresarial
A certa altura da sua vida Pedro Saraiva dedicou-se à causa pública. Foi presidente da Comissão de Coordenação da Região Centro, função a que se dedicou com toda a sua capacidade e conhecimento.
Pedro Saraiva foi também Deputado à Assembleia da República durante dois mandatos, até à legislatura que agora termina. Durante este último mandato, calhou-lhe ser o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao BES. Todos tivemos oportunidade de ir observando as intervenções de algumas das personalidades chamadas a depor nessa CPI, percebendo-se a complexidade do caso e a dificuldade de, através das declarações contraditórias, umas ao ataque e outras à defesa, compreender como a dívida do BES foi circulando por um conglomerado de empresas. Mostrando a sua inteligência fulgurante e a sua memória prodigiosa, o Deputado Pedro Saraiva, de tal forma conseguiu deslindar aquele emaranhado, com total independência, mas também aplicando todos os seus conhecimentos matemáticos, de sistemas e de comportamento de processos complexos, que o relatório preliminar que produziu recebeu rasgados elogios de todos os grupos parlamentares, da esquerda à direita.
O Pedro Saraiva, tomo a liberdade de o tratar assim aqui, como aliás no dia-a-dia toda a gente que o conhece o faz é, apesar do que acima fica escrito e que é apenas uma pequena parte do que sobre ele poderia ser dito, uma pessoa humilde, nunca se lhe ouvindo qualquer manifestação de importância ou de superioridade. Não levanta a voz a ninguém, nunca o ouvi apresentar-se como professor da universidade e nunca mas mesmo nunca, como professor catedrático, nem sequer para fazer ver algum ponto de vista, ainda que com razão. À formação superior que recolheu numa das melhores universidades do mundo além da Universidade de Coimbra, alia de facto uma educação exemplar, assim brilhando também por aqui numa cidade que vive ainda hoje mergulhada numa doutorice tantas vezes bafienta.
No fim do seu mandato como Deputado que exerceu de forma brilhante, e antes das eleições para uma nova legislatura na qual não vai participar é-lhe devido, na sua terra, o reconhecimento pelo que fez que aqui, pela minha parte, deixo de forma simples. De facto penso que, se é verdade que o silêncio é muitas vezes de ouro, não é menos verdade que ficar calado é muitas vezes significado de medo e hipocrisia, deixando tantas vezes o terreno livre para que a mediocridade faça o seu caminho, o que se reflecte obrigatoriamente num futuro pior do que poderia e deveria ser.